E chegou a Comissão de Inquérito ao BES

Duarte Marques*

O Banco de Portugal decidiu “resolver” o Banco Espírito Santo a 3 de agosto, numa decisão que ficará para a história depois de uma recusa do Governo PSD /CDS em recapitalizar o BES injetando dinheiro público. O BES foi o único banco de capitais portugueses que tinha recusado o empréstimo do dinheiro da “troika” que tinha ficado previsto no Memorando de Ajustamento para recapitalizar o sector bancário. Ricardo Salgado não queria mostrar as contas aos administradores que o Estado nomeava em troca desses apoio da troika. De nada lhe valeu e desde logo gerou as desconfianças que acabaram por mostrar o descalabro da gestão que levou ao fim do Grupo.

Depois da Comissão das PPP´s surgiu, provavelmente, a mais mediática, bem-sucedida e reveladora Comissão de Inquérito que o país já conhecera: a investigação ao Grupo Espírito Santo. O primeiro partido a propor essa CPI foi o PCP a 18 de setembro de 2014. O objeto da proposta era claro: “Inquérito Parlamentar à gestão do BES e do Grupo Espírito Santo, ao processo que conduziu à aplicação da medida de resolução e às suas consequências, nomeadamente quanto aos desenvolvimentos e opções relativos ao GES, ao BES e ao Novo Banco”. Praticamente um mês depois, a 19 de setembro, o inquérito foi aprovado por unanimidade de todos os grupos parlamentares. 

Os trabalhos teriam início logo a 9 de outubro com a eleição do Presidente da CPI, Fernando Negrão, do PSD, cujo perfil e postura viriam a ser decisivos para o sucesso dos trabalhos e para a credibilidade do processo de investigação. O coordenador do PSD nesta CPI foi Carlos Abreu Amorim e o relator eleito e cujo relatório final foi acalmado pelos pares foi o deputado do PSD Pedro Saraiva, de Coimbra.

Como já passaram alguns anos é importante recordar que o Banco de Portugal decidiu “resolver” o Banco Espírito Santo a 3 de agosto, numa decisão que ficará para a história depois de uma recusa do Governo PSD /CDS em recapitalizar o BES injetando dinheiro público. Como, à data, escreveu o regulador bancário “O Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou, no dia 3 de agosto de 2014, aplicar ao Banco Espírito Santo, S.A. uma medida de resolução. A generalidade da atividade e do património do Banco Espírito Santo, S.A. é transferida, de forma imediata e definitiva, para o Novo Banco, devidamente capitalizado e expurgado de ativos problemáticos. Os depósitos são plenamente preservados, bem como todas as obrigações não subordinadas”.

Importa também lembrar que o BES foi o único banco de capitais portugueses que tinha recusado o empréstimo do dinheiro da “troika” que tinha ficado previsto no Memorando de Ajustamento para recapitalizar o sector bancário que era essencial para a retoma da economia. Bancos como o BCP, o BPI, entre outros, receberam esse dinheiro que devolveram rapidamente e com juros muito vantajosos para o Estado. Em troca desse apoio o Estado nomeou administradores para esses bancos que passaram a ter acesso ilimitado a todos os detalhes do dia a dia das instituições. O BES recusou este apoio o que, na altura, causou estranheza aos mais informados, mas a credibilidade de Ricardo Salgado e a sua capacidade para atrair capital internacional ajudou a “camuflar” as desconfianças. 

Meses mais tarde começava o colapso, as primeiras exigências de constituir reservas por parte do Banco de Portugal e as suspeitas levantadas pelo “primo” Riciardi sobre a gestão de Ricardo Salgado. O desrespeito pelas ordens do Banco de Portugal, que visavam garantir e proteger os investidores e os clientes do BES, eram constantemente desrespeitadas por Ricardo Salgado e pela sua administração, o que levou o Banco de Portugal a intervir num banco como nunca havia feito, chegando ao ponto de provocar a saída do histórico líder da família Espírito Santo.

Entretanto “Bruxelas” tinha criado o Mecanismo Único de Resolução, que em Portugal daria origem ao Fundo de Resolução, que pretendia obrigar a um esforço coletivo do sector bancário para acudir a bancos em dificuldades evitando assim recorrer ao dinheiro dos contribuintes. Desta forma todos os bancos passam a dar uma contribuição mensal ou anual para constituir este fundo, que pode ser ativado em caso de necessidade. Como o fundo era recente o Estado emprestou o dinheiro necessário à resolução do BES ao Fundo de Resolução (gerido pelo Banco de Portugal) e tem estado a ser ressarcido desde então. Para saber mais sobre este fundo clique em Homepage | Fundo de Resolução (fundoderesolucao.pt).

A equipa do PSD nessa comissão foi escolhida pelo atual líder Luís Montenegro. Tive o privilégio de fazer parte desse dream team naquela que foi uma das mais honrosas missões que tive no Parlamento. O mandato do PSD era claro: apurar a verdade doa a quem doer. Pedro Passos Coelho, então Primeiro-Ministro, tinha tido a coragem de fechar a porta a Ricardo Salgado e de deixar cair provavelmente o maior banco privado português. Salgado era o “Dono Disto Tudo” e não estava habituado a que lhe dissessem não. Para muitos, como eu, o não a Salgado foi um exemplo marcante da mudança que o país tinha de fazer e que era fundamental para libertar a economia portuguesa: acabar com os privilégios e com o protecionismo a certos grupos, empresas e famílias, que vivem à sombra do Estado e das empresas com capitais públicos. 

Muitos ficaram surpreendidos com esta posição de Pedro Passos Coelho, Primeiro-Ministro ainda jovem que mas sem medo de governar. Foi nesta altura que me contaram uma das histórias que marcam o seu carácter e a sua posição na vida pública. Quase vinte anos antes, pouco tempo depois de Passos Coelho sair do Parlamento, Ricardo Salgado pediu a um amigo que transmitisse a seguinte mensagem: o BES gostava de apoiar o jovem Passos Coelho nesta sua fase de transição para a vida privada, pois sente que tem um grande futuro no país e o banco sente a responsabilidade de lhe garantir este apoio. Como esse amigo de Salgado não tinha confiança suficiente com Passos Coelho, pediu a outra pessoa que lhe transmitisse o recado-convite. Passos Coelho recusou e disse: “Jamais, não aceito. Jamais ficaria nas mãos ou em dívida com esse tipo de pessoa”. Nunca confirmei esta história com o próprio, mas a fonte é tão séria e próxima que tenho a certeza que é verdade. Imaginem agora todo o processo de decisão do caso BES e termos um Primeiro-Ministro sem esta verticalidade e independência?

Recordo ainda que esta CPI surge depois da malfadada Comissão de Inquérito dos SWAPS que, apesar do Governo PSD não ter qualquer responsabilidade, acabou por chamuscar vários membros do Governo que foram apanhados no meio da tempestade e dos jogos políticos que BE, PCP e, sobretudo o PS, fizeram nesse período apanhando o Governo e a equipa das finanças completamente desprevenidos. Serviu de alerta e a gestão política que Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque fizeram do processo BES foi completamente diferente.

A primeira audição teve lugar a 17 de novembro de 2014 e foi logo com o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, que apesar de sempre muito criticado pelas decisões do BP foi quem, nos últimos 20 anos, teve coragem para afrontar o DDT Salgado e para ordenar intervenções diretas em alguns bancos. Esta primeira audição bastante dura serviu desde logo para mostrar ao que “vínhamos”. Quem estivesse de fora e não distinguisse os partidos não perceberia quem apoiava o Governo, quem era do PSD, do PCP ou do BE. 

A intervenção inicial do PSD ficou a cargo de Abreu Amorim e eu fiz várias perguntas na segunda ronda. De imediato começámos a receber mensagens de desconforto de várias pessoas do PSD preocupadas com o “nosso tom”, a dizer que devíamos proteger o Governador e deixar o papel mais desagradável para os outros. Mas essa não era a nossa missão nem o nosso objetivo. Primeiro porque isso era o que mandava a nossa consciência e, por outro lado, porque estávamos convictos que quer o Governo quer o Banco de Portugal tinham agido bem e posto fim a um ciclo de protecionismo inaceitável e injustificado. Por outro lado, se a estratégia era sermos rigorosos, exigentes e duros, teríamos de o fazer desde início e sobretudo com o Regulador cuja missão neste processo havia sido decisiva. No dia seguinte alguns comentadores e especialistas diziam que “surpreendentemente as perguntas mais incómodas ao Governador tinham vindo da bancada do PSD”. 

Da parte do Governo surgiram também alguns sinais de incómodo pela “violência” das perguntas e alguma preocupação pelo tom que tínhamos usado. Mas a verdade é que todos sentíamos que o Banco de Portugal tinha sido, ao longo dos anos, demasiado complacente com alguns coisas e o valor da Resolução era demasiado alto para estarmos com falinhas mansas. Nesta comissão, falo por mim, senti sempre que falava em nome da indignação do povo português.

É justo dizer que logo nesta fase se notava um grande empenho e sentido de responsabilidade de todos os partidos neste processo. Da parte do PS destacava-se João Galamba e Pedro Nuno Santos; do BE, Mariana Mortágua; do PCP Miguel Tiago e Paulo Sá; do CDS Cecília Meireles. Do PSD, além dos três já referidos, destaca-se também a participação de Duarte Pacheco, Jorge Paulo Oliveira e Clara Marques Mendes.

Duarte Marques*

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