Identidade Profissional | 28-12-2022 10:00

Rosália Nicolau: afecto dos funcionários e visitas da família fazem toda a diferença num lar

Rosália Nicolau: afecto dos funcionários e visitas da família fazem toda a diferença num lar
IDENTIDADE PROFISSIONAL
Rosália Nicolau é ajudante de lar na Santa Casa da Misericórdia da Chamusca

Começou a trabalhar aos 12 anos na campanha de tomate, idade com que teve de deixar a escola para ajudar a alimentar a família.

Aos 63 anos, Rosália Nicolau soma mais de uma década de experiência como ajudante de lar, a profissão dos seus sonhos. Defende que as famílias devem continuar a visitar os utentes, inclusive os que sofrem de demência, e que uma pessoa não realizada profissionalmente deve mudar de vida.

Rosália Nicolau trabalha há 13 anos no lar da Santa Casa da Misericórdia da Chamusca. Começou por ser o trabalho que à época a tirou de uma curta passagem pelo desemprego mas rapidamente a profissão de ajudante de lar se transformou na sua missão de vida. A cada turno, seja dia ou noite, cuida do outro, dá e recebe amor e “não há nada mais gratificante que isso”. Entrar na instituição é, como diz, “uma lufada de ar fresco” que “ajuda a relativizar os problemas pessoais” e a saber “pôr-se no lugar do outro”. É ali, entre banhos, lanches, trocas de afectos e pequenas conquistas para as melhoras dos utentes que Rosália encontra “o [seu] porto seguro”.
É, desde que se lembra, uma pessoa dedicada ao outro. Natural de Ulme mudou-se aos seis anos para a vila da Chamusca onde, recorda, ajudava as senhoras de idade a levar para a rua as cadeiras onde se sentavam ao sol a folhear as revistas que amontoavam nas cestas, ou fazia companhia à senhora que aguardava pela boleia de carroça do marido junto ao coreto. Memórias do passado e que não se replicam no presente, onde “há um maior afastamento entre os jovens e as pessoas de mais idade” e uma “menor afectividade entre as pessoas”, lamenta.
Na instituição tem-se cruzado com alguns dos que fazem parte dessas lembranças. Como o senhor Francisco, que foi o impulsionador do Carnaval da vila e geria a casa onde se registava o Totoloto. “Já partiu mas foi a primeira pessoa de quem cuidei nesta casa. Dava-lhe de comer e chorávamos os dois porque nos conhecíamos de outros tempos”. Daqueles em que o senhor Francisco tinha a mulher e a filha que partiram antes dele. “Quando cuidamos de pessoas da mesma terra que conhecemos noutras idades é difícil vermos como vão, com o tempo, ficando mais dependentes”, confessa. E acrescenta: “A partida de um utente é sempre um momento complicado. Há casos em que estamos a segurar-lhes na mão até ao momento em que se vão embora”.
Rosália adora o que faz mas entristece-a saber que há utentes com demência que não são visitados por familiares que acham que não vai fazer diferença. “A esses, aos que dizem que não vale a pena, digo-lhes: vale sempre a pena visitar o familiar com demência. Têm momentos lúcidos, às vezes lembram-se”, diz dando como exemplo a senhora que nesses momentos chorava porque o filho não lhe telefonava. Uma preocupação que se adensa com a chegada do Natal, que também é celebrado com tudo a que se tem direito no lar, mas não deixa de ser a altura do ano em que alguns anseiam pela ida a casa da família.
“Há utentes que sentem que foram despejados no lar porque a família não os visita ou vem buscar. Mas neste lar tenta-se de tudo para fazer com que se sintam em casa e nos sintam como a sua família”, afirma com convicção, ressalvando que há situações em que é a dependência a não permitir que os utentes possam sair da instituição e o quão “é fantástico quando as famílias os vêm visitar”.

“Quem não se sente realizado no trabalho não deve continuar”
Na infância, a viagem entre Ulme e a Chamusca fazia-a com o pai de bicicleta até se mudar em definitivo para a sede de concelho. Foi para escola, mas os livros acompanharam-na apenas até aos 12 anos, idade com que se iniciou no mundo do trabalho a fazer campanhas de tomate e a assegurar em casa as lides domésticas. Trabalhou ao balcão em vários estabelecimentos, desde a Chamusca, a Entroncamento e Tomar, a vender artesanato, hambúrgueres, pão e pastelaria. Nunca tirou a carta de condução e tem “um medo pavoroso de andar na estrada”.
O facto de ter passado por vários empregos, em diferentes áreas, dá-lhe a certeza de que está há mais de uma década no lugar certo. Ser ajudante de lar, sublinha em jeito de conclusão, exige responsabilidade e empatia e é uma missão que não pode ser entregue a quem não queira dar tudo de si. “Uma pessoa que não se sinta realizada no seu trabalho não deve continuar, sobretudo quando tem a responsabilidade de cuidar de pessoas na fase mais frágil das suas vidas”, diz.

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