Identidade Profissional | 18-04-2023 21:00

Rui Faria: “há uma pressão social para as crianças pularem fases do desenvolvimento”

Rui Faria: “há uma pressão social para as crianças pularem fases do desenvolvimento”
TRÊS DIMENSÕES
Rui Faria é uma pessoa que valoriza o sentido de compromisso e a incompetência tira-o do sério

Rui Faria é fisioterapeuta e proprietário das Clínicas Rui Faria em Santarém, Alcanena, Leiria e Aveiro.

Diz que a postura corporal correcta é um mito e que a fisioterapia no Sistema Nacional de Saúde está longe de ser a ideal. Defende que as fases de desenvolvimento numa criança devem ser respeitadas e que pulá-las pode acarretar problemas futuros. Ter perdido o pai aos 12 anos levou-o a querer concretizar rapidamente os seus objectivos de vida. É pai de duas meninas e o que mais valoriza nas pessoas é o sentido de compromisso.

Estar em ambientes laborais não favoráveis a nível ergonómico ou inter-relacional contribui para a dor. A dor é um fenómeno multifactorial e estarmos a culpar apenas a parte postural é muito redutor. Um ambiente tóxico mexe com o sistema nervoso central que, por sua vez, impacta no resto. Haverá tendência a maiores estratégias neurais de protecção, nomeadamente a utilização de músculos que levam a direccionar o corpo para uma posição fetal e a criar tensão que desencadeia processos dolorosos que, se mantidos muito tempo, vão criar alterações estruturais e nas articulações, causadoras de dor.
O principal erro postural é achar-se que há uma postura correcta. Isso é completamente utópico, cada corpo tem a sua própria postura. O ideal é ter uma variabilidade postural e motora ao longo do dia para que se tenha o maior nível de experiências motoras. Para quem passa muito tempo sentado uma das estratégias passa por ir mudando de posição.
É cada vez mais comum haver crianças com seis anos que não sabem correr ou saltar. Têm défices coordenativos que são um factor de risco para a vida futura, pois a parte sensorial está muito dependente da parte motora, estimula-se através do movimento. Se uma criança tem menor movimento, menor será o seu desenvolvimento.
Há uma pressão social para as crianças pularem fases do desenvolvimento, nomeadamente ao nível motor e isso é errado. É importante passarem pelo rastejar, pelo gatinhar, porque são fases que permitem adquirir habilidades que vão ser as bases do movimento quando crescerem. A não aquisição desses mecanismos além de alterações motoras pode acarretar alterações cognitivas como a dislexia e hiperactividade.
A carga horária na escola está completamente desajustada das necessidades das crianças a nível motor e intelectual. As crianças precisam de tempo para brincar. As melhores memórias que guardo da minha infância são as brincadeiras na rua e passar horas sentado à mesa a conviver com a família. Nasci em Leiria, há 34 anos, cidade onde resido. Conviver com a família e os amigos continua a ser algo que valorizo.
A minha primeira experiência profissional foi no andebol do Sporting Clube de Portugal. Na altura era mais jovem do que alguns dos atletas e estava a coordenar o departamento de fisioterapia. Foi um desafio de quatro anos onde aprendi muito. Abri a primeira clínica em Leiria no final de 2013 e actualmente também estamos em Santarém, Alcanena e Aveiro. Além da fisioterapia temos outras especialidades como a ortopedia, psicologia e nutrição.
Jogar andebol durante 14 anos transmitiu-me valores como o espírito de trabalho em equipa e de liderança. Considero-me ambicioso e faço um esforço para não levar a minha teimosia ao extremo. Gostava de ser mais organizado e reconheço ter pouca flexibilidade para aceitar um não. Em contrapartida sou uma pessoa de afectos, talvez por ter vivido rodeado de mulheres. Sou casado e tenho duas filhas.
Aos 12 anos perdi o meu pai e isso levou a que a minha mãe tivesse uma postura muito protectora em relação a mim. Morreu novo, com 48 anos, e acho que isso me leva a querer concretizar tudo muito rápido. A clínica Rui Faria é uma homenagem ao meu pai, que tem o mesmo nome. Foi um fisiatra conhecido em Leiria; ainda hoje antigos pacientes me falam bem dele e isso faz-me sentir que estamos perto um do outro.
Um profissional de saúde que não seja boa pessoa estará sempre incompleto. Aprendi que é preferível trabalhar com boas pessoas do que com as que são apenas boas tecnicamente. Ter vocação para a aérea da saúde é querer ser um cuidador. Trabalho com uma equipa de profissionais rica, eclética e que se mantém no tempo.
A comunidade médica reconhece o valor dos fisioterapeutas e isso vê-se pelos casos que nos são encaminhados. A fisioterapia permite tratar um leque de patologias e de condições clínicas alargadas e com resultados muito bons. Obviamente que o contexto em que é praticada vai interferir com os resultados e é nesse contexto que na clínica tentamos providenciar o melhor tendo uma abordagem personalizada.
O Governo não dá a devida importância aos fisioterapeutas. Se olhasse para a fisioterapia de forma mais honesta ia ter melhores resultados com menos custos. Podíamos actuar em diferentes áreas do Sistema Nacional de Saúde como acontece noutros países onde está provada a redução de tempos de internamento e uma relação custo-benefício brutal. Em Portugal essa realidade está longe e as convenções com o SNS continuam a ser feitas num sistema arcaico que não é apelativo financeiramente nem a nível técnico. Para que uma clínica de fisioterapia possa funcionar com uma convenção com o SNS tem que fazer um trabalho pobre, a começar pelo facto de ter que atender cinco pessoas numa hora. Por muito bom que seja o profissional é impossível fazer um bom trabalho nesse período.
A usurpação de funções que pertencem à fisioterapia é algo que me incomoda. Tem vindo a diminuir, mas ainda acontece com alguma frequência e de forma perigosa quer para a profissão quer para a pessoa que procura tratamento. As pessoas vão porque querem resolver o problema sem pensar nas consequências que pode ter um resultado para a dor mais imediato. Para se ter uma ideia, uma redução da dor por manipulação cervical pode levar à morte se não for bem executada. São técnicas milimétricas que nós fisioterapeutas executamos mas, no nosso caso, temos formação para isso.
O que mais valorizo no outro é o sentido de compromisso e a incompetência é algo que me tira do sério. Não saio de casa sem dar um beijo às minhas filhas e à minha mulher. Gosto de conhecer restaurantes novos e de receber pessoas em casa. Na vida profissional falta-me sentir que a clínica é autossustentável embora tenha intenção de continuar a estar presente durante muitos anos.

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