Identidade Profissional | 21-05-2023 21:00

A comerciante mais antiga de Azambuja para quem os fregueses são como família

A comerciante mais antiga de Azambuja para quem os fregueses são como família
IDENTIDADE PROFISSIONAL
Marinete Pimentel é um rosto carismático do comércio em Azambuja

Na mercearia de Marinete Pimentel as prateleiras continuam a encher-se com produtos e marcas de antigamente.

Tem 81 anos e há 51 que os fregueses a vêem atrás do balcão da pequena loja do Largo do Rossio. Nunca tirou férias e continua a ouvir pacientemente os desabafos das clientes. Desde que passou a idade da reforma todos os anos diz que é o último que ali está, mas o gosto pelo que faz fala mais alto.

Quando Marinete Pimentel deixou os trabalhos na alfaiataria para tomar conta da mercearia do sogro pouco ou nada sabia do ofício de comerciante. Naqueles tempos, há 51 anos, era vivo e energético o comércio ali no Largo do Rossio, no coração da vila de Azambuja. Montados em burros, os casaleiros que desciam das terras mais altas da freguesia eram sempre os primeiros a chegar à Casa Isabelita, onde o azeite se servia com medidores e se enchiam as leiteiras de alumínio com o leite fresco da vacaria Ortigão Costa. Era a mercearia mais central de Azambuja, esta que Mariete Pimentel teima em manter de portas abertas “por amizade aos fregueses”.
De cabelo grisalho, encostada ao balcão, Marinete Pimentel esboça um sorriso assim que passamos a porta onde um letreiro escrito à mão avisa que por ali não há wi-fi. Desencosta-se do pequeno balcão em madeira onde, num caderno de apontamentos, faz as contas dos clientes à mão. “Não sei lidar com a calculadora. Faço tudo à mão, somo, multiplico, divido e depois registo na máquina porque agora é obrigatório. Como sempre fiz assim, não perdi o saber”, diz com orgulho, do alto dos seus 81 anos.
Os produtos exibidos nas prateleiras, que deixaram por imposição de ser armários fechados, são mais ou menos os mesmos de outros tempos: a Farinha 33 e a Predilecta, os chás em folha, a pasta dentífrica Couto, os rebuçados Dr. Bayard, o sabão azul e branco, as especiarias Flor da Seara, as broas caseiras, os pavios, o petróleo e os produtos a granel. Pelo caminho ficou a casa de enxoval, uma segunda divisão da loja, onde as filhas se deslocavam com as mães para comprar os trens de cozinha, as colchas e os lençóis e os jogos de toalhas de banho. Os “viajantes”, nome que dá aos fornecedores, são cada vez menos e, além disso, “os hipermercados agora têm de tudo”, justifica.

“A minha mercearia é como um confessionário e eu faço o papel de padre”
Hoje, como há 50 anos, Marinete Pimentel continua a conquistar clientela nova e a manter os fiéis fregueses que não trocam a simplicidade da sua modesta mercearia pelos avantajados corredores dos hipermercados. Dali ninguém sai carregado de sacos. Leva-se um quilo de cebolas, meio de batatas e um saco de café porque é o essencial que está a fazer falta na despensa lá de casa. Mas não se sai daquelas portas sem dar um dedo de conversa. “A minha mercearia é como um confessionário e eu faço o papel de padre. Tudo o que têm de desagradável ou agradável vêm sempre contar. Agora já não tanto, porque vem mais malta nova. Mas dantes, as mais velhotas, sentavam-se todas aqui, contavam aquelas coisas delas e eu dava o meu apoio. Ainda vai acontecendo, por isso é que a minha filha avia as pessoas em dois minutos e eu demoro uma hora se for preciso. Os fregueses são a minha família”.
A filha Isabel, que dá nome à mercearia, é quem diariamente abre e fecha as portas do negócio. “Eu já venho aqui menos tempo, os médicos não querem que me canse”. Ainda assim, é raro o dia em que os clientes não a encontram debruçada sobre o balcão. “Sempre em pé, nunca me sento”, diz, olhando de soslaio para as muletas que a acompanham desde que foi operada aos dois joelhos. “Foi o único tempo que estive fora da loja”, atira com satisfação a comerciante mais antiga de Azambuja, explicando que nas mais de cinco décadas atrás daquele balcão nunca tirou um dia de férias.
Mulher humilde e incapaz de ficar indiferente ao aumento do custo de vida, prefere abdicar de margens de lucro avultadas para que os seus clientes não deixem de aviar o que lhes faz falta. Não entrou, explica, na subida abrupta de preços ditada pela inflação. “Tenho produtos mais baratos que nos grandes supermercados. A gente se não ganha mais ganha menos, o importante é que vamos conseguindo pagar as contas. E quando isto fechar, fecha. Mas a verdade é que todos os anos digo que fecho e depois fico mais um ano”.

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