Reabilitação nos centros históricos tem fundamentalismos inimigos da identidade
Jorge Oliveira é arquitecto e proprietário da empresa de arquitectura e engenharia MVdO. Natural de Lisboa, decidiu há 19 anos abrir o seu ateliê em Abrantes. Considera os regulamentos de reabilitação do edificado nos centros históricos demasiado rígidos e restritivos e defende o reaproveitamento de materiais em obras de requalificação. Elogia o edifício do novo Mercado de Abrantes mas não lhe reconhece funcionalidade sobretudo para a população envelhecida.
A reabilitação do edificado nos centros históricos tem, regra geral, “muita restrição, limitação e imposições técnicas” nem sempre fáceis ou até mesmo impossíveis de adaptar à realidade. Em alguns casos, se atentar nos regulamentos municipais, a “preservação dos centros históricos tem fundamentalismos” proibitivos que “formatam e roubam a identidade”. A opinião é do arquitecto Jorge Oliveira, proprietário da MvdO, empresa de arquitectura sediada em Abrantes há quase duas décadas.
“Se lermos alguns desses regulamentos, alguns até proíbem a utilização de azulejos nas fachadas, outros fixam as cores: tem que ser ocre, rosa ou branco em 80% da fachada e isso acaba por retirar identidade. Estes fundamentalismos não fazem sentido, as pessoas têm que ter liberdade para pintar a casa como quiserem e usarem os materiais que quiserem. Se não nos vestimos todos de igual, nem gostamos todos do mesmo carro porque é que temos que pintar as casas da mesma cor?”, questiona.
Autor do projecto de requalificação de uma das casas mais emblemáticas de Abrantes, conhecida como a “Casa Amarela”, localizada na Avenida Dr. Santana Maia e que se irá tornar em habitação multifamiliar, Jorge Oliveira é um defensor do reaproveitamento de materiais, como a madeira que pode ser recuperada e portas ou janelas. “Madeiras com 50 anos feitas com qualidade são preferíveis a comprar portadas que no interior são feitas de cartão e no exterior são duas folhas a imitar madeira. As pessoas ainda não perceberam que a requalificação não é esvaziar o interior, deitar tudo para o lixo e fazer de novo. Isso não é reabilitar”, afirma.
Licenciado em Arquitectura pela Universidade Lusíada, em Lisboa, cidade de onde é natural, Jorge Oliveira não se identifica como um arquitecto para “dar uma resposta massiva”, gostando de trabalhar com clientes que já o conhecem ou que tiveram referências do seu trabalho dando “uma resposta personalizada. “É aí que me posiciono”, vinca, explicando que gosta de acompanhar o processo de obra no terreno e em contacto permanente com as pessoas que a executam.
“O que o cliente comprou é o que o cliente tem de receber. Acompanho a obra por brio e porque gosto de ver um bom resultado final e não um projecto que se foi desmoronando até ficar um conjunto de intenções que acabou por não dar em nada. Para nós [arquitectos] é uma frustração, para o empreiteiro pode ser só mais uma obra e para o cliente é muitas vezes o investimento de uma vida”, vinca.
“As pessoas preferem um bom estore eléctrico do que um bom isolamento”
Actualmente trabalha sozinho ou, quando se justifica, em parceria com mais dois arquitectos. Antes de abrir a MVdO, no centro de Abrantes, em 2004, trabalhou num ateliê em Constância e, antes desse, esteve ligado ao design de interiores numa empresa de mobiliário. Uma experiência que considera ter-se revelado “enriquecedora” e determinante para o seu gosto pelo pormenor e escolha de materiais.
No que respeita a projectos privados, considera que, no geral, “as pessoas são pouco exigentes relativamente aos materiais, revestimentos ou isolamentos” porque acham que em Portugal não se passa frio nem calor. “Nesta zona do Médio Tejo, por exemplo, a assimetria de temperaturas é muito grande, com menos dois graus no Inverno e 42 graus no Verão e há que ter em atenção esses detalhes. Mas muitas vezes as pessoas preferem ter um bom estore eléctrico do que um bom isolamento no pavimento ou na parede”, diz.
Outro problema que identifica no país é que se dá mais importância à eficácia do que à qualidade. “Importa cumprir, mostrar que houve uma taxa de execução elevada, independentemente da qualidade ou do futuro do equipamento”, diz, dando o mote para a conversa entrar na área das obras públicas onde a MVdO também tem trabalho feito. Destaca a requalificação da Escola de Tramagal cuja obra irá arrancar brevemente, a creche da Misericórdia em Constância e, na mesma vila, os sanitários públicos que nomeou de “Miradouro do Zêzere”.
Novo Mercado de Abrantes não é apelativo à compra
Residente no centro histórico de Abrantes, Jorge Oliveira tem uma opinião vincada sobre o Mercado Municipal de Abrantes, inaugurado em 2015, depois de em 2010 ter sido encerrado o antigo por falta de condições. “O edifício é muito bonito, de linguagem contemporânea e que se calhar podia ter um propósito como o actual Mercado da Ribeira (em Lisboa), onde as pessoas estão a tomar um copo ao final do dia e há música a tocar. Se funciona como mercado? Acho que não, muito objectivamente. Aquilo não é um edifício para ser utilizado por população envelhecida”, diz, destacando que teria feito mais sentido reabilitar o antigo mercado.
Como bom exemplo, no mesmo concelho, fala do Mercado de Tramagal, um edifício amplo onde os clientes se sentem com liberdade para explorar a oferta. No de Abrantes, não, “não temos quase espaço para conseguir ver qual é a oferta e para onde nos queremos dirigir porque estamos em cima das bancas”.