Identidade Profissional | 04-07-2023 12:00

“Os miúdos estão sobrecarregados com tarefas e têm pouco tempo para serem crianças”

“Os miúdos estão sobrecarregados com tarefas e têm pouco tempo para serem crianças”
IDENTIDADE PROFISSIONAL
Pelas mãos de Margarida Figueirinha passaram gerações de crianças da cidade de Alverca

Margarida Figueirinha foi uma das primeiras funcionárias do CASBA de Alverca e pelas suas mãos passaram milhares de crianças. Alentejana, chegou a Alverca quando tinha seis anos e no dia em que se abateu na região a bátega de água que gerou as trágicas cheias de 1967.

As crianças estão hoje sobrecarregadas de tarefas e com isso acabam por ter pouco tempo para serem crianças e estimular a sua criatividade e explorar a sua curiosidade. A convicção é de Margarida Figueirinha, 62 anos, chefe de serviços gerais do Centro de Apoio Social do Bom Sucesso e Arcena (CASBA). “Na altura em que acompanhava as actividades de tempos livres (ATL) preparávamos o trabalho para grupo com muitas actividades, andávamos na rua, fazíamos trabalhos manuais. Hoje, os miúdos têm horários completos, estão sobrecarregados e com pouco tempo para serem criativos. Eles precisam de tempo para poderem ser crianças”, defende a O MIRANTE.
Margarida Figueirinha foi uma das primeiras funcionárias do CASBA e entrou na instituição quando esta tinha apenas duas salas numa antiga escola em Arcena. Um percurso que lhe tem valido um grande carinho da comunidade. “Acompanhei crianças que hoje já são pais e têm aqui os seus filhos. É muito giro, tem sido uma vida muito preenchida”, confessa.
Natural da freguesia de Mértola (Alentejo), veio para casa de familiares em Arcena aos seis anos quando o pai, mineiro, ficou sem trabalho. A chegada não podia ter acontecido em pior altura, precisamente no dia em que se abateu uma das maiores chuvadas da década, em 1967, e que provocou dezenas de mortes em cheias e enxurradas no concelho e na zona de Lisboa. “Chovia imenso e por pouco não fomos também com as enxurradas. Foi a primeira vez que andei de barco e nem havia táxis que nos quisessem trazer a Arcena com medo”, recorda.
Quando era criança gostava de cantar e dançar e era essa a sua profissão de sonho. No entanto as voltas da vida levaram-na para cuidar de crianças quando abriram vagas no CASBA. Entrou como vigilante dos ATL com contratos mensais e foi ficando. Este ano celebra 43 anos ao serviço da associação. “Aprendi muito no início. Fui para o ATL e quase só havia a escola e o bairro. Cheguei a levar muitos miúdos a casa porque os pais nem os iam buscar”, lembra. Foi vigilante, ajudante de ocupação, assistente de coordenação e por fim chefe de serviços gerais. Hoje é responsável por quase tudo o que acontece na associação, desde o economato à gestão da frota e gestão de pessoal das escolas, entre outras.

Um trabalho diferente
todos os dias
Margarida Figueirinha confessa que por vezes dorme com o trabalho e vai para a cama a pensar como vai resolver problemas no dia seguinte. “Este é um trabalho que não é igual todos os dias. Trabalhar com crianças é fantástico. É cansativo mas ganhamos muita alegria. As crianças são o melhor do mundo e aprendemos muito com eles”, conta a profissional para quem a desonestidade é o valor que mais a tira do sério. A honestidade e o empenho no trabalho são os seus valores principais de vida.
É por isso que diz ver com tristeza o rumo que a sociedade está a tomar, incluindo o recente caso de um grupo de jovens que abusou sexualmente de alunas da escola do Bom Sucesso e filmou a cena. “Entristece-me este rumo que a sociedade está a tomar. Isto está a ficar cada vez mais complicado e difícil. A culpa é das novas tecnologias. Eles chegam a casa e vão para o computador e telemóvel. Não vivem o suficiente no exterior. Os jovens têm de ir para a rua. Os pais não devem ter medo de deixar os filhos irem brincar na rua”, defende.
Margarida Figueirinha diz que há cuidados a ter e que a vida não é como no passado, mas diz que não é aceitável viver os dias com medo do perigo. “Temos de os deixar ir um pouco à rua e serem autónomos”, defende. Acredita que as profissões do futuro serão as de cariz técnico, como pedreiros, canalizadores ou electricistas. “Qualquer dia vão ganhar mais que os doutores. E já estamos a ver isso”, avisa.
Diz-se orgulhosa no percurso que o CASBA tem tido ao longo dos anos com um crescimento sustentado e sem saltos maiores do que a perna. “Temos hoje quatro centenas de crianças e um edifício novo que tem sido o nosso maior orgulho. Quando cheguei dizia a brincar que ia precisar de patins para ir de uma ponta à outra”, brinca.

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