Identidade Profissional | 25-07-2023 07:00

O homem dos sete ofícios que mudou o paradigma dos Bombeiros de Samora Correia

O homem dos sete ofícios que mudou o paradigma dos Bombeiros de Samora Correia
IDENTIDADE PROFISSIONAL
Júlio Pereira cresceu profissionalmente ao mesmo tempo que se dedicava ao associativismo em Samora Correia

Em criança Júlio Pereira sonhava com o dia em que não tivesse de voltar a trabalhar no campo. Foi em frente e nos seus 85 anos de vida dedicou-se a vários ofícios, desde o torneamento mecânico à formação profissional. Em Samora Correia, o antigo presidente e comandante dos bombeiros deixou a sua marca: a luta persistente para que a cidade tivesse uma corporação reconhecida como tal.

Era nos campos de Samora Correia que Júlio Pereira, depois de sair da escola, terminava os dias a ajudar o pai a semear e a colher o trigo que vendiam para que lá em casa não faltasse pão na mesa. “Anda aqui Júlio, vem ajudar, dizia-me. Era um trabalho duro, muito duro, mas o que mais me incomodava era ver como o meu pai e a minha mãe trabalhavam, praticamente noite e dia, e nunca tinham dinheiro. Um dia jurei a mim mesmo que não ia continuar aquela vida”, recorda hoje, com 85 anos, a época em que sonhava poder viver uma infância de brincadeiras na rua. Um tempo que o incitou a procurar um novo rumo profissional que lhe trouxesse realização e melhores condições financeiras, não sem antes ter passado uma temporada a servir copos de vinho na antiga Taberna do mestre Acácio e outra como servente de obras na Companhia das Lezírias, porque “não havia dinheiro e tinha que ajudar” a família.
A vontade de querer aprender mais acabou por tornar Júlio Pereira naquilo a que se chama um homem dos sete ofícios. Trabalhou na extinta Mague, onde aprendeu a profissão de torneiro mecânico que veio mais tarde a exercer também na OGMA, empresa para a qual entrou como servente. “Quando lá cheguei puseram-me a trabalhar em cima de um avião ao sol a raspar-lhe a tinta”, lembra agradecido por, devido a esse emprego, não ter sido chamado para combater na “estúpida” Guerra Colonial que levou a vida a alguns dos seus amigos de juventude.
Júlio Pereira nunca teve medo da mudança. “Naquela altura assumia que estava numa fase de aprendizagem. Procurei aprender com a consciência de que o trabalho é muito variado e que tinha de estar preparado. Dantes havia aquele orgulho de se ser profissional em alguma coisa e não faltava trabalho”. Por isso, conta, fazia pesquisas constantes pelas páginas dos jornais à procura de ofertas de emprego. Passou por mais umas quantas empresas e pelo caminho voltou à escola, tirou o curso industrial e ingressou no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, embora, diz sem lamentos, nunca tivesse chegado a acabar o curso.
Depressa se perde nas contas dos anos em que ficou em cada empresa, mas incontáveis são os quilómetros que trilhou numa bicicleta emprestada entre Samora Correia e Alverca do Ribatejo quando ter carro para ir para o trabalho era um objectivo quase utópico. “Primeiro consegui comprar uma Vespa, depois um Mini”, diz com orgulho antes de introduzir que foi como formador de torneamento no Instituto de Emprego e Formação Profissional - onde esteve mais de 20 anos - que se realizou profissionalmente. Depois atira: “Quem não gosta da sua profissão não consegue atingir um nível razoável, chegar onde quer chegar”.
Um dos responsáveis pela existência de bombeiros em Samora
Desde cedo que o associativismo fez parte da vida de Júlio Pereira, recordada a O MIRANTE numa das mesas da Biblioteca Odete e Carlos Gaspar, no Palácio do Infantado, em Samora Correia. Primeiro através da Sociedade Filarmónica União Samorense, onde aprendeu a tocar trompete aos 15 anos e integrou a direcção que criou o coro infantil, a orquestra ligeira e a tuna, e depois como presidente dos Bombeiros Voluntários de Samora Correia onde também se fez comandante. Mas quando integrou pela primeira vez a direcção, recorda, ainda se chamava Associação de Assistência de Samora Correia e o quartel improvisado funcionava num antigo celeiro na cidade. “Aquilo funcionava mal, ao pé-coxinho, as pessoas ligavam e nunca estava lá ninguém para atender”, os operacionais não tinham formação e não havia escalas de serviço.
A custo e contra a vontade de alguns conseguiram um corpo de voluntários para garantir 24 horas de serviço, afixando panfletos pela cidade. “Eram todos homens nessa altura. Fizeram o curso de primeiros socorros na Casa do Povo, incluindo eu, e contratámos duas mulheres para fazer o atendimento telefónico”. A frota foi crescendo com a ajuda de donativos da população, numa altura em que não recebiam qualquer subsídio pelas ocorrências a que respondiam. “Com sorte talvez, mas com muita persistência, consegui que passassem a ser oficialmente Bombeiros Voluntários de Samora Correia. Sempre que vejo passar uma ambulância penso que valeu a pena”, conclui.

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