Identidade Profissional | 31-10-2023 18:00

“É difícil pensar num mundo sem teatro”

“É difícil pensar num mundo sem teatro”
IDENTIDADE PROFISSIONAL
Patrícia Soso é encenadora no Grémio da Póvoa desde 2014 e trabalha diariamente com jovens através da Palco

Patrícia Soso deixou para trás uma infância nómada e uma carreira de Direito no Brasil para seguir a paixão pelo teatro. Estudou em Itália mas foi em Portugal que encontrou o amor.

Mudou--se para a Póvoa de Santa Iria e abriu a primeira turma de teatro para a infância no Grémio Dramático Povoense. São quase dez anos dedicados ao teatro na colectividade, a par com outros projectos.

Nasceu no Brasil, em Guaporé, no Rio Grande do Sul, mas o teatro e o amor trouxeram-na para Portugal. Com um pai bancário, Patrícia Soso passou a infância em várias cidades brasileiras até começar a estudar Direito. Em paralelo começou a fazer teatro e levou uma vida dupla. Habituada a uma existência nómada, Patrícia Soso deixou o curso para trás e partiu para Milão, Itália, para estudar no Teatro Arsenale. O sonho do teatro começou a ganhar corpo à medida que aprendia várias metodologias de subir a palco, com destaque para o envolvimento corporal nas peças.
“Quando regressei ao Brasil comecei a trabalhar na área para desespero da minha família. O trabalho de um artista é precário. Hoje sou mãe e percebo isso. Mas com muita luta sempre trabalhei e tenho desenvolvido os meus projectos. Penso fora da caixa”, conta.
Em 2012, quando apresentou um projecto em Guimarães, na altura Cidade Europeia da Cultura, conheceu o actual marido. Durante dois anos namorou à distância. Umas vezes ele ia ao Brasil ter consigo a Porto Alegre outras vezes era ela que vinha para a Póvoa de Santa Iria. Uma situação dura, dispendiosa e que não deseja a ninguém.
Como na altura Patrícia Soso estava a preparar para se mudar para São Paulo resolveu arriscar e fez antes as malas para a cidade da Póvoa. Foi mãe em Portugal e trabalhou em novelas e publicidade. Mas o marido incentivou-a a dar-se a conhecer ao Grémio Dramático Povoense (GDP), colectividade na qual ele tinha feito teatro durante a juventude. “É difícil para mim pensar um mundo sem teatro. Apresentei as minhas ideias ao Rui Benavente, que na altura era presidente do GDP, e comecei a trabalhar com eles em 2014”, conta.
Na altura foi responsável pela abertura da primeira turma de teatro para a infância, projecto que dura até hoje através da Palco. Hoje dá aulas na escola de teatro da colectividade a adolescentes dos 12 aos 18 anos. No Brasil era só actriz mas em Portugal é também encenadora.

A importância do território
Para aprofundar conhecimento aproveitou para tirar um mestrado em teatro comunitário na Escola Superior de Teatro e Cinema durante a pandemia. Apresentou uma tese em que a pesquisa envolveu toda a comunidade da Póvoa de Santa Iria, dos mais jovens aos residentes mais antigos. Os mais novos começaram a pensar o território e a dar importância ao local onde vivem. Os mais antigos relataram histórias e acontecimentos que se devem preservar.
A escola de teatro da Palco participou em 2022 no projecto Panos, promovido pelo Teatro Nacional Dona Maria II e direccionado para os jovens. O GDP ficou entre os seis seleccionados de todo o país e apresentaram o trabalho desenvolvido em Ílhavo. “Foi um reconhecimento do trabalho deles. Eles discutiram a peça, fizeram pesquisa, trataram da concepção da roupa, os sons… Fiquei muito orgulhosa porque não era um texto fácil. Para mim foi um desafio não poder alterar nada no texto. E este ano vamos participar de novo”, diz.

“Ser estrangeira para mim é um lugar de casa”
Patrícia Soso dá também aulas de teatro a adultos mas é nos mais jovens que se foca até porque é importante a formação de público. Actualmente a encenadora está expectante se consegue fundos comunitários para replicar o projecto das arqueologias afectivas na Póvoa de Santa Iria para outras cidades europeias. Afinal, as questões da periferia acabam por ser transversais e Patrícia Soso quer alargar o método de pesquisa. Para já encetou parcerias com Itália e algumas cidades gregas.
Além disso, Patrícia Soso desenvolve projectos teatrais à distância com o Gana Colectiva, grupo sediado em São Paulo, no Brasil. E como gostava de voltar a subir ao palco como actriz está a desenvolver um projecto de intercâmbio com uma associação dos Açores e que se baseia na sua história de infância, em que conheceu uma menina que trabalhava no circo e que mudava constantemente de cidade, tal com ela.
Com 47 anos e dois filhos, um de cinco e outro de oito, a encenadora confessa que sempre se sentiu estrangeira, mesmo no Brasil. “Ser estrangeira para mim é um lugar de casa. Sempre fui um objecto deslocado. Mas hoje estou confortável nesse lugar. O que é ser do lugar? Fica em aberto para assim não nos acomodarmos”, conclui.

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