Identidade Profissional | 14-09-2024 07:00

Uma pastelaria tem mais funcionários que um banco e há falta de mão-de-obra

Uma pastelaria tem mais funcionários que um banco e há falta de mão-de-obra
IDENTIDADE PROFISSIONAL
Luís Silva é proprietário das pastelarias Palhota Doce, no Forte da Casa

Luís Silva, 55 anos, começou a trabalhar na restauração com 14 anos e hoje é proprietário das duas pastelarias de fabrico próprio a Palhota Doce, no Forte da Casa.

Falta de mão-de-obra, carga fiscal elevada e aumento do preço das matérias-primas fazem com que seja um ramo cada vez mais desafiante. Tem uma vida dedicada ao trabalho, em que o dia começa de madrugada e só acaba à noite.

A elevada carga fiscal e a falta de mão-de-obra são os maiores desafios no sector da restauração, sentidos na pele por Luís Silva, proprietário das duas pastelarias Palhota Doce, na vila do Forte da Casa. Em jovem queria ser arquitecto mas os pais não tinham possibilidades financeiras. Vivia numa barraca de madeira, em Linda-a-Velha, com três irmãos, e aos 14 anos começou a trabalhar em pastelaria para ajudar a família. Já adulto, acabou o ensino secundário em horário pós-laboral e foi para o ensino superior estudar arquitectura na Universidade Lusófona, onde esteve cinco anos.
Passou por vários estabelecimentos, teve sociedades, até que abriu a pastelaria Palhota Doce, por conta própria, no Largo do Forte da Casa, em 2008. Atravessou a crise financeira com a chegada da troika a Portugal e para não ter de despedir funcionários decidiu ficar com mais uma loja na Rua Padre Américo, no Forte da Casa, onde criou postos de trabalho e onde abriu mais uma pastelaria Palhota Doce. Hoje tem entre oito a nove funcionários, fabrico próprio de bolos de aniversário, bolos e pão, mas não faz revenda ao público. Há quatro anos aventurou-se e abriu um atelier de arquitectura no Forte da Casa e tem a trabalhar para si uma equipa na área da construção civil.
Luís Silva é pasteleiro na Palhota Doce, empregado de balcão e trabalha onde existe falha de pessoal. Levanta-se às 03h00 da madrugada para trabalhar na fábrica e às 07h30 começa a dar instruções à equipa das obras. Continua na fábrica até ao meio-dia e entre as 13h00 e as 14h00 vai fazer vistorias. Dorme entre as 14h00 e as 16h00 e depois recomeça com as vistorias e alterações aos projectos em curso na área da construção. Deita-se entre as 22h00 e as 23h00 para novamente acordar às 03h00, todos os dias.
Há 17 anos que só tem duas semanas de férias, em Agosto, quando fecha os negócios. Esse tempo é usado para descansar e estar com a esposa e duas filhas. “Não tenho tempo livre, o que tenho é para dormir. Abri o atelier de arquitectura e em breve quero vender as pastelarias, estou cansado desta área. Quero estar mais calmo e ter fins-de-semana”, confessa.

“Já não há pessoas para trabalhar nesta área”
A área da restauração é afectada pela falta de mão-de-obra e perda de qualidade profissional. Luís Silva só tem uma funcionária portuguesa. Uma é russa, outras três são venezuelanas e uma nepalesa, a quem deu formação mas com quem é difícil comunicar. “Os pasteleiros sempre ganharam muito bem mas está-se a perder a qualidade profissional. Antes as categorias tinham classes hoje pedimos um primeiro-oficial e respondem todos ou nem sequer temos resposta. Já não há pessoas para trabalhar nesta área”, lamenta.

Carga fiscal em Portugal é elevada
Luís Silva lamenta a elevada carga fiscal em Portugal, em que o Estado leva 40% por cada trabalhador e o IVA na restauração é de 23%. “Uma pastelaria tem mais funcionários que um banco, precisamos de mão-de-obra e somos muito castigados. Temos produtos com 300% de aumento. Agora é o café que está sempre a aumentar, mas não podemos subir o preço do café de dois em dois meses”, refere.
Uma pastelaria de fabrico próprio tem muito desperdício alimentar. Todos os dias são deitados bolos e pão no lixo porque o cliente não compra num café que não tem as prateleiras cheias. “Temos que ter montra, os olhos comem. Os mecanismos que existem para evitar desperdício não são válidos. Temos plataformas para vender as sobras mas não são justas porque despromovem o nosso trabalho”, afirma.
No Forte da Casa a concorrência é grande e por isso a decisão de compra é do cliente. Luís Silva diz que não tem outra hipótese senão acompanhar os preços de outros estabelecimentos. “Se formos a um bairro com uma pastelaria é a pastelaria que decide. Aqui, quem tem poder é o cliente”, conclui.

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