Identidade Profissional | 10-12-2024 21:00

“Feminismo não é andar por aí a queimar soutiens, é lutar pela igualdade de oportunidades” 

“Feminismo não é andar por aí a queimar soutiens, é lutar pela igualdade de oportunidades” 
IDENTIDADE PROFISSIONAL
Catarina Gaspar é solicitadora mas suspendeu a carteira profissional enquanto se dedica ao cargo de presidente da Assembleia Municipal de Arruda dos Vinhos

Catarina Gaspar, 59 anos, é presidente da Assembleia Municipal de Arruda dos Vinhos e foi a primeira mulher a ocupar o cargo desde a revolução de Abril e sempre com largas maiorias de votação.

Lamenta que ainda haja poucas mulheres nos cargos de decisão e diz que ela própria foi alvo de comentários desagradáveis por parte de homens algures no seu percurso como presidente e que essas mentalidades têm de mudar. É uma mulher de bem com a vida, impulsiva e onde a desonestidade intelectual a tira do sério.

Quando era criança nunca tive grandes sonhos de vida porque na minha altura o meu destino era fazer a quarta classe e vir a ser costureira ou cabeleireira. Mesmo assim tentava pensar fora da caixa e sonhava vir a ser uma escritora famosa. Sempre gostei muito de escrever. Sou de Galveias, a mesma terra de José Luís Peixoto mas vim para Arruda dos Vinhos com sete meses. Considero-me arrudense de coração e adoro a minha terra.
É importante pensarmos fora da caixa para não andarmos atrás do rebanho. Para mim é muito importante e em várias vertentes da vida. Temos de pensar pela nossa cabeça. Somos tão bombardeados com informação hoje em dia, e sobretudo com desinformação, que se não pensarmos por nós e percebermos bem qual o caminho a tomar acabamos por nos perder no rebanho e alguém é pago para pensar por nós.
Gosto muito de escrever e fui convidada para realizar uma biografia da Irene Lisboa, de mulher para mulher, desmistificando a ideia que temos dela ser uma figura austera e fechada. Não era nada disso. Tenho três livros publicados de poesia, um de prosa e já participei em cinco ou seis antologias. Em co-autoria tenho outros três livros. Escrevo desde miúda. Esse gosto está no meu ADN. Tenho livros favoritos mas depende do meu estado de espírito. Gosto muito do José Luís Peixoto pela sua ligação a Galveias mas há alturas em que gosto da Agustina Bessa-Luís ou do Lobo Antunes. Neste momento estou a ler a Isabela Figueiredo com “Um cão no meio do caminho”.
Sou uma mulher de bem com a vida e sinto-me bem com a roupa que visto. Por vezes sou impulsiva e às vezes isso prejudica-me. Não consigo encarar a política sem paixão. Não consigo perceber as pessoas que dizem que sim mas podiam dizer que não, as que não levantam a voz, tenho dificuldade em perceber isso. Para mim a política é uma missão e vejo com preocupação a dificuldade que é encontrar quem queira ficar nestes papéis. Não é fácil. Temos a vida toda exposta, somos alvo de críticas cruéis e às vezes passam para a esfera particular e todos temos família que merece o nosso respeito.
A política suja tira-me do sério. Consegui ao longo dos anos começar a lidar melhor com isso mas no início tinha muita dificuldade. As mulheres continuam a ser discriminadas na política em pleno século XXI. Em orgãos executivos é raro as mulheres estarem no topo, têm de trabalhar muito mais e mostrar muito mais que os homens para chegarem lá. No meu caso sempre fiz o que quis e nunca senti essa discriminação mas vim a senti-la com a política.
Já ouvi bocas desagradáveis por ser mulher. Se um homem utilizar uma linguagem mais explosiva tem carisma. Se for uma mulher é porque teve um ataque de histerismo ou está no período mau do mês. As mulheres mostram todos os dias que são tão ou mais capazes que os homens. E isto não tem nada de feminismo. O feminismo não é andar por aí a queimar soutiens. É lutar pela igualdade.
Não vou continuar no cargo. Foram anos de muita dedicação e muito trabalho e os presidentes das assembleias municipais hoje em dia não podem só vir às sessões e ir embora. Isso hoje não existe. Temos bastante trabalho e não temos vencimento, apenas uma senha de presença e o cargo é de grande responsabilidade. Levo comigo mais coisas boas que coisas más. Uma delas foi poder estar no centro das decisões para a minha terra, poder ajudar os meus conterrâneos todos os dias, quando me encontram na rua e me alertam para determinadas situações. Foi muito gratificante.
Tira-me do sério a desonestidade intelectual. O populismo e não sermos sérios na discussão política. Se as pessoas pensam que há varinhas mágicas para resolver todos os problemas não há. Há ideias e prioridades diferentes mas não há varinhas mágicas. A nível autárquico todos temos de olhar para a nossa terra de forma séria e honesta. Sou por natureza optimista e acredito muito nas novas gerações. Mas temos de fazer o caminho certo e neste momento não sei se estamos a ir nesse caminho. O tempo o dirá.
Não é aceitável no século XXI ainda estarmos a trabalhar no saneamento. Ainda há gente sem esgotos no nosso concelho 50 anos depois da revolução. Ainda nos estamos a preocupar com esgotos e perdas de água, com limpezas, quando já nos devíamos estar a preocupar com as energias renováveis, com o ambiente. Mas tenho esperança, vejo os jovens preocupados com isto e com ideias para o futuro e isso tranquiliza-me. É um caminho que temos de ir fazendo com a ajuda de todos. Gosto muito da minha terra e da nossa paisagem. Gosto muito de todos os arrudenses. Temos características enquanto pessoas que eu admiro.
A melhor prenda que me podiam dar no Natal era o fim das guerras. Quando se ouve que a continuidade da raça humana pode estar em causa isso deve-se apenas aos próprios humanos. A paz seria um bom presente e eu gosto muito de me sentir viva. Gosto muito de actividades radicais e já fiz parapente mas tenho muito respeito pelo mar. Nunca seria marinheira, tenho receio da água (risos).
A chegada de O MIRANTE ao concelho é muito positiva. Tenho uma grande pena de Arruda dos Vinhos nunca ter tido um jornal só do nosso concelho, hoje em dia temos muita informação mas era necessário termos um jornal. Vejo com muito bons olhos a chegada de O MIRANTE porque leva e mostra ao exterior um pouco do que nós fazemos e sentimos e leva a alma arrudense mais longe e as mais pessoas.

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