Octávio Pereira: o talhante de Azambuja que se aprimorou na arte de seleccionar e vender carne

O negócio das carnes foi iniciado pelo pai em 1989 e Octávio Pereira agarrou-o com unhas e dentes. Entra ao serviço antes do nascer do sol e atrás do balcão do Talho Rossio, em Azambuja, serve os clientes que chegam a fazer fila para lá da porta. Mas gerir um talho é muito mais do que vender carne: é saber seleccionar os animais com base na sua alimentação para se conseguir um bom produto final.
Enquanto a maioria ainda dorme, no Largo do Rossio, em Azambuja, Octávio Pereira roda a chave na fechadura para abrir a porta do seu talho. Todos os dias, às cinco da manhã, repete o movimento, uns dias mais apressado que outros, para começar, sozinho, a montar a montra de carnes. As que vão chegar no próprio dia e as que armazenou no anterior nas arcas frigoríficas a zero graus. Ao todo são 200 quilos e muita variedade numa montra de encher o olho. “A vida de talhante é cansativa, implica levantar cedo e deitar tarde. Só daqui saio às oito da noite depois de ter tudo limpo e arrumado”, começa por dizer o talhante do lado de dentro do balcão, aquele onde se apresenta aos clientes desde os 18 anos.
Aos 51 anos, o gerente do Talho Rossio orgulha-se do negócio que herdou do pai, Joaquim Inácio Pereira, que quase todos os dias ainda ali vai para ajudar a carregar as encomendas que saem em carrinhas para abastecer restaurantes e instituições da região. O primeiro talho da família abriu em 1989, na freguesia de Aveiras de Cima, onde funcionou até resolverem mudar o negócio para a sede de concelho. “Este é o melhor largo de Azambuja para se ter este negócio”, diz. E embora a falta de estacionamento seja um problema não lhe faltam clientes, que fazem fila para lá da porta.
Um cenário que é de todos os dias, garante Octávio Pereira, considerando que o cliente volta e fideliza-se por dois motivos: um, quando o produto é bom; dois, quando o atendimento é de qualidade. E neste talho investe-se nos dois. “O cliente vem à procura de qualidade e aqui, encontra-a”, refere, acrescentando que não compete com hipermercados onde “o preço é mais baixo mas a qualidade também é outra”. Tal como o atendimento. Dar dois dedos de conversa com o talhante - neste talho trabalham mais dois além de Octávio Pereira - é como se fizesse parte do pedido, quer da carne quer do corte que se pretende, que vai ao gosto de cada um.
No centro da parede passa até despercebida a ardósia onde estão escritas a giz as carnes em promoção. “O cliente já sabe o que quer, não vem à procura disso”, atira. A muitos, Octávio Pereira sabe-lhes os nomes, os pedidos e até o número de contribuinte de cor. Sabe como gostam da carne cortada e da peça que, por vezes, já põe de lado porque sabe que é dia de aquele cliente ir ao talho. “Uns vêm todos os dias, outros à semana e outros ao mês. Há de tudo”, relata. O que já não há é a venda fiada como no tempo em que havia um livro onde anotavam o nome do cliente e o dia em que ia voltar para saldar a dívida.
Das carnes premium aos enchidos feitos com tradição
Octávio Pereira ainda é desse tempo. “Estou no talho desde a barriga da minha mãe. Em criança, aí pelos oito, nove anos, comecei a ajudar a sério, a cortar carnes aos cubos para os enchidos”. Estes, além das carnes Premium - como as bravas, a posta barrosã e o borrego - e dos preparados, como os lombos recheados ou os marinados, os carrés, os bifes panados e os frangos já temperados, são outro dos ex-líbris da casa. Curados segundo a tradição, com o fumo e calor da lenha, a grande variedade, desde as alheiras ao chouriço e à farinheira, também se apresentam na montra onde também há uma parte dedicada aos queijos, dos frescos alentejanos aos de cabra. Há ainda produtos congelados, produtos alimentares enlatados, sal, especiarias e vinhos a pensar nos clientes que andam sempre com o tempo contado.
O negócio das carnes na família Pereira tem vindo a cimentar-se junto da comunidade, não só de Azambuja como dos concelhos limítrofes. Há ainda quem vá do Montijo propositadamente para comprar carne no Talho do Rossio, garante o talhante. E se os clientes são os mesmos, aos quais se vão juntando alguns novos que ouvem falar bem do talho ou provaram a carne que ali se vende na casa de algum amigo ou familiar, também os fornecedores se mantêm ao longo de muitos anos. Os que valem a pena, claro, esclarece o gerente que rapidamente completa: “não é tão fácil como antigamente encontrar boa carne, tem de ser bem procurada”.
Em causa, explica, está “a rapidez com que se cria um animal ao nível da sua alimentação, que é fundamental para se ter um bom produto final”. É por isso que antes de comprar carne a um fornecedor procura saber a “base alimentar dos animais e quanto tempo demoraram a ir para o matadouro”. Todo o negócio bem gerido “exige muito trabalho, se não for assim não se vai a lado nenhum”, remata.