“A escola devia ensinar mais literacia financeira às crianças”

Violante Carvalho, natural de Benavente, tem o seu gabinete de contabilidade na vila onde nasceu e está orgulhosa do seu percurso. Com um trajecto académico que só começou aos 47 anos, tornou-se contabilista certificada, mestre e doutoranda. É uma mulher de convicções firmes, defensora da literacia financeira, da transparência no exercício da profissão e da formação contínua numa área que, vinca, é crucial para o futuro das empresas.
Violante Manuela Salvador Carvalho, 57 anos, é natural de Benavente e decidiu regressar à terra natal quatro décadas depois de ter saído, ainda em criança. Viveu grande parte da vida no Porto Alto, onde iniciou um percurso profissional ligado à contabilidade, área que sempre a fascinou e que hoje exerce por conta própria num gabinete que abriu em Fevereiro de 2024 no centro da vila de Benavente.
“Voltar à rua” era uma ambição antiga. O desejo de ter um espaço próprio, com contacto directo com clientes e maior visibilidade, concretizou-se com a abertura do escritório VC Contabilidade, nome que remete para as iniciais do seu nome. “Estar onde estava não era visível”, explica. “Voltar à rua podia-me trazer aquilo que me trouxe, que se verificou: abranger mais actividades onde pudesse desenvolver o que aprendi e prestar um serviço de relatório, de ver as evoluções anuais das empresas, para que as decisões dos empresários sejam mais viáveis e credíveis”.
Com uma carteira de clientes de Benavente, Samora Correia, Porto Alto, Almeirim e Lisboa, Violante Carvalho destaca o papel central que o contabilista tem vindo a assumir. “A contabilidade já não é vista como uma função secundária nas pequenas empresas, de maneira nenhuma. É uma área em constante evolução, tal como a medicina. Um contabilista certificado deve estar sempre muito bem informado, porque o que hoje se diz amanhã já não é verdade”, diz.
Apesar de ter iniciado cedo a actividade profissional, só aos 47 anos ingressou no ensino superior através do regime Maiores de 23, na Universidade Europeia, em Lisboa, onde concluiu a licenciatura em Gestão de Empresas aos 50 anos, em Maio de 2017. Na altura, ambicionava tornar-se contabilista certificada, mas deparou-se com a exigência de realizar mais oito cadeiras para cumprir os critérios da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC).
Determinada, inscreveu-se no mestrado em Contabilidade, Fiscalidade e Auditoria na Universidade Lusófona, concluído em dois anos. Em Abril de 2022 tornou-se finalmente contabilista certificada. Actualmente, frequenta o doutoramento em Contabilidade na Universidade de Aveiro, com uma investigação centrada na sustentabilidade e nos impactos da pandemia de Covid-19 nas sociedades anónimas da Península Ibérica. “É necessário ir às bolsas de valores, tirar relatórios, perceber como é que a pandemia impactou nas demonstrações financeiras e se as empresas têm já capacidade para enfrentar uma nova pandemia”, explica.
O seu percurso de vida é também uma defesa da formação contínua. “As formações que tive, incluindo as académicas, são uma mais-valia para mim e para o meu trabalho”, frisa. Ao longo do tempo foi acumulando experiências em empresas de referência do concelho, como a Carsul no Porto Alto, onde passou por várias secções e aprendeu tudo sobre banca, salários, pessoal, tesouraria, vendas e compras. Quando a empresa faliu, integrou o gabinete de contabilidade de João Gaudêncio, em Samora Correia, onde reforçou ainda mais a sua experiência profissional.
“Desde pequena que estive ligada aos papéis”
Na memória guarda também os ensinamentos dos seus padrinhos, que se mantiveram sempre próximos por Violante ser filha de pais separados. A avó materna, que geria uma bomba de gasolina da Galp no Porto Alto, foi quem lhe deu as primeiras tarefas associadas ao mundo da contabilidade: fazer cartas com papel químico e cobrar créditos de clientes. “Desde pequena que estive ligada aos papéis. Sonhava com a contabilidade um dia”, recorda.
Hoje, além do trabalho técnico, vê-se também como uma consultora fiscal e estratégica para os seus clientes. “Não é só o dinheiro que a empresa tem em caixa ou em contas bancárias que conta. Um contabilista informado nestas áreas penso que, para os seus clientes, é uma mais-valia”. A instabilidade económica global, causada por tensões geopolíticas e alterações governativas, exige aos empresários maior preparação. “Será muito bom os empresários estarem convictos e adaptados para esta situação com que nos estamos e vamos deparar”, diz.
Para além do exercício profissional, tem dedicado parte do seu tempo à formação. Já deu aulas em Alverca, Samora Correia e Vila Franca de Xira e pretende desenvolver essa vertente, nomeadamente para empresários que queiram aprender mais sobre contabilidade e gestão. Critica o sistema de ensino, defende que a educação está “estagnada” e que falta ensinar noções básicas como impostos ou crédito à habitação, por exemplo. Também os políticos não escapam ao seu olhar exigente: “vêem-se candidatos a cargos políticos que pergunto onde é que têm literacia financeira para provarem um bom caminho para o país”.
Na sua óptica, a evolução tecnológica veio trazer melhorias ao exercício da profissão. Reconhece as vantagens do arquivo digital e do uso de inteligência artificial (IA), embora sublinhe que esta não substitui o pensamento crítico humano. Sozinha no seu gabinete, conta com apoio na retaguarda de outros profissionais e mantém uma parceria com a advogada Suzete Faustino, de Benavente, com escritório em Coruche. Disponibiliza aos clientes uma sala de reuniões e acredita na transparência e seriedade como valores essenciais para a profissão.
Embora a sua primeira ambição fosse ser advogada – chegou a frequentar um semestre do curso de Direito –, percebeu que não era esse o caminho. “Era o Direito dos livros e não o do ser humano”. Hoje, diz-se ligada às “políticas da terra” e mantém vivo o sonho de vir a integrar um partido político. “Há muitos aspectos que gostava de perguntar a certos políticos e termos alguma discussão”, justifica. Lamenta que Benavente tenha pouca vida social ao fim do dia e nos fins-de-semana, comparando com Samora Correia e o Porto Alto. “Há muitas coisas a melhorar nesta vila e muita coisa terá que ser feita, é um facto”, declara.