“Já quase não há voluntariado nos bombeiros; as pessoas não querem trabalhar à borla”
Rui Silva tem uma vida preenchida e mesmo quando já podia gozar a reforma continua a estar fortemente envolvido no movimento associativo de Arruda dos Vinhos. É presidente dos Bombeiros de Arruda dos Vinhos, já foi deputado, candidato à câmara, chefiou uma missão humanitária portuguesa a Timor e é um rosto conhecido na vila que diz “só querer morrer feliz”.
Para o presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Arruda dos Vinhos o associativismo está doente e se nada for feito rapidamente o futuro será complicado. “Não aparece ninguém. Não consigo encontrar pessoas que queiram ficar à frente desta casa. O nosso mandato é até 2027 e espero que até essa altura apareça alguém”, diz o dirigente, que está nos corpos sociais da casa há mais de quarenta anos.
Para Rui Silva, o associativismo está numa “crise implacável”, sobretudo na parte directiva. “Isto dos bombeiros voluntários é uma falácia. Já quase não há voluntariado nos bombeiros. Em 39 bombeiros que aqui temos são praticamente todos profissionais assalariados. As pessoas não querem trabalhar à borla e nós percebemos isso. A vida mudou, as expectativas das pessoas são outras. A malta mais velha vai saindo e os mais novos não vão aparecendo”, lamenta a O MIRANTE.
A associação que lidera tem hoje 136 anos, um orçamento de 900 mil euros e enfrenta o desafio de manter a qualidade do serviço com meios limitados. Vai valendo o apoio da câmara municipal e dos quase dois mil sócios da associação. Mas mesmo com quotas mensais de 1,5 euros tem sido difícil captar novos filiados.
Rui Silva nasceu em 1951 nas Caldas da Rainha e vem de famílias humildes. Profissionalmente começou na juventude a ajudar os pais, que tinham um restaurante, porque nunca teve medo do trabalho. Chegou a Arruda dos Vinhos por volta de 1970. Trabalhou no sector dos seguros e depois, a partir de 1982, ligou-se aos órgãos sociais dos bombeiros de Arruda dos Vinhos. “Não tenho feitio para não fazer nada. Se ficar quieto, morro”, confessa.
Frequentou a Academia Militar e cumpriu serviço militar em Timor, onde estava no dia 25 de Abril de 1974. Acabou por sair do serviço militar e na década de 1980 abraçou a política tendo sido eleito deputado, em 1985, pelo Partido Renovador Democrático (PRD), onde estava com nomes como Hermínio Martinho e Ramalho Eanes. “Gostei muito de ser deputado. O PRD tinha uma forma diferente de fazer política, com valores fortes”, recorda. Foi secretário-geral adjunto do partido e esteve no Parlamento durante dois mandatos, num total de sete anos e meio. Recorda a O MIRANTE o episódio da moção de censura ao governo que acabou por abrir caminho à maioria absoluta de Cavaco Silva. Uma “asneira” que afundou o PRD, assume.
“O PRD era um partido com umas directivas especiais, ainda hoje me dou muito bem com o Eanes e o Hermínio Martinho. Fizemos o que era possível mas a asneira de se ter apresentado a moção de censura veio a dar a maioria absoluta ao Cavaco Silva. Quase como hoje acontece, apresenta-se moções de censura por tudo e por nada e depois aparecem partidos que se aproveitam disso”, critica.
Para Rui Silva, antigamente havia mais respeito no Parlamento. “Fico muito apreensivo com a situação actual e os partidos não se entenderem para criar uma situação de estabilidade política e institucional para o Parlamento”, defende.
O dirigente concluiu a licenciatura em solicitadoria e uma pós-graduação em açcão executiva. Após sair do Parlamento, foi convidado à data por Dias Loureiro para integrar o Serviço Nacional de Bombeiros, que hoje é a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, onde foi presidente da comissão instaladora da Escola Nacional de Bombeiros.
A experiência inesquecível da missão em Timor
Em 1999, após o referendo pela independência em Timor, o dirigente foi convidado por Jorge Sampaio, Vítor Melícias e Jaime Gama para liderar a missão humanitária portuguesa àquele país. “Cheguei em Setembro de 1999, quando em Díli não havia dez pessoas. Aos poucos é que as pessoas começaram a descer das montanhas depois de terem fugido e passámos a ter quase 300 pessoas por dia a virem procurar ajuda connosco”, recorda a O MIRANTE.
Timor, de resto, é um país onde Rui Silva deixou bons amigos. “Fui o segundo português a abraçar o Xanana Gusmão quando ele chegou a Díli. É um grande amigo, tenho muitas fotos com ele. O Xanana, o Ramos Horta, entre outros, todos iam comer à missão humanitária na altura, porque não havia nada, comíamos rações de combate”, recorda. Mais tarde, Rui Silva aceitou o convite de Sérgio Vieira de Melo para integrar as Nações Unidas, onde chefiou a criação dos corpos de bombeiros em Timor-Leste. Já viajou por 87 países, é pai de dois filhos e diz, a brincar, que foi presidente de praticamente todas as associações da terra: do Clube Recreativo e Desportivo Arrudense, a vice-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Arruda dos Vinhos (onde ainda hoje é presidente da assembleia-geral) e presidente do rancho Podas e Vindimas de Arruda, onde ainda hoje é presidente do conselho fiscal.
Chegou a candidatar-se à câmara pelo PSD mas perdeu por 32 votos — uma derrota que o afastou de futuras candidaturas. Apesar da reforma, continua activo como secretário-geral da União dos Bombeiros dos Países de Língua Portuguesa e foi também vice-presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses durante oito anos. “Já devia estar sossegado num banco de jardim mas isso não me serve. Se ficar quieto, morro. Não tenho feitio para não fazer nada”, conta.
Rui Silva foi o responsável pela construção do actual quartel dos bombeiros aquando do centenário da instituição. Apesar de discordar da abertura de uma nova secção em Arranhó, compromete-se a apoiar a decisão. “Vamos assumir o desafio. Mas vai ser muito difícil”, admite.
Para Rui Silva, os valores que sempre o guiaram são simples mas inegociáveis: respeito, honestidade e serviço. “Tira-me do sério a falta de respeito pelas pessoas e pela humanidade. Nunca fui inimigo de ninguém. Profissionalmente a honestidade é o mais importante”, defende. Ao olhar para o futuro, é com um misto de esperança e realismo que fala do fim do seu mandato, previsto para 2027. “Quero deixar esta casa arrumada, com grande sentido de responsabilidade, com as contas certas e com a certeza que a população de Arruda se pode sentir segura por ter uma corporação na qual pode confiar. Na hora da verdade estamos lá e não abandonamos ninguém. Toda a gente aqui tem um grande sentido de responsabilidade e uma grande vontade de servir. Toda a gente veste a camisola”, conclui.