O mais antigo empresário de restauração de Santarém que aos 73 anos não vira costas ao trabalho

Francisco Teixeira é a alma de um dos clássicos restaurantes de Santarém, A Grelha, que serve comida de conforto acompanhada de uma garrafeira a preceito há mais de três décadas. Aos 73 anos, é um exemplo de que trabalhar por gosto não cansa mas compensa. Natural de Celorico de Basto, o empresário de hotelaria mais antigo da cidade escalabitana, recorda a sua vida de trabalho que começou cedo, numa cozinha, no Porto.
Quando Francisco Teixeira deixou Celorico de Basto para trabalhar no Porto nada sabia sobre cozinha e longe estava de imaginar que esse seria o ramo de negócio no qual iria singrar. Eram outros tempos, onde a escola tinha de ficar a meio caminho para dar lugar ao trabalho e ajudar a família a pagar contas. “Éramos 10 irmãos e a vida não era fácil. Decidi ir para o Porto trabalhar. Comecei lá num supermercado, depois numa cozinha e nunca mais parei”, conta. Não há frase mais certeira para definir a vida do “senhor Teixeira”, como é conhecido, do que esta última. A quem o quiser comprovar basta entrar pelas portas do restaurante que gere, em Santarém, aos 73 anos, com uma energia de fazer inveja e uma paixão pelo que faz que não esmoreceu com o tempo.
Passaram mais de 30 anos desde que A Grelha abriu portas, no mesmo local, mas reinventando-se e crescendo em espaço, sem perder a sua essência: a comida de conforto, aquela que aconchega o estômago e que faz querer voltar. À frente da casa continua Francisco Teixeira, que embora conte com a ajuda de dois dos três filhos e da esposa, Lívia, é a alma daquele espaço. De camisa axadrezada e suspensórios - a sua imagem de marca - encontramo-lo de pratos sujos e copos na mão, que com destreza pousa em cima do balcão com vista aberta para a cozinha. “É assim mesmo. Se vir uma mesa com loiça suja vou logo lá buscá-la, não espero que o façam por mim”, atira.
Todos os dias, à excepção de segunda-feira - dia de fecho para descanso do pessoal - é o primeiro a chegar para tratar do que é preciso para os almoços, receber fornecedores, entre outras tarefas que, garante, faz com “enorme gosto”. A Grelha recebe diariamente carne e peixe frescos, matéria-prima colocada depois numa montra refrigerada, à vista do cliente. “É muito importante o cliente poder ver o que vai comer e poder ver como é cozinhado”, diz, orgulhoso de ter tido o primeiro restaurante em Santarém onde a cozinha é aberta para uma das salas do restaurante, que tem à volta de 180 lugares.
Comunicativo por natureza, gosta de roubar “dois dedos de conversa” aos clientes - aos que conhece e, sobretudo, aos que nunca viu. Para que “se sintam em casa” e lhe contem de onde vêm. “Se percebo que a pessoa é do Alentejo, do Algarve ou do Norte, então é que vou logo falar para saber se é a primeira vez que cá vêm e porque vieram”, diz, explicando que é importante para o negócio conhecer o tipo de cliente que se serve. E n’A Grelha serve-se, além do bom ambiente e vinho, iguarias como as pataniscas de bacalhau com arroz de feijoca, cozido à portuguesa, cabrito assado e mão de vaca. “São pratos que não são bonitos para a malta nova, mas é o que sai mais porque já não se encontra muito”, defende, acrescentando que é frequente os clientes “guardarem um lugarzinho para a sobremesa” cujas opções são variadas e entram pelas vistas dentro logo à entrada, expostas em montra de vidro.
“O restaurante é construído por uma pessoa e vinga até a pessoa durar. Depois, quando desaparece ou quando muda para outra, nunca mais é igual”, diz. Aproveita, depois, para esclarecer que não tem receio que isso aconteça ao negócio que criou com a esposa. “Dois dos meus três filhos e um neto estão cá, sabem disto, estão integrados”, explica. O outro filho, que também já ali trabalhou, é o actual presidente da Câmara de Santarém, João Teixeira Leite. “Também ele sabe o que é esta vida, que não é fácil. É preciso estar presente. Num negócio de hotelaria não se pode virar costas, tem de se ir buscar os produtos, estar sempre a par de tudo para não faltar nada”, conta o empresário que chegou a Santarém para trabalhar, como militar, na cozinha do antigo presídio.
“Só se pode trabalhar assim, com gosto”
Antes de A Grelha, Francisco Teixeira e a esposa geriram um outro restaurante, durante duas décadas, perto da praça de toiros, nos tempos em que aquele largo enchia, com mais frequência, para festas e feiras. O sucesso era tal que o espaço era curto para tanta procura. “Por isso abrimos este, mas nunca tivemos os dois ao mesmo tempo. Não ia dar bom resultado. O cliente deste ramo gosta de ver o dono, gosta de ser cumprimentado, gosta de sentir essa segurança de: se o dono está vou comer bem”. Enquanto fala, agora sentado na sala privada pensada para almoços de grupos que prezem a privacidade, sente-se-lhe na voz a paixão pelo que faz. “Só se pode trabalhar assim, com gosto. Se a pessoa olha para trás, vou lá ver se está a precisar de alguma coisa. Se está a levantar a mão sou o primeiro a chegar”, afirma, garantindo que vai continuar a estar presente enquanto a saúde o permitir. “Para já sinto-me em pleno”, reforça o empresário que teve um único sonho na vida: trabalhar por conta própria e ser bem sucedido.
Conta este, que é o empresário de restauração mais antigo da cidade-mãe do Festival Nacional de Gastronomia, que há outros que ali se sentam à mesa antes de abrirem as suas casas. Houve até um que lhe pediu para ficar ali uma semana para aprender a fazer o famoso arroz de feijoca. Neste ramo, defende, haver muita oferta não atrapalha quem é bom e sabe andar no meio. Por isso é que não nega ajuda ou conselhos a quem o procura. No fundo, o que Francisco Teixeira preconiza é a união de um sector que é exigente, onde os impostos podiam ser mais leves e para o qual encontrar pessoas para trabalhar é como entrar num jardim com espinhos em forma de labirinto. Se quisermos resumir, em meia dúzia de palavras, o que ele simboliza podemos dizer que Francisco Teixeira é um “self-made man” - em tradução livre para português: um homem que fez o seu próprio sucesso - e que é feliz a fazer o que faz.