Identidade Profissional | 01-10-2025 07:00

Carla Costa: “o segredo maior da cozinha é o amor”

Carla Costa: “o segredo maior da cozinha é o amor”
IDENTIDADE PROFISSIONAL
Carla Costa soma 17 anos no leme da cozinha do restaurante Chico do Porto - foto O MIRANTE

Nasceu em Lisboa, cresceu no campo em Samora Correia e sonhou ser engenheira agrónoma, mas foi na cozinha que encontrou o caminho da vida. Há 17 anos, Carla Costa assumiu, ao lado do marido, a gestão do restaurante Chico do Porto, uma casa com meio século de história e sabores que cruzam a lezíria com o mar. A cozinheira fala de infância, de sonhos adiados, de pratos que a definem e de um futuro que ainda quer levar mais longe.

Chama-se Carla Sofia Costa, nasceu em Lisboa, mas depressa trocou a capital pelo ritmo mais calmo do Ribatejo onde cresceu e construiu a sua vida. Natural de Lisboa, sempre viveu em Samora Correia, entre a memória dos campos agrícolas onde os pais trabalharam e a azáfama de uma cozinha que hoje comanda como um quartel de sabores.
Filha de agricultores, passou a infância no meio das sementeiras, das hortas e dos animais, a brincar entre a vindima e as tarefas da quinta. “Os meus pais eram agricultores e eu queria ser engenheira agrónoma. Esse era o sonho de criança”, recorda, com uma ponta de nostalgia por um tempo em que a vida se fazia de brincadeiras na rua, entre berlindes, saltar à corda e jogos improvisados no campo. “Hoje já não é assim. As crianças não têm o mesmo percurso, passam demasiado tempo fechadas em casa”, refere.
A ligação à terra foi forte, mas não foi ela que traçou o rumo da vida adulta. O destino surgiu através do marido, César Costa, ligado desde cedo à restauração. “Sempre gostei de cozinhar em casa e o meu marido dizia que eu tinha muito jeito, que não seria difícil adaptar-me a uma cozinha de âmbito industrial. E assim foi. Quando surgiu a oportunidade, segui os passos dele”, explica.
César começou a trabalhar no restaurante Chico do Porto aos 14 anos. Com o tempo, a oportunidade de ficar com a casa surgiu, há 17 anos. O casal não hesitou. “Os patrões estavam cansados e perguntaram-nos se queríamos ficar. O meu marido sempre sonhou com isso e eu disse-lhe que, se fosse o desejo dele, abraçávamos juntos o projecto. E foi o que fizemos”, conta

Uma casa com 50 anos de história
O Chico do Porto é um nome incontornável na restauração de Samora Correia. Fundado há meio século, conquistou gerações de clientes com uma cozinha assente nos sabores da lezíria e na carne brava, símbolo maior da região. “Quando começámos, mantivemos pratos emblemáticos como o touro bravo estufado, a posta de touro e outras carnes que ainda hoje distinguem a nossa casa. Mais tarde, introduzimos também a cataplana de peixe, que mistura influências algarvias e espanholas, e claro, a tradicional galinha de cabidela com arroz carolino das nossas lezírias”, diz.
Mas há um prato que, para Carla, é a sua assinatura pessoal: a Marinheira. Feita à base de peixe fresco, onde se inclui a garoupa, pargo ou pescada, enriquecida com camarão, mexilhão e, sempre que possível, uma lagosta, a Marinheira é servida como uma ode ao mar que tanto fascina a cozinheira. A escolha dos fornecedores é, por isso, um segredo guardado a sete chaves. “Trabalhamos com os mesmos fornecedores há vários anos. Queremos ter confiança naquilo que servimos, e só assim conseguimos também dar essa confiança aos clientes”, sublinha.
O restaurante funciona como uma engrenagem bem oleada, onde o espírito de equipa é fundamental. São dez pessoas ao todo, muitas delas colegas de César desde os tempos em que trabalhava como funcionário. “Quando passámos a gerir o restaurante, mantivemos a mesma equipa. Entrei, vieram mais duas ou três pessoas, e desde aí funcionamos como uma família. É esse espírito de entreajuda que nos faz aguentar os dias mais complicados”, revela Carla Costa. “Entramos às nove da manhã, saímos às cinco da tarde, voltamos às sete da noite e muitas vezes só fechamos a porta à uma da manhã. É exigente, é cansativo… somos humanos. Mas quando se faz com amor, corre quase sempre bem”, acrescenta.
Carla Costa não tem dúvidas de que o maior segredo da sua cozinha é esse mesmo: o amor. “Os meus pratos são simples, não têm segredos complicados. O segredo maior é o amor. Cozinho como se fosse para mim e para os meus filhos. Não faço distinções, trato todos os clientes como família”.

Infância inspira sabores
A forma como cozinha hoje tem raízes directas na infância. “Na quinta dos meus pais tínhamos tudo: patos, galinhas, faisões, porcos, vaca, ovelhas, entre outros. Criávamos a carne, cultivávamos a horta, só comprávamos mercearias e peixe. Eram sabores completamente diferentes do que se come hoje em dia”, conta. É esse lastro de autenticidade que, acredita, explica o sucesso da casa. A clientela reconhece os pratos tradicionais e regressa para os saborear. “Ver os clientes satisfeitos e voltar a entrar pela porta é o que mais me realiza. Quando isso acontece, sinto que o dia valeu a pena”, vinca.
Ainda assim, nem tudo é temperado com bons momentos. Carla Costa fala das dificuldades que afectam a restauração: a escassez de pessoal e a exigência dos horários. “As pessoas que não querem trabalhar nesta área, porque não aceitam trabalhar à noite ou ao fim-de-semana. Isso torna difícil encontrar e manter uma equipa estável. Não é uma profissão fácil, exige muito esforço físico e também psicológico. Só mesmo quem gosta consegue aguentar”, declara.
A família Costa não se limita a gerir o Chico do Porto. Há planos em andamento, ainda em segredo, mas que passam por expandir a ligação à hotelaria, possivelmente no litoral norte do país, região próxima de onde é natural o marido, César, de Lamego. “Gostamos muito do Norte. Temos uma paixão especial pela região e acreditamos que poderá ser lá que vamos dar o próximo passo, mas no norte litoral. Queremos manter o Chico do Porto, claro, mas também abrir novas portas”, afirma.
Esse futuro já começa a ser preparado com a ajuda de um dos filhos do casal, que tem vindo a assumir responsabilidades no restaurante. “Queremos que ele vá tomando conta das coisas, para podermos dar esse salto. A minha filha segue outro caminho, na área da educação, mas o restaurante ficará bem entregue”, acredita.
Nos poucos tempos livres que lhe restam, Carla Costa gosta de ir ao mar, uma das suas paixões, ou de viajar em família. Já percorreu Portugal de uma ponta à outra e, nos últimos anos, começou também a sair para fora do país. “Portugal está muito caro; por vezes, viajar para o estrangeiro é mais barato. Mas continuo a achar que o nosso país é riquíssimo em sabores e culturas dentro da própria cultura”. É esse Portugal, autêntico e feito de memórias de infância, que se serve todos os dias no Chico do Porto, em Samora Correia.

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