Identidade Profissional | 14-09-2022 21:00

“Na pastelaria a qualidade não se alcança com matéria-prima barata”

Luís Gonçalves é sócio-gerente da Pastelaria Martinicia, no Cartaxo, onde começou a meter as mãos na massa aos 10 anos

Luís Gonçalves está ao leme do negócio de família desde 2012. Na pastelaria Martinica, no Cartaxo, onde aprendeu a fazer pão e bolos com apenas 10 anos, continua a meter as mãos na massa. Defende a qualidade em detrimento da variedade e diz que a falta de trabalhadores na hotelaria é um desafio que atrofia o sector.

Luís Gonçalves começou a meter as mãos na massa aos 10 anos. Aos 44 anos o cheiro a pão acabado de cozer continua a fazer parte da sua rotina diária. Pega ao serviço às 02h00 na fábrica da Pastelaria Martinica para encher a carrinha de fornadas que distribui por vários estabelecimentos do Cartaxo e redondezas. Regressa para pôr no forno toda a pastelaria que vai compor a montra, faz encomendas aos fornecedores, põe a contabilidade em dia, prepara a ementa que vai ser servida no dia seguinte ao almoço e se for preciso ainda tira cafés e serve à mesa. “Sou o que se costuma chamar de tapa buracos e acredite-se que hoje em dia a polivalência é o segredo para o sucesso de qualquer profissional”, afirma.
Mentiria se dissesse que a vida de empresário que não se limita à cadeira da secretária não cansa. Não dorme mais do que cinco horas por dia, às vezes repartidas entre a tarde e o início da noite, e férias só as tira quando o negócio permite. É ele quem manda. “Sermos patrões de nós próprios é bem mais duro do que se ser empregado”, diz, confessando que devido à azáfama e dedicação profissional optou por não constituir família com receio de não lhe poder dar atenção.
Luís Gonçalves fala sentado numa das mesas da pastelaria que fica no centro do Cartaxo. Olha com satisfação reparando que há apenas uma mesa vaga. E pode dizer-se que cada cliente tem à sua frente um bolo diferente, cada um mais apetitoso que o outro. Neste ramo, sublinha, “os olhos também comem”. Mas o que realmente importa, prossegue, é o sabor que só se alcança através da qualidade da matéria-prima e, claro, dos “saberes” da confecção. “Na pastelaria a qualidade não se alcança com matéria-prima barata” nem na produção de uma imensa variedade de bolos para encher as montras.
Na pastelaria Martinica, cuja história se começou a escrever em 1978 pelas mãos do pai de Luís Gonçalves e de um outro sócio, os cartaxinhos – uma queijada com doce de ovos e amêndoa – são a estrela da montra que não escapa aos mais gulosos. Mas não faltam, entre outros, os pastéis de nata, almendrados, bolo seco, arrepiados, pampilhos e os famosos fritos de Natal, que por essa altura do ano fazem disparar as encomendas. No que toca à padaria Luís Gonçalves confessa que nunca se deixou levar pela febre do pão, ou seja, das mil e uma variedades e reinvenções do modo de fabrico, e a aposta continua a ser o fabrico artesanal com os ingredientes básicos: farinha, água e sal.

Falta de trabalhadores na hotelaria é a grande dor de cabeça
O cunhado e um sobrinho trabalham no negócio que também pertence à irmã de Luís Gonçalves. A estes juntam-se mais de duas dezenas e meia de funcionários, alguns com mais de 30 anos de casa e que “gostam realmente daquilo que fazem”. Uma característica que é cada vez mais difícil de encontrar. “As pessoas que vêm para a hotelaria são as que não arranjam mais nada em que trabalhar. Para quem tem uma porta aberta é um desespero, porque em termos de profissionalismo deixam muito a desejar”, lamenta, acrescentando que “a hotelaria é o sector mais afectado pela falta de mão-de-obra em Portugal”, não por pagar mal, mas porque não há quem se queira sujeitar aos horários por turnos e a ficar sem fins-de-semana.
Além de estar ao leme do negócio de família desde 2012 Luís Gonçalves é ainda proprietário da Ribatejo, uma outra pastelaria da cidade. Há anos que deixou de estar interessado na revenda da pastelaria que fabrica porque a maioria dos interessados “quer comprar barato e para quem só tem uma linha de fabrico, que é de qualidade, não compensa o negócio”. Actualmente fornece apenas alguns clientes antigos e escolas do concelho. Também ele se diz antigo e desgastado com o tempo dedicado à profissão – entre 19 a 20 horas diárias durante a semana e menos umas ao fim-de-semana. Já pensa, por isso, na reforma, ainda que o desejo de prosseguir com o negócio de família continue a falar mais alto.

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