Não é leitor quem quer
O título, como tudo na vida, não é inocente, como inocente não é o testemunho de quem lê: ora porque sentir sente o leitor, segundo Pessoa (ele diz “quem lê”), ora porque toda a leitura (mentira) é fértil, abrindo caminho ao que ficou conhecido na história da leitura por “texto de fruição”, ou ainda por se tratar de “texto de prazer, qualificativos sinalizados, há mais de ½ século, por Roland Barthes com o objectivo de questionar a receptividade da obra.
O título, como tudo na vida, não é inocente, como inocente não é o testemunho de quem lê: ora porque sentir sente o leitor, segundo Pessoa (ele diz “quem lê”), ora porque toda a leitura (mentira) é fértil, abrindo caminho ao que ficou conhecido na história da leitura por “texto de fruição”, ou ainda por se tratar de “texto de prazer, qualificativos sinalizados, há mais de ½ século, por Roland Barthes com o objectivo de questionar a receptividade da obra.
De volta às sugestões, que a desobriga jornalística recomenda em tempo de férias (Camilo diria “horas feriadas”), nada como descerrar portas à luz dos livros (o cinema optou em tempos pela Luz dos Oceanos), aqui ficam, desta vez, duas obras de trazer/ ler por casa; outras duas, de trazer/ ler debaixo de olho, porque requerem tempo, entrega, reflexão crítica, e sobretudo “demora”, compasso de espera ao modo do sertanejo de Grande Sertão: Veredas (1956), de João Guimarães Rosa, que certa vez lhe pediu um cigarro com a recomendação: “Demore, que eu conto”.
Assim e, logo à mão de semear, procure o leitor de O MIRANTE, no catálogo da Rosmaninho|Livros de Arte - edições chegadas ao mercado livreiro, respectivamente, em 2021 e 2023 – primeiro, do romance Partilha de Sombra/ Prémio Erico Veríssimo 1980, Walmir Ayala (1933-1991), também poeta e crítico de arte, de quem a literatura brasileira há-de guardar memória literária para sempre, enquanto criador da: “(…) imagem das coisas fugidias, mutáveis, irreais” que fazem dos dias verdadeiro sudário de paixões; de seguida, tempo de leitura para a edição de Poemas para acabar com a violência doméstica, de Anne Quetzal, autora luso-americana, viagem sem fim pelo imaginário literário de todos os tempos e lugares onde o amor-ódio da crítica da razão poética se tornou arte de celebração.
Noutro registo, e subindo de tom para que leitores mais exigentes não possam indiciar desprezo pela cultura (literária, filosófica, científica) de superior estaleca intelectual, tempo de excepção para dois títulos da Relógio d’Água/ 2021-2023, eleitos como livros de cabeceira: a edição de Diários (1950-1962), tradução de José Miguel Silva/ Inês Dias, de Sylvia Plath (1932-1963), a voz americana que nem o suicídio precoce silenciou aos olhos do mundo; e, além deste, o volume Ensaios/ Selecção, tradução, prefácio e notas de António Sousa Ribeiro, colectânea da autoria de Robert Musil (1880-1942), ensaística complementar do romance O homem sem qualidades, obras contributivas, e premonitórias, do colapso de uma Europa em situação histórica asfixiante que conduziu ao Holocausto, antecâmara da falta de lucidez que viria, ontem como hoje, a afectar as lideranças do Velho Continente e da futura União Europeia, protagonizadas por “homens de compreensão lenta”.