Boa leitura, tristeza cura
Virada a página dos mais mediatizados eventos livreiros do ano, sediados, para não variar, em Lisboa e Porto, nada como esperar que a caravana do folguedo futebolístico europeu passe além da Taprobana cultural urbana, e assim possa voltar a atenção para feiras do livro fora dos grandes centros.
Virada a página dos mais mediatizados eventos livreiros do ano, sediados, para não variar, em Lisboa e Porto, nada como esperar que a caravana do folguedo futebolístico europeu passe além da Taprobana cultural urbana, e assim possa voltar a atenção para feiras do livro fora dos grandes centros, correndo maratonas de leitura (realização de que a Sertã é pioneira) em nome do livro, esse desconhecido das sociedades apanhadas nas redes sociais, efémero saber de que, mais tarde ou mais cedo, não restará memória.
A fim de que se não diga, ou possa dizer que ler pouco, ou nada, é estar no sono sem dormir, subtil reparo de Roland Barthes, no celebrado volume Fragments d’un discours amoureux (1977), registo d’O Mirante para três obras, chegadas aos escaparates, há algum tempo a esta parte, sob o signo que as sinaliza (Vergílio Ferreira chamou-lhe: Signo Sinal), que as dá como/por capazes de despertar o desejo de ler em tempo de férias.
De Coimbra, com a chancela da Minerva Editora, recomendação para o romance Suites (2023), da autoria Cristina Robalo Cordeiro, edição que encerra a trilogia magrebina, iniciada com Fuga Marroquina (2018), e A Lição de Pintura (2021).
Experiência autobiográfica, já iniciada em Reminiscências da Luz (2012), aquando do périplo levado a cabo, a partir de Rabat onde viveu, pela docente ao coração de várias universidades do Norte d’África, Suites consagra o conhecimento da vida quotidiana (histórico-cultural social) de quem optou por escrever a saga familiar de certas gerações contemporâneas norte-africanas, tendo como pano de fundo vivências tunisino-marroquinas, a braços com tradições religiosas e costumes redutores da liberdade individual, pensamento e acção das mulheres nas comunidades islâmicas.
Não longe do cenário novelesco mencionado, e a fazer fé na sabedoria romana de há dois mil anos, garantia de que a boa leitura tristeza cura, cinco estrelas para a edição de A Arte de Amar/ Ars Amatoria (Quetzal, 2023) , de Ovídio (43 aC-18 dC), o poeta latino que se tornou clássico antes de o ser, obra soberbamente traduzida e apresentada pelo também docente da Faculdade de Letras de Coimbra, Carlos Ascenso André, que “aos trabalhos de amor” do mestre de Sulmona, sul de Itália, dedicou por certo anos de estudo, sem descuidar do engenho que a tradução lhe exigiu, tantos como os necessários para levar por diante a leitura amorosa de ”na apreciação da formusura” não vacilar ante “as luzes enganadoras” da paixão, não fossem elas tão “danosas” como “a noite e o vinho”.
Terceira proposta de leitura, saída das voltas do dado estival, com a preocupação de abrir jogo às opções, e deixar espaço ao leitor para que chame a si o prazer de ler, a ponto de evitar possa perder-se no labirinto editorial em que o fio de Ariadne não garante a orientação da boa estrela, luz verde para a edição intitulada 48 Ensaios (Relógio d’Água, 2022), de Virgínia Woolf (1882-1941), traduzidos pela dupla Ana Maria Chaves/ Catarina Ferreira de Almeida, com prólogo de Ana Gabriela Macedo.
Não se tratasse de uma das romancistas mais influentes das/nas literaturas de língua inglesa, desta colectânea, riquíssima do ponto de vista do conhecimento firmado numa experiência literária ímpar, pode dizer-se o que a ensaísta londrina aconselhou a quem de saber ler se preza muito: ”A livros diferentes devemos pedir qualidades diferentes.”