Livros que São Vidas | 08-07-2024 15:41

Navegar é (im)preciso

Navegar é (im)preciso

Seja qual for o poder de sedução com que os livros atraem quem lê para o espaço da obra, que o mesmo é dizer: para a descoberta do continente dos livros, todos os protocolos de leitura, por mais exigentes, ou não, que possam ser, não devem ser impositivos à vontade do leitor, de modo a que ele possa partir, por iniciativa própria, para a aventura da viagem.

Seja qual for o poder de sedução com que os livros atraem quem lê para o espaço da obra, que o mesmo é dizer: para a descoberta do continente dos livros, todos os protocolos de leitura, por mais exigentes, ou não, que possam ser, não devem ser impositivos à vontade do leitor, de modo a que ele possa partir, por iniciativa própria, para a aventura da viagem; e, assim, viajar por sua conta (e risco) pelos arquipélagos da palavra escrita.

Com o verão à porta, e o ciclo de férias à beira de tornar-se rito de passagem por rotas de navegação à vista, não longe da costa editorial cuja promessa seja chegada a porto de sensações verdadeiras que a arte de ler/navegar lhe venha(m) a oferecer.

Em forma de alerta, sos para o comando do Cruzeiro Literário (Editora Letras Lavadas, Ponta Delgada, Açores, 2024), viagem de circun-navegação novelesca por mares de intriga histórico-marítima a que a agitação das marés mediáticas não retira a/ventura, lazer e boa disposição, título assinado por Ernesto Rodrigues, docente da Faculdade de Letras de Lisboa, e também autor de vasta obra em domínios tão diversos como os que vão da ensaística/ crítica a praticamente todos os géneros literários (poesia, romance, antologia, tradução, crónica) sem concessões à venda da “literatura a peso”, ou que por aí circula a preço de saldo.

Não a bordo de outro qualquer cruzeiro das letras, mas à vela, e de regresso a paragens helénicas a que, não raro, conduzem as correntes de pensamento – “A tarefa do filósofo é avaliar o que se pensa, examinando sua coerência e cogência.” – da Grécia antiga aos nossos dias, momento para recuperar forças mentais revisitando estâncias filosóficas recomendadas: desde os diálogos de Platão, ainda curativos para males da alma, leitura de torna-viagem, e sem receio de que a obra Lições de Estoicismo (Talento Editora, Lisboa, 2023, de John Sellars, distinto professor no Royal Hollway, London University, se torne impositiva, se mais não for para, não desfazendo, prestar culto, à reflexão filosófica de sempre, seguida de perto (e a conselho) as lendárias Meditações, de Marco Aurélio, pensador para o qual os impulsos da Natureza Universal e as virtudes do Mundo Físico, já à época, deviam considerar-se benfazejos - passe a redundância: por um lado, da racionalidade da Razão Universal; por outro, dos processos de mudança “elevados para a mente”, e capazes de ministrar: “justiça nas suas intenções diárias e contentamento com as atribuições do destino.”

Por último, e antes que a rentrée faça calar as meritosas editoras que, à margem dos habituais circuitos livreiros (e de distribuição), sufocam a respiração das pequenas chancelas – imprescindíveis anticorpos de cuja função curativa vive a edição, segundo Octavio Paz – menção para dois volumes intitulados Theatro (Quase)Todo (Publicações Crocodarium, Cascais, 2020/2021), do dramaturgo/ encenador Manuel de Almeida e Sousa, director dos magazines Bicicleta e Crocodarium, laborioso homem de palco(s) a quem os estudos de teatro, a arte teatral e a docência, nesta área, e no ensino público, formaram jovens talentos, durante décadas.

Enquanto autor de inúmeras peças de referência - de que As bruxas também escrevem? e a encenação de A Mandrágora, re/criação a partir de Maquiavel, são exemplo - Almeida e Sousa não se constitui tão-só como obreiro da causa teatral, mas como construtor de vanguarda(s) teatrais e de foro experimental, projectos fundadores do discreto homem de cultura que soube “beber litros de libertinagem artística” fora do crónico carreirismo luso, para melhor seguir ao leme do “navio” que comanda, há ½ século, com a perícia criadora do velho-criança taoísta que “constrói um barco de papel” e o coloca na “água” das utopias realizáveis de uma vida.

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