Confissões de um poeta
Neste livro de 1979 Lêdo Ivo alterna crônicas da vida literária, memórias de família, sentenças estéticas, poemas, meditações, provocações e queixas. Sua unidade é toda ela erigida do fragmentário de que se constroem nossas realidades e fantasias.
ESTAS CONFISSÕES
Aos prosadores, a popularidade. Aos poetas, a glória. *Nós, escritores, somos só talento (quando o temos) e vaidade (sempre). *Minhas incoerências me iluminam. Minhas coerências me obscurecem. *Anseio por uma clareza que, como a do sol ao meio-dia, ofusque o leitor. *Chama-se autor o personagem criado pela obra. *A poesia terminou por se impor em mim como uma operação verbal destinada a ocultar a vida pessoal, gerando uma mitologia particular que substitui a verdade trivial da existência. *Fazer soneto é para quem sabe e quem pode, e os que não preenchem estes requisitos costumam falar mal dele. *A poesia é o horror da filosofia. *Como a terra, a criação poética é redonda. *A fronteira não é um limite, mas um convite à travessia. *O absurdo é o sal da vida. *Regra, convite à transgressão.
Estes iluminados relâmpagos podem ser encontrados às centenas nestas Confissões de um poeta, livro de 1979 no qual Lêdo Ivo alterna crônicas da vida literária, memórias de família, sentenças estéticas, poemas, meditações, provocações e queixas. Sua unidade é toda ela erigida do fragmentário de que se constroem nossas realidades e fantasias. Ao mesclar poesia, crônica e ensaio, Lêdo monta esta sua poderosa máquina de recordações da mais sanguínea irreverência. Sem se deixar iludir pelas pompas do mundo, começa e termina sua caminhada de artista no esplendor da dúvida – entre os dois nadas, segundo ele, que no princípio e no fim nos isolam no irremediável da existência. A realidade, afirma, “não é um monumento que se possa contemplar no meio de uma praça, mas um labirinto onde nos perdemos”.
Sabemos que a opulência verbal é uma das marcas mais características de sua vasta obra. Com essa opulência, Lêdo converte os tempos idos num presente espesso que nunca termina e em si mesmo se desdobra como um dia depois de outro dia. Um livro com o selo de qualidade do que temos de melhor em língua portuguesa nesse gênero cambiante das memórias.
André Seffrin