Garoupa edita Celina Ferreira
Este Rio do sono pela Garoupa inclui prefácio da professora Anélia Pietrani, que soube ler e entender a poesia densa e multívoca de Celina. Amiga de Cecília Meireles e Manuel Bandeira, Celina, ao que tudo indica, não se deixou intimidar diante dos mestres que tanto a incentivaram.
A poesia de Celina Ferreira está de volta. Por enquanto, num único livro, Rio do sono, pela editora Garoupa, de Marina Ruivo. Primeira vez em edição autônoma, esse livro integrou antes a antologia Hoje poemas, de 1967, que reuniu os anteriores da autora: Poesia de ninguém, de 1954, Nave incorpórea, do ano seguinte, e Poesia cúmplice, de 1959. Rio do sono traz poemas escritos entre 1960 e 1965. Depois dele Celina só publicou Espelho convexo, em 1973.
Uma obra poética breve e forte, conjugada à literatura para crianças, que sempre esteve no seu horizonte: Invenção do mundo, de 1958, Papagaio gaio (poeminhas), de 1998, e Gergelim, o palhaço, de 2005. Sua filha, Adriana Ferreira Cardoso, falecida em 2021 vítima da Covid 19, diversas vezes comentou comigo sobre os inéditos da mãe, informação que hoje os seus irmãos Márcia, Rogério e Maurício confirmam: sim, ainda há inéditos. Pois é hora de cuidar da poesia de Celina, e Marina Ruivo tomou a si a tarefa. Uma obra que merece, urgente, edição conjunta, como se deu agora com a poesia de sua irmã Maria do Carmo Ferreira, editada em três volumes (numa “caixa”) com organização dos poetas Silvana Guimarães e Fabrício Marques, pela editora Martelo, de Miguel Jubé. Saibam todos que Maria do Carmo, antes publicada apenas em periódicos, acaba de nascer um poeta imenso. Cabe fazer o mesmo com a poesia de Celina, mas o seu caso é de renascimento.
Este Rio do sono pela Garoupa inclui prefácio da professora Anélia Pietrani, que soube ler e entender a poesia densa e multívoca de Celina. Amiga de Cecília Meireles e Manuel Bandeira, Celina, ao que tudo indica, não se deixou intimidar diante dos mestres que tanto a incentivaram. Na concisão de “Finados”, por exemplo, como em tantos outros poemas, ela se irmana, também em termos de qualidade, a Bandeira e Cecília: “Quem orça/ a uma rosa/ sua hora?// Quem paga/ a uma abelha/ sua cera?// Que importa/ ao morto/ seu corpo?”
Estreante de uma década agitada de nossa poesia, é ela da mesma geração de Lélia Coelho Frota, Hilda Hilst, Renata Pallottini, Laís Corrêa de Araújo, Lina Tâmega Peixoto, Zila Mamede, Lupe Cotrim Garaude, Lara de Lemos, Judith Grossmann, Maria Ângela Alvim e, entre tantas mais, Maria Lúcia Alvim, que teve a obra relançada neste momento com bastante estardalhaço. Todas estão na minha antologia de 2007, Roteiro da poesia brasileira: anos 50 (Global), ao lado de outras grandes figuras, com suas vozes em geral isoladas ou totalmente esquecidas nas últimas décadas. Só quem garimpa em sebos parece perceber: uma grossa poeira se acumulou sobre boa parte de nossa melhor literatura. A quem isso convém? Recados para a redação.