Livros que São Vidas | 04-09-2025 19:02

Vergílio Alberto Vieira: A Casa dos Expurgos é mais um diário para percorrer Portugal e o mundo

Vergílio Alberto Vieira: A Casa dos Expurgos é mais um diário para percorrer Portugal e o mundo

Vergílio Alberto Vieira acaba de publicar mais um livro diaristico que atravessa todo o ano de 2024. O autor de Amares é um dos nossos melhores poetas vivos e dos mais publicados e elogiados em Portugal, com uma obra incomum, uma energia criadora invulgar, que tem vindo a republicar em antologias, que podem ser encontradas com facilidade nas livrarias; nos últimos anos publicou vários diários em que faz um retrato do mundo, mas essencialmente da vida política, cultural e social em Portugal.

Vergílio Alberto Vieira ( VAV) é um dos escritores vivos mais prestigiado e publicado em Portugal, mas nem por isso mais lido e estimado pelas editoras e pela critica em geral. A sua Obra Poética é a mais relevante, mas a sua produção de literatura juvenil é igualmente numerosa, com cerca de duas dezenas de livros no Plano Nacional de Leitura. A grande maioria desses livros estão esgotados e parecem não interessar às editoras portuguesas. Em Portugal a profissão de agente literário não existe, o que não admira face há pouco importância que a literatura portuguesa tem no mundo. Mesmo assim o caso parece derivar mais do nosso atraso cultural, e agora cada vez mais da concentração em grandes empresas das principais chancelas, que também tomam conta das principais redes de livrarias.

Mesmo assim, o autor de Amares continua a publicar regularmente, embora muita da sua produção poética, teatral, de tradução e romanesca, esteja em pousio, à espera do interesse das editoras. Recentemente saiu mais um volume dos seus diários pela editora Rosmaninho. A Casa dos Expurgos abrange o todo o ano de 2024, e no prefácio de Fabíola Guimarães Pedras Mourthé, professora e ensaísta brasileira de Minas Gerais, pode ler-se que VAV consegue nos seus textos diarísticos “a proeza de agregar a refinada ironia machadiana, o humor irreverente de Suassuna, a sabedoria do sertanejo Roseano, a potência Dantesca de Alighieri, a introspecção Lispectoriana, as angústias existenciais kafkianas, a precisão de João Cabral, o rigor estrutural Camoniano, as várias perspetivas Pessoanas”. Uma análise certeira que pode e deve ser comprovada com a leitura da sua Obra.

O autor deu recentemente uma entrevista ao sítio Novos Livros que reproduzimos com a devida vénia

P. Mais um volume dos seus diários (este de 2024) e uma dúvida: porque escreve diários?

R. É verdade, mais um volume (copioso) forjado num género literário, ou paraliterário?, cuja matriz se assemelha à dos livros de bordo, registo diário de longo curso; e como diria o filósofo José Gil acerca da teologia racional (que considera anti-filosófica), pronto a introduzir: “fé nas premissas da prova.”

Ainda assim, discurso metódico nem sempre carthesiano - género de serviço domiciliário ao orador – em apuros com a interrogação existencial que o retém n’A Casa dos Expurgos.

Eis porque, com a idade, o(s) diarista(s) se vai/ vão sentindo intelectualmente sitiado(s), sob a ameaça de cataclismos globais (guerras, genocídios, deportações, fome, epidemias, desvarios climáticos), cumprindo pena (suspensa, quando muito) pela condenação que me/ nos impede, e volto ao autor de Caos e Ritmo, de algum dia se usufruir do direito de: “abraçar o infinito sem romper os laços da finitude.” (Cf. Relógio d’Água Editores, Lisboa, 2018, p. 257)

P. Em especial nestes 12 meses de 2024 o que lhe mereceu lugar de destaque, de espanto e de interrogação?

R. Enfeixados com atadura de palha dos molhos de trigo – os galegos chamam-se maroma - os dias são a lavoura do diarista: seu lugar, e não-lugar, em que foi (im)plantando registos de natureza literária, filosófica, cultural, artística, ecológica e espiritual, safra do real quotidiano: acontecimentos, observações, comentários, leituras, encontros/desencontros, apontamentos/desapontamentos, identificados pela ensaísta brasileira, Fabíola Guimarães Pedras Mourthé, prefaciadora d’A Casa dos Expurgos, em todo o caso: denunciadores de “situações históricas concomitantemente actuais”, ou como diria Ricardo Reis contador de: “contos contando contos, nada”, e dar ideia de que não tem que fazer.

É aí que, entre a constância das nossas idealizações e a inconstância dos actos – hoje, como no tempo de Montaigne – o diarista aparelha a charrua, vira a leiva, semeia e colhe, isto se a semeadura vingar, e vier a ser lavoura: umas vezes, arcaica como a de Raduan Nassar; outras, sentenciada pelos efeitos nocivos da produção transgénica. De qualquer modo, inescapável às leis de mercado e à especulação mercan(es)tilista que atormentam a condição humana, desde que a humanidade contempla: ora os felizes da terra de que falava Herculano, ora Les damnés de la terre, historicamente assinalados por Fanon.

P. E nos outros géneros: poesia, ficção? O que está a escrever por estes dias?

R. Com a jornada em fim de linha – o ano em curso será o último do conjunto de oito volumes de diário, linha de produção, iniciada com Destino de Orfeu (1987) - estarão criadas condições para retomar projectos, reformular livros, reler obras (nomeadamente, os clássicos) cuja leitura, à época, pouco ou nada abonou a meu favor.

A poesia voltará a ser reunida em 2026, e pela última vez, (encerrando o ciclo que vai de 1971 a 2026), agora, porém, em três volumes, com a particularidade de acrescentar à edição de Novos Trabalhos Novos Danos (2021) o poemário Rio de insondáveis águas (2024) e o inédito: Te loquor absentem; a ficção será retomada, reescrevendo edições que deverei refundir, e aprofundar temáticas autobiográficas não de todo exploradas. Quanto à dramaturgia/ texto dramático, com a encenação da peça Parábola do Rei Morto/ D. Sebastião de Portugal, agendada pela Companhia de Teatro de Braga para março de 2026, creio ter de ficar por aqui, uma vez que o drama: Por nada deste mundo e a comédia: To Work, só conheceram publicação através das revistas Delphica/ Artes & Letras (1913-1917) e Quaderna/ Literatura y Arte (1917-1919). Soma-se a isto, a tradução de poesia: depois de T.S. Eliot, edições de Four Quartets / Quatro Quartetos (2025) e The Waste Land / Terra Inóspita, a circular com a chancela da Companhia das Ilhas, aguardam edição: El Cántico Espiritual, de San Juan de la Cruz, e Anabase, de Saint-John Perse, sonho(s) de tantas noites perdidas.

Por último, e no capítulo da literatura de leitura infantil e juvenil, concluí no verão passado a peça: Eu fiz um favor ao rei, teatrinho de/ para fantoches, há bastantes anos idealizado.

Eis, pois, a razão pela qual creio estar em retirada por não saber que rumo editorial poderá ser dado a duas dezenas de originais (poesia, narrativa) que foram ficando na gaveta, desde o século passado.

A menos que o juízo(crítico) tal não permita, e ao contrário de Álvaro de Campos, terminou o meu tempo de guardar cartas: nem as que me escrevem, nem as que não me são escritas.

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