Cientista Miguel Castanho é a escolha de O MIRANTE para Personalidade do Ano 2020
A redacção de O MIRANTE escolheu Miguel Castanho para Personalidade do Ano, pelo seu desempenho como cientista mas também pela sua postura cívica, frontal, lúcida, e pelo seu humanismo.
O MIRANTE escolheu para Personalidade do Ano de 2020 o cientista Miguel Castanho, pelo seu papel no âmbito da divulgação de informação credível, ponderada e acessível sobre questões relacionadas com a situação da pandemia que vivemos. A escolha foi também determinada pela sua postura cívica, frontal e lúcida, e pelo seu humanismo.
Miguel Castanho, 53 anos, é cientista no Instituto de Medicina Molecular e professor catedrático de Bioquímica na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Trabalha há muitos anos no estudo de vírus e desenvolvimento de moléculas anti-virais.
A sua permanente disponibilidade para falar com os jornalistas é determinada pela defesa de uma informação certificada. Lembra frequentemente que elaborar uma verdade científica exige bastante trabalho e procedimentos padronizados, mas que para fazer uma notícia falsa basta um pouco de imaginação e uma meia verdade.
Foi crítico dos que falaram da Covid-19 como uma simples gripezinha, e prudente relativamente às altas expectativas relativas ao desenvolvimento de uma vacina em tão pouco tempo. Mesmo depois de a mesma ter sido anunciada, e com tudo preparado para a vacinação, continuou a ser rigoroso na avaliação da situação, não alinhando na euforia generalizada, nomeadamente da classe política.
Sem receios, explica que a vacina é eficaz e segura, mas que a comunidade científica poderia, se não estivesse tão pressionada, ter desenvolvido um produto melhor e mais optimizado, a nível de eficácia, segurança, manuseamento e custo.
Apesar do interesse da ciência ter estado, nos últimos meses, mais centrado na descoberta de uma vacina, sempre foi chamando a atenção para o facto de as grandes questões da ciência permanecerem actuais, dando como exemplo as ligadas à longevidade humana, devido a problemas como o Cancro e Alzheimer, entre outras.
Natural e residente em Santarém, assume um carinho especial pela sua terra e tem participado em diversas iniciativas. Numa das últimas em que esteve como orador, defendeu a necessidade de haver mais cientistas no Parlamento, para que não se continuem a aprovar leis ao sabor de modas.
O Prémio Personalidade do Ano de O MIRANTE foi atribuído a um cientista que desde 2008 tem sido notícia em O MIRANTE. Respigamos partes de alguns desses textos que o leitor pode encontrar na íntegra recorrendo à pesquisa online das nossas edições
Publicado a 13-03-2008
A paixão de Miguel Castanho pelo mundo microscópico
É no mundo invisível das moléculas que pode estar a chave da vida. Miguel Castanho há muito que se dedica a procurar respostas através da ciência. Um talento académico que se doutorou aos 25 anos e hoje, aos 40, é um dos mais reputados cientistas nacionais na área da bioquímica.
Em criança sentia um enorme fascínio e curiosidade pela natureza e tentava descobrir e perceber qual o papel das plantas e dos animais no Universo. Esse foi o primeiro sinal da paixão de Miguel Castanho, doutorado em Bioquímica pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, pelo mundo que o levou à investigação científica. “O bichinho da bioquímica só não nasceu comigo porque nenhuma criança quer ser bioquímico, uma vez que é algo que não se vê. As crianças gostam de coisas concretas, palpáveis. A paixão pelo mundo molecular surgiu mais tarde, à medida que fui percebendo que o mundo microscópico tinha desafios que o mundo macroscópico não tinha. Apaixonei-me quando constatei que na bioquímica pode estar a chave da vida”.
Portugal tem vindo a desenvolver um percurso de recuperação notável em relação aos países mais avançados tecnologicamente. Segundo o investigador, falta-nos criar um sistema público de financiamento de ciência e tecnologia que seja fiável e forte. “Na ciência tudo se joga a longo prazo. Não é possível ter um sistema forte que varia ao sabor das legislaturas. Existem situações que necessitam de muita estabilidade e não são compatíveis com os ciclos políticos”, diz, acrescentando ainda que a verba que o Estado disponibiliza para a investigação científica não chega a um por cento do produto interno bruto (PIB) do país. E desengane-se quem pensa que elaborar um projecto científico só tem facilidades. Pelo contrário. Muita gente não sabe que o mundo da investigação científica é extremamente competitivo. Todos os projectos são avaliados e apenas 20 por cento de todos os projectos são financiados pela faculdade. Quem não consegue essa verba e quer continuar a trabalhar tem que pensar num novo projecto que tenha hipóteses de ser financiado.
Publicado a 13-03-2008
Investigadores querem reconhecimento da comunidade científica
Miguel Castanho é casado e tem duas filhas, de oito e seis anos. Vai todos os dias de manhã para Lisboa regressando ao final do dia a Santarém, onde continua a residir. O investigador confessa que não é fácil conciliar a profissão com a família até porque, explica, esta não é uma actividade comum que se consiga desligar dela apenas porque o relógio diz que são horas de ir para casa. Por isso, sempre que está em casa tenta estar o máximo de tempo possível com as filhas. Não abdica de conversar com elas quando chega, lê-lhes sempre uma história à noite e anda de bicicleta aos fins-de-semana, sempre que o tempo permite. Aquilo que teve que abdicar na sua vida foi o tempo para si próprio. O tempo para ler os livros de que gostava desapareceu. Sempre que vai ao cinema é para ver filmes infantis e até o hobbie da pesca desportiva desapareceu. “Custa muito não termos tempo para fazermos o que gostamos, mas a vida vai-nos dando outras coisas e a prioridade neste momento é a minha família e o meu trabalho”, diz. Miguel Castanho refere que, geralmente, os investigadores são pessoas muito persistentes e pacientes uma vez que a investigação científica é um processo muito moroso. O processo pode ter pequenas vitórias intermédias e é a partir destes momentos que se percebe se está no caminho certo ou não daquilo que se quer. O grande objectivo é obter o reconhecimento da comunidade científica pelo trabalho desenvolvido. Isso significa publicar os seus estudos nas melhores revistas de ciência onde apenas 10 por cento dos investigadores em todo o mundo conseguem publicar.
Publicado a 20-11-2008
Miguel Castanho lidera projecto europeu para combate
a doenças neurodegenerativas
O cientista escalabitano Miguel Castanho foi designado para coordenar o projecto de um consórcio europeu ligado à bioquímica que visa desenvolver um novo fármaco com propriedades analgésicas para ser usado na terapia das doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson. O projecto científico envolve cinco parceiros de Portugal, Espanha e Alemanha, entre os quais o Instituto de Medicina Molecular da Faculdade de Medicina de Lisboa, onde Miguel Castanho é director da Unidade de Bioquímica Física. Terá um financiamento de 695.000 euros. Miguel Castanho explica que o novo produto, ainda em processo de patenteação, resultou da transformação de uma molécula isolada do cérebro de mamíferos por cientistas japoneses nos anos 70, mas posteriormente abandonada por falta de interesse farmacológico.
Publicado a 17-09-2014
Investigador ribatejano distinguido com prémio europeu na área da bioquímica
O cientista escalabitano Miguel Castanho, professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, foi um dos laureados com o Prémio Zervas Leonidas 2014, promovido bienalmente pela Sociedade Europeia de Peptídeos e que se destina a distinguir os cientistas que, na opinião do conselho dessa sociedade, deram a mais relevante contribuição nas áreas da química, bioquímica, biologia ou de peptídeos nos cinco anos anteriores. A par do investigador ribatejano foi também premiado o cientista norte-americano Philip Dawson. Segundo informação disponibilizada no site da Sociedade Europeia de Peptídeos na Internet, Miguel Castanho é reconhecido pela suas importantes contribuições nessa área da ciência, tendo já publicado mais de 125 artigos, resenhas e capítulos de livros.
Publicado a 25-10-2017
Não há praxe que justifique actos de humilhação
Miguel Castanho dá aulas de Bioquímica na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. De vez em quando gosta de mudar de agulha e experimentar fazer outras coisas. “Ficamos mais enriquecidos quando bebemos de outras experiências”, confessou o investigador a O MIRANTE no final de uma homenagem que recebeu por parte do Instituto Politécnico de Santarém, onde também proferiu uma oração de sapiência, intitulada “Apesar de tudo a vida é feita de moléculas”. Um talento académico que se doutorou aos 25 anos e hoje, aos 50, é um dos mais reputados cientistas nacionais na área da bioquímica.
O que significa para si esta homenagem na sua terra natal?
É um reconhecimento pelo meu trabalho. É uma honra e apraz-me muito que as pessoas se apercebam do meu trabalho e reconheçam o seu valor. Esta homenagem tem um significado especial por ser na minha cidade, porque nasci aqui e mesmo trabalhando em Lisboa vivo cá. Sou um produto de Santarém e tenho um carinho muito especial pela minha terra.
Que mensagem deixa aos jovens estudantes que estão agora a ingressar no ensino superior?
Não se assustem porque a vida é feita de dificuldades mas as dificuldades estão lá para serem vencidas. Todas as gerações anteriores tiveram angústias, problemas e obstáculos por ultrapassar mas conseguiram vencê-los e a formação superior que fizeram compensou. Se recuar ao meu tempo de universitário o país era radicalmente diferente e a vida era muito mais difícil para um estudante que ingressava no ensino superior.
Qual é a sua opinião sobre as praxes académicas?
Não há praxe ou razão nenhuma que justifique que uma pessoa humilhe outra, seja a que pretexto for e na praxe também não. Os fins nunca justificam os meios. Não há noção de integração, de companheirismo, de rituais de tribo, que leve um ser humano a exercer violência, física ou psicológica, sobre outro ser humano. Recuso-me por completo a aceitar isso.
Publicado a 29-05-2019
Investigador Miguel Castanho quer mais cientistas na Assembleia da República
O premiado investigador em bioquímica Miguel Castanho diz que é preciso haver mais cientistas no Parlamento, para que não aprovem leis baseadas “na última moda”, mas antes baseadas em estudos científicos reais. Num tom muito crítico, o investigador aponta ainda que é “vergonhoso” ter uma Comissão Parlamentar de Educação e Ciência que tem “zero conhecimento” da área que debate e para a qual aprova leis. “Não existe um único elemento com conhecimento científico, sabem dar uns palpites e pouco mais”, critica o cientista.
“É preciso querer. Querer em várias vertentes. E, uma delas, é querer a nível político, com políticas que ajudem a fazer acontecer, investir na Educação e haver sensibilidade por parte dos governantes para tratarem as questões da ciência e da tecnologia com mais seriedade”, referiu o investigador.
A medicina preventiva e um maior conhecimento sobre a questão do envelhecimento foram áreas apontadas como das maiores dificuldades com que a ciência terá que se bater.
Miguel Castanho defende que a medicina orientada para a medicina da saúde e não da doença é outra meta que se coloca e um dos grandes objectivos da ciência no século XXI. As doenças do cérebro e o ressurgimento de doenças infecto-contagiosas antigas são outras duas áreas onde se deve apostar. “Sabe-se pouco sobre o cérebro. Os estudos que existem sobre o cérebro são de uma pobreza enorme”, considera.
Publicado a 08-07-2020
Este vírus não é bonzinho nem é uma gripezinha
Miguel Castanho é cientista no Instituto de Medicina Molecular e professor catedrático de Bioquímica na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Trabalha há muitos anos no combate aos vírus. Ironia do destino, foi um vírus que lhe trocou as voltas e o pôs a trabalhar em casa durante três meses, longe do laboratório onde ensaia respostas científicas.
É cientista no Instituto de Medicina Molecular. O seu trabalho actualmente está de alguma forma relacionado com a situação que o país e o mundo atravessam, causada pela pandemia do coronavírus?
Sim, já estudo vírus e o desenvolvimento de moléculas anti-virais há muito tempo. Entrámos no mundo dos vírus por causa do desenvolvimento de moléculas contra o HIV. Neste novo vírus o meu trabalho aproveita toda a experiência do desenvolvimento de moléculas para outros vírus, como o dengue, o zika e mais recentemente o sarampo. Pelo meio passámos pelo SARS-Cov-1. O que faço é olhar para a estrutura dos vírus e tentar perceber o que é semelhante entre estes vários vírus. E ver das lições aprendidas o que se pode fazer para desenvolver uma molécula anti-viral contra o SARS-Cov-2 o mais rapidamente possível, que impeça a sua multiplicação.
As opiniões de gente da política e da ciência sobre a pandemia têm sido erráticas. Tanta informação, por vezes contraditória, não contribui para a descredibilização de uma comunicação que devia ser clara e assertiva?
Temos que separar um bocadinho as águas. Uma coisa são os especialistas, com os poucos dados que ainda têm, que ainda não sabem questões essenciais sobre o vírus, nomeadamente qual é o mecanismo da imunidade que se ganha contra o vírus… Isto acontece porque a pandemia apareceu muito recentemente. Quando alguns especialistas têm visões contraditórias isso, em si, não é um problema. Só reflecte que a questão é muito nova, estamos a meio de muitos estudos e algumas pessoas fazem antevisões ou leituras que são diferentes.
E em relação aos políticos?
A pandemia está cada vez mais politizada. Os governos perceberam logo que iam ser julgados pela capacidade que teriam ou não de gerir a situação. E para os governos e para os políticos em geral a gestão da pandemia tornou-se o assunto do momento. Começaram a acontecer fenómenos muito próprios da política e que já nada têm a ver com ciência e com saúde pública. Quem depende da gestão pública do assunto está obviamente focado nisto. Em Portugal, enfim, já é notório que passámos de uma euforia triunfalista, do milagre, e estamos quase na depressão.
Combater o vírus sem matar a economia é o ovo de Colombo desta crise sanitária, económica e social?
Não gosto da dicotomia que põe o vírus de um lado e a economia do outro. Tentam justificar muito o desconfinamento com a economia mas não gosto de ver as coisas assim. Isso quase nos leva a pensar quantos mortos é que valem o prejuízo económico, a pôr um preço nos mortos, o que é uma coisa de péssimo gosto e desumana. O confinamento foi uma boa estratégia como primeiro impacto, era o que havia a fazer depois de se assistir ao que acontecia em Espanha e Itália.
O cientista anti-vírus que a pandemia pôs em teletrabalho
Como tem convivido com as restrições à liberdade de movimentos que nos foram impostas pela pandemia? A sua vida também ficou virada do avesso?
A minha vida foi afectada, mas virada do avesso talvez seja um pouco exagerado. A minha vida profissional sim, ficou um bocado virada do avesso, porque estive em teletrabalho e o trabalho experimental da banca do laboratório não se leva para casa. Não vamos fazer experiências na bancada da cozinha. Obviamente, houve um impacto negativo na progressão do nosso trabalho. O que é um bocado irónico porque desenvolvemos muitos anti-virais e veio um vírus que nos impediu de trabalhar nos anti-virais.
E em termos pessoais fez-lhe confusão estar confinado?
Fez, mas não me custou muito. Penso mais nos meus alunos e nas minhas filhas, que estão em idade universitária, por aquilo que perderam de sociabilidade, de fazer amigos, de tudo o que é a faculdade. Isso faz-me pensar que o prejuízo social é infinitamente maior para eles.
Deixa os sapatos à porta e tira toda a roupa para lavar, diariamente?
Não e não sigo nenhum procedimento especial. Uso máscara quando vou ao supermercado, porque são espaços fechados onde inevitavelmente se vai estar perto de outras pessoas. Também não sou maníaco do gel mas lavo as mãos com frequência. Já comecei a frequentar restaurantes e só não vou à praia porque não sou grande fã. O importante é a distância social e não o contexto em que as pessoas estão. O vírus não vê o contexto. Se tiver oportunidade de passar de uma pessoa para outra passa, se facilitarmos demasiado.
Publicado a 02-12-2020
“A vacina para a Covid-19 ainda é uma incógnita”
Os países continuam a investir nas forças armadas mas é o sector da saúde que está em guerra. O combate à Covid-19 tornou-se o principal desafio da ciência nos dias que correm?
Não. Os desafios da ciência são muitos e variados, embora agora haja um interesse mais recente e mediático ligado à pandemia em curso. Mas as grandes questões da ciência permanecem actuais. Como as ligadas à longevidade humana, devido a problemas como o cancro e Alzheimer, por exemplo, que afectam muito a qualidade humana e o nosso desejo de imortalidade, digamos assim.
Mas há um grande foco de incidência na questão da pandemia de coronavírus.
Existe, mas não podemos esquecer umas áreas em função de outras e não podemos estar sempre a iniciar linhas de investigação e interrompê-las, sempre que um assunto entra mais na ordem do dia do que outro. Esta pandemia é um problema com 11 meses o que, à escala temporal em que se faz investigação científica, é uma escala relativamente reduzida. É um problema muito recente.
A ciência tem permitido aumentar de forma extraordinária a esperança de vida mas também foi a ciência que ajudou a criar armas de destruição em massa e que, em último grau, podem acabar com a humanidade. Há uma ciência boa e uma ciência má?
Não. Há conhecimento que pode ser utilizado de uma boa maneira e há conhecimento que pode ser utilizado de uma maneira má. A mão que constrói uma parede para fazer uma casa é a mesma mão que pode arremessar pedras contra outra pessoa. O conhecimento científico é colocado à disposição da humanidade e a humanidade pode usá-lo para o bem e para o mal. A ciência gera conhecimento e o conhecimento, depois de gerado, é irreversível.