Filarmónica União Sardoalense é a escola de música do povo e não deixa ninguém de fora
A Filarmónica União Sardoalense (FUS) é a associação com mais história do Sardoal e a responsável por ensinar e fazer sobressair os dotes musicais de cada um. O presidente César Grácio explica que o sucesso da associação resulta de uma readaptação às gerações mais novas, mas também do próprio orgulho e amor à banda que continua enraizado nas famílias do Sardoal.
Como se consegue manter viva uma prática cultural com 160 anos num concelho que em 10 anos perdeu 10,5% da sua população?
Com muita vontade, sacrifício e persistência. Num concelho com três mil habitantes e poucos jovens o nosso mercado é logo à partida diminuto. No entanto, é de ressalvar que o Sardoal tem uma relação especial com a FUS por ter sido a primeira associação a ser fundada no concelho e porque desde os seus primórdios pertencer à banda é um estatuto do qual as famílias se orgulham.
O repertório e os métodos de ensino foram alterados com o objectivo de chegar às camadas mais jovens?
Há mudanças que foram e têm vindo a ser feitas nomeadamente ao nível do ensino da música onde se optou por diminuir o tempo dedicado ao solfejo para se iniciar mais rapidamente o contacto e aprendizagem do instrumento. Relativamente ao repertório é em primeiro lugar uma escolha do maestro que a banda respeita, sendo que actualmente se tem optado por uma selecção musical eclética que vai desde a música popular e tradicional passando pela moderna, que inclui pop e o rock. O objectivo é sempre conseguirmos tocar em todos os ouvidos, sem nunca nos esquecermos que precisamos de chegar às camadas jovens.
Num espectro de 40 músicos haverá certamente rotinas, motivações e valores distintos. O que move um colectivo tão diverso a dar continuidade a um projecto conjunto?
A Filarmónica abrange, como sempre abrangeu, todas as classes sociais conseguindo por intermédio da música criar uma forte união. Mesmo que não se goste ao início ou se venha contrariado há sempre uma amizade que começa na Filarmónica que nos faz ficar e que é alimentada pelo amor à música. Não há dúvida que somos uma grande família.
E há na banda diferentes gerações da mesma família?
Sim e temos vários exemplos, como é o caso do nosso tesoureiro, António Aidos cuja mulher e duas filhas integram a banda ou do vice-presidente, José Martins que tem a filha. Se olharmos para a maioria dos elementos da direcção cada um tem pelo menos um elemento do seu agregado familiar na banda.
No seu caso é músico, toca trompete e é presidente da direcção. Acumular as duas funções facilita na gestão da associação?
Facilita pela perspectiva da banda, pois pela proximidade que tenho aos músicos consigo mais facilmente criar entendimento e um elo de ligação com a direcção. Por outro lado, logisticamente é mais difícil porque o músico que está a tocar com a banda é uma das pessoas responsáveis pela organização de eventos.
A FUS já passou por alguma crise directiva?
Antes de termos o actual núcleo duro directivo composto por 19 elementos estivemos na iminência de entrar em crise. Por motivos pessoais a presidente anterior, Júlia Martins, teve que sair e não tínhamos elementos suficientes para formar uma lista. Na altura eu era vice-presidente e posso dizer que andamos literalmente a bater às portas dos pais dos alunos da nossa escola de música a pedir-lhes para integrarem a lista, o que veio a acontecer. Também na banda temos tido altos e baixos; lembro-me de tocar com 15 músicos.
De um modo geral, pode dizer-se que o associativismo está em crise. A quem cabe esta mudança de paradigma?
Salvar as associações é um papel que cabe a cada um de nós. Cabe ao Estado, ao poder local e à própria sociedade. Uma comunidade é mais forte quanto maior for a força do seu associativismo. No Sardoal quando associações como a Filarmónica deixarem de existir a sua essência desaparece.
Do ponto de vista da gestão como está a associação?
Quando esta direcção entrou a associação tinha um saldo negativo. Tínhamos um saldo de mil euros na conta e dívidas na ordem dos 3.500 euros. Por isso, o primeiro objectivo passou por meter mãos à obra e organizar eventos para que pudéssemos construir um fundo de maneio e pagar as nossas dívidas. Como todos os anos fazemos investimento na aquisição de instrumentos, fardamento e material necessário à realização dos nossos eventos temos aproveitado as candidaturas disponíveis de fundos da União Europeia para financiamento. Em 2019, por exemplo, entraram 19 músicos para a banda e foi preciso arranjar fardas, cada uma a 400 euros e instrumentos que foram conseguidos através de uma candidatura. Uma associação tem que se mexer, não pode viver exclusivamente de apoios e protocolos.
Que apoios e protocolos são esses?
Temos protocolo com a Câmara do Sardoal para a escola de música e com a junta de freguesia, que representam cerca de 50 % do nosso orçamento anual. Recebemos também apoios esporádicos de alguns mecenas, que nos ajudam e patrocinam sempre que podem.
É mais difícil fazer face às despesas ou atrair jovens para a banda?
Atrair jovens para a banda, sem dúvida. Temos vindo a perder terreno para os ecrãs, que são os nossos principais concorrentes. A pandemia de Covid-19 também foi nossa inimiga. A banda perdeu sete elementos jovens e o coro infanto-juvenil perdeu metade dos seus elementos e até hoje não voltou ao activo.
Que importância tem tido esta associação no ensino da música no concelho?
A máxima importância, pois somos a única escola de música no concelho. Somos na verdadeira acepção a escola de música do povo, gratuita e que não deixa ninguém de fora. Temos a noção que se fosse paga, e mesmo que o valor fosse simbólico, haveria crianças e jovens que não teriam possibilidade de a frequentar. Além da aprendizagem da música temos uma responsabilidade social muito grande nomeadamente na igualdade de oportunidades e na ajuda de crianças com dificuldades de concentração e aprendizagem escolar. Muitas vezes chegam-nos alunos por indicação dos professores que estão cientes dos benefícios da música na melhoria da concentração e aprendizagem de disciplinas como a Matemática, afinal ler uma pauta exige um raciocínio treinado.
Têm elementos da banda a integrar outros agrupamentos musicais?
Sim. Temos e tivemos ao longo dos anos membros que pertenciam a bandas militares, um jovem de 15 anos a estudar na Orquestra Metropolitana de Lisboa e muitos outros que optaram pelo ensino articulado e que estudam música no ensino superior.
Os alunos da escola de música integram a banda?
Sim, quando estão aptos sobem para o corpo da banda principal. O objectivo da escola de música é mesmo esse, formar novos músicos para a banda. O problema é que por vezes passam dois anos em formação, o que implica um investimento de milhares de euros por parte desta associação e repentinamente saem e não voltam mais. Infelizmente o facto de não se pagar uma mensalidade leva, nalguns casos, a uma falta de responsabilização dos alunos e dos seus pais.
A população do Sardoal continua a sair de casa para assistir aos concertos da banda?
Sempre. A banda filarmónica faz parte do património cultural do Sardoal. Há um amor imenso e por isso é que há pessoas que se emocionam sempre que ouvem e vêem a banda tocar.
Que objectivos têm para o futuro?
Há muito tempo que andamos a sonhar com uma sede condigna. A sala de ensaio que temos é um espaço tão pequeno que não nos permite desenvolver mais o ensino da música. Outro objectivo passa por atrair mais massa jovem para a banda e como sou um sonhador ainda acho que vamos conseguir voltar a ter 50 elementos.
Nota: Na entrevista, além do presidente da direcção, estiveram presentes o vice-presidente, José Martins, o tesoureiro, António Aidos, o presidente da mesa da assembleia, Miguel Alves e os vogais, Nelson Soares, Patrícia Pimenta e Rosenir Nunes.
Uma associação que é parte integrante do património cultural de um concelho
A Filarmónica União Sardoalense (FUS) foi oficialmente fundada em Agosto de 1862 com o nome de Sociedade Philarmónica Sardoalense tendo precedido a “Sociedade Fraternidade Sardoalense”. Na gíria popular, as duas bandas que se uniram em 1911 para dar corpo a uma associação eram conhecidas por “Música dos Carapaus” e a “Música dos Ciganos”. Antes dessa união, explica o presidente da direcção da FUS, César Grácio, as duas bandas eram rivais e não eram raros os conflitos entre os seus músicos, que mais tarde se uniram por “amor à música e a uma terra comum”.
Com 160 anos de vida a FUS tem sido uma das associações que mais dinâmica imprime no concelho do Sardoal e um exemplo na formação de músicos no concelho. Geração após geração é raro encontrar uma família do concelho do Sardoal que não tenha pelo menos um elemento que integre ou tenha integrado a banda.
A banda principal, liderada pelo maestro Américo Lobato, é formada por 40 músicos, homens e mulheres, com idades compreendidas entre os 11 e os 70 anos. O próprio maestro que tomou conta das lides da banda após a saída do anterior maestro e actual presidente da Câmara do Sardoal, Miguel Borges, foi primeiro músico na banda, tendo-se iniciado no trombone aos 11 anos na escola de música da FUS.
Os ensaios realizam-se três vezes por semana, agora no Centro Cultural Gil Vicente devido à falta de espaço na sede da associação que funciona numa antiga escola primária.
A associação tem também uma escola de música a funcionar que acolhe um total de 28 alunos que estudam gratuitamente através de um protocolo com o município do Sardoal. Além das turmas de crianças e jovens há uma turma composta por adultos. Os principais objectivos desta escola são a angariação de músicos para a banda e proporcionar de forma igualitária o ensino musical.