O MIRANTE | 04-03-2022 16:00

Vanda Nunes: incomodam-me as diferenças de oportunidades no acesso à educação e à saúde

Vanda Nunes foi presidente da Câmara de Alpiarça em 2008 e 2009 e actualmente dirige o projecto Valor T, da Santa Casa da Misericórdia de LisboaVanda Nunes foi presidente da Câmara de Alpiarça em 2008 e 2009 e actualmente dirige o projecto Valor T, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa

Desde que saiu da vida autárquica, em 2009, Vanda Nunes dedicou a sua experiência e conhecimentos a outros desafios públicos, como acontece agora com o projecto Valor T, que está a dirigir a convite do Provedor da Misericórdia de Lisboa. É uma pedrada no charco da falta de oportunidades para pessoas com deficiência que não precisam apenas de assistência, mas de serem plenos cidadãos com emprego e trabalho digno.

Uma advogada que já foi autarca está agora a trabalhar na área da deficiência na Misericórdia de Lisboa. O que é que a move no projecto Valor T?
É um projecto em que o T é de talento e transformação e que não está focado apenas na deficiência, com um carácter meramente assistencialista, mas no direito ao emprego e ao trabalho digno. As pessoas com deficiência quando concorrem a um emprego se disserem a sua condição não são chamadas para entrevista. Se não disserem, depois da entrevista são recusadas. É para contrariar esta realidade que trabalhamos e, usando o capital de prestígio e confiança da Misericórdia, conseguimos cativar grandes grupos como a Sonae, a Jerónimo Martins, El Corte Inglés ou a Coca-Cola e a Nokia.
Como é que funciona essa ponte entre candidatos e empresas?
Tem candidatos de todo o país. Estamos a trabalhar com mais de mil pessoas registadas numa plataforma. O projecto arrancou em 2018 mas só em Novembro de 2021 é que conseguimos ter os candidatos avaliados. O primeiro passo para se perceber onde os enquadrar e quais as empresas onde podem exercer funções. Até aqui fomos conseguindo a participação das empresas que são neste projecto verdadeiras parceiras. Já começámos a colocar as pessoas nos trabalhos. O projecto também tem o mérito de criar uma rede de várias áreas dentro da Misericórdia.
Está sempre a sorrir e bem-disposta. Há alguma coisa que lhe tire isso?
Há, quando percebo que o que motiva as pessoas, nomeadamente para o exercício da vida pública, não é aquilo que deveria ser. E também me incomodam as diferenças entre oportunidades que as pessoas têm, quer no acesso à educação ou à saúde. As desigualdades tiram-me o sorriso.
O que é que não faria nem que lhe pagassem uma fortuna?
Não ceder ao que pode ser mais fácil e que vai contra tudo em que acredito, e que possa prejudicar intencionalmente alguém.
Foi a advocacia que lhe deu bagagem para a política para falar em público, fazer discursos, enfrentar as pessoas?
A bagagem começou na universidade. Em Coimbra, onde me formei, as provas orais eram um terror para qualquer um. O esforço que tínhamos de fazer para derrubar as nossas barreiras interiores e expressar-nos da melhor maneira possível, dava muitos nervos mas também muita experiência. A partir daí é seguir, descontraidamente, uma forma de falar sem pensar muito, sem filtros.
Porque foi para Direito?
Direito para além de ser um curso teoricamente interessante, e de ter as áreas que mais gostava, como História, Filosofia ou Português, tinha um fim que era aquele que idilicamente empolgava que era a justiça, lutar pelo que acreditamos e defender os outros das injustiças.
Sendo uma pessoa preocupada com os que têm menos oportunidades, o que é para si uma sociedade ideal?
Não há uma sociedade ideal. Mas a melhor é aquela que consegue proporcionar uma maior equidade aos seus. E aquilo que nos faz melhores, como o acesso à educação, ao conhecimento. Sou fruto da escola pública e daquilo que a revolução do 25 de Abril veio permitir, como o acesso mais igualitário ao saber, e isso foi fundamental no meu percurso de vida ter um país mais coeso, mais igual naquilo que importa para as pessoas e para o seu desenvolvimento enquanto cidadãos. Uma sociedade mais igual, mais coesa, mais humanista é para mim absolutamente fundamental.
Tem pena de não ter sido presidente da Câmara de Alpiarça eleita em vez de ter ocupado o cargo em substituição?
Gostei muito de ter sido autarca durante oito anos, sobretudo como vereadora e na recta final do segundo mandato como presidente. Foi uma experiência incrível, difícil, muito complexa e exigente, num ambiente político de grande crispação que na altura se vivia em Alpiarça.
Mas quando se esperava que fosse a candidata do PS à câmara acabou arredada das listas. O que é que aconteceu?
As coisas são como têm de ser. Não fiquei nem desiludida nem magoada. Não senti que estivessem reunidas as condições para ser candidata.
Desistiu de lutar pelo seu lugar no partido e na política autárquica?
Assumi a presidência numa situação difícil, com a saída do presidente, tendo ficado com apenas um vereador a tempo inteiro. Foi demasiado exigente. E ao assumir vemos se há apoio para conseguir ganhar as eleições e ficar pelo menos mais quatro anos. Da parte da população senti que havia esse apoio mas eu não era militante do PS na altura e a concelhia do partido estava dirigida para outra perspectiva.
Não era a candidata consensual no partido e preferiu não confrontar o partido…
Se sentisse vontade do partido na minha continuidade teria pensado de outra forma. mas senti que havia vontade de alguma renovação e nesse sentido disse que estava disponível para ir à minha vida porque tinha muita coisa para fazer.
O PS perdeu as eleições por não ter apostada na Vanda Nunes?
Sentia das pessoas, um ano antes das eleições quando fiquei a dirigir o município, um enorme afecto e apoio e creio que teria ganho as eleições. As coisas são como são. Ninguém me empurrou para sair. Foi uma decisão minha depois de ponderadas as circunstâncias.
Não a vimos nos festejos da vitória do PS nas últimas eleições após 12 anos de gestão CDU. Ficou vacinada para a política autárquica?
Não sou de estar mais ou menos. Ou estou, podendo dar um contributo efectivo, ou não estou. Sou cidadã de Alpiarça, adoro a minha terra e já sou militante do PS. Mas estou com a minha vida profissional noutra área de actuação e até noutro território. São momentos de vida diferentes. Não é preciso estar presente fisicamente para sentir que Alpiarça precisava de uma mudança e espero que ela seja para melhor.
Alpiarça não é uma terra pequena demais para uma mulher ambiciosa?
Não são as terras que medem a ambição. As terras dão-nos as raízes, o colo, e é na família que colhemos isso tudo. Podemos estar numa cidade gigantesca e não termos nada. São os valores que nos transmitem que fazem de nós aquilo que somos. As raízes só nos fortalecem. A experiência de viver numa terra pequena, a convivência com a família e amigos, faz-nos conseguir saber estar com dignidade e classe quer a falar com uma pessoa humilde ou com o administrador de uma grande empresa.
O que é que mudaria no seu passado?
Sou uma mulher bem resolvida. As diferentes dimensões profissionais que começaram na advocacia só acrescentaram experiências interessantes à minha vida.

A humanista que foi para Lisboa mas não saiu das origens

Nascida a 10 de Setembro de 1971, em Alpiarça, no concelho mais pequeno do distrito de Santarém, Vanda Cristina Lopes Nunes teve uma infância como qualquer outra criança de um meio mais rural, em que se brinca na rua e se valoriza os valores da família e da amizade. Uma infância feliz. Saiu da terra para Coimbra para estudar Direito. Licenciou-se em 1994 e exerceu advocacia durante uma década antes de se entregar ao bichinho da política que já lhe tinha mordido em Coimbra com algumas contestações estudantis contra as propinas, por exemplo, ou contra a forma de acesso à Ordem dos Advogados.
A cidade dos estudantes terá sido aquela onde Vanda Nunes mais se perdeu a viver a vida. Deixou de se esforçar para ter muito boas notas e trabalhava apenas para passar às cadeiras em troca de viver intensamente a vida académica. Se fosse hoje diz que teria vivido ainda mais. “É um momento incrível da nossa vida”, realça, recordando que há dois anos comemorou-se os 25 anos de curso e havia pessoas que não via desde essa altura e era como se não as visse desde ontem.
Exerceu advocacia em Lisboa no Escritório Seabra e Advogados e em 1999 abriu escritório em Santarém. Em Dezembro de 2001 foi eleita vereadora da Câmara de Alpiarça e depois passou a vice-presidente. Exerceu dois mandatos e no último ano assumiu o cargo de presidente com a saída de Joaquim Rosa do Céu para a Entidade Regional de Turismo de Lisboa e Vale do Tejo. Teve vários pelouros em áreas importantes como Recursos Humanos, Cultura, Educação, Património Municipal, além de ter tido a gestão enquanto vereadora de um dos mais importantes museus da região e do país, a Casa dos Patudos, onde viveu José Relvas.
Depois da experiência autárquica Vanda Nunes foi vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo. Desse cargo foi para administradora da EMEL – Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa – e, também na Câmara de Lisboa, integrou uma estrutura de missão, designada Lisboa Europa 2020, que preparou um plano de acção para aproveitamento dos fundos comunitários.
Com duas filhas, de 23 e 19 anos, Vanda Nunes preserva a amizade e tem amigos para a vida como a que conheceu em Coimbra nos tempos de estudante e que vive em Cabo Verde com quem troca mensagens todas as semanas. Não é mulher de fazer planos de vida e as coisas, admite, vão acontecendo, como o convite para dirigir o Valor T. Foi na cerimónia de tomada de posse de Fernando Medina como presidente da Câmara de Lisboa, em 2017, que encontrou o Provedor da Misericórdia de Lisboa, que lhe disse ter a ideia de implementar o projecto e que voltaria a falar com ela. Já conhecia Edmundo Martinho de este ter ido a Alpiarça, na altura como presidente do Instituto da Segurança Social, quando ela era vereadora.
Vanda Nunes tem na capacidade de gerar empatia, de compreender o outro e de ser tolerante com o que os outros pretendem uma forma de estar na vida. Preserva uma grande ligação às suas origens, elegendo os seus pais como os grandes pilares da sua vida agradecendo os valores e o humanismo que lhe transmitiram. Não esquece que os pais, mesmo com uma vida financeira que nem sempre foi fácil, focaram todo o seu empenho em lhe dar, a ela e à irmã, com quem partilha os bons e maus momentos, as ferramentas para terem uma vida melhor e serem pessoas melhores.

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