“Fazem falta mais jovens no Orfeão de Abrantes para haver renovação e mais criatividade”
O Orfeão de Abrantes realizou o primeiro concerto a 20 de Janeiro de 1929. Na altura, o coro era composto por cerca de uma centena de elementos. Actualmente, conta com 30 coralistas tendo o colectivo sabido adaptar-se às novas realidades e fundou mais dois grupos: o Cant’Abrantes e o Grupo de Cavaquinhos. Além disso, têm também uma Escola de Música que antes da pandemia contava com cerca de 40 alunos. O maior presente de aniversário que poderiam receber era uma casa para termos uma sede própria confessa nesta entrevista a presidente da direcção Elisabete Pereira.
Que presente ofereceria ao Orfeão de Abrantes pelo seu aniversário?
Gostaríamos de ter uma sede. Este edifício onde estamos é emprestado pela família Moura Neves e estamos cá desde 1982. Gostávamos de ter a nossa própria sede para termos tudo em condições. Temos esta sala ampla que tem que servir para os ensaios de todas as actividades, além das aulas de música. Temos que dividir tudo por dias da semana porque é impossível estarmos todos ao mesmo tempo.
Querem um espaço onde possa funcionar tudo em simultâneo?
Esse é o objectivo. Termos uma sala só para a escola de música, onde os instrumentos não têm que estar escondidos, como acontece nesta sala, e os alunos poderem estar tranquilos nas suas aulas e com todas as condições. Além disso, pretendemos ter uma divisão para cada actividade do Orfeão. Gostávamos de ter um espaço que pudéssemos dizer que é a nossa sede. Durante alguns anos a Câmara de Abrantes cedeu-nos um espaço no edifício Carneiro para as aulas de música, o que era óptimo. Com as obras tivemos que sair e a escola passou para a sede complicando ainda mais a nossa situação em termos de espaço.
Há alguma possibilidade de voltarem a utilizar instalações municipais?
Sabemos que com a abertura, em breve, do novo centro escolar, algumas escolas primárias vão ficar vazias. Já pedimos à câmara e gostaríamos de ter uma sede numa dessas escolas. Ou então poderíamos comprar este edifício, pois só assim seria possível fazer obras, que são necessárias uma vez que o edifício é antigo. Por mais que queiramos fazer obras não podemos porque o espaço não é nosso. Tenho esperança que consigamos o que pretendemos.
Como é liderar uma colectividade com o Orfeão de Abrantes?
Tenho o privilégio de ter comigo na direcção pessoas de confiança e que estão sempre disponíveis para ajudar. Somos uma direcção unida e coesa e isso é importante para o sucesso destas instituições. Se as pessoas não forem activas e dinâmicas as coisas vão morrendo e lutamos para que o Orfeão continue a ter força. É um desafio constante e temos que conciliar com aquilo que a cidade precisa.
Como é que conseguem recrutar pessoas para o coro e para as outras actividades?
Recrutar os mais jovens é sempre complicado. Não temos muitos. Tem sido difícil fazer a renovação tanto do coro como do Cant’Abrantes e do grupo de cavaquinhos. Já fizemos uma campanha junto da tuna da Escola Superior de Tecnologia de Abrantes mas professores e alunos não são de cá e é difícil trazer jovens que aos fins-de-semana regressam às suas terras. Este ano estamos com a ideia de falar com alunos da Escola Dr. Manuel Fernandes porque eles têm um coro, mas ainda não está nada planeado.
E como fazem com os mais velhos?
Fazemos através de convite. Temos um colega que é médico e já trouxe algumas pessoas do hospital. Mas nem sempre é fácil ir aos ensaios depois de um dia de trabalho. O Orfeão é uma família em que as pessoas são muito libertas para fazer o que quiserem. Ninguém é obrigado a estar aqui, mas quem está assume-se como uma voz necessária à cidade e ao concelho.
E recrutar pessoas para a direcção?
Também é difícil. Eu não me importava de sair da direcção mas quando chega a altura das eleições não aparecem pessoas mais novas e como a nossa direcção já está por dentro das coisas vamos ficando. Espero sempre que os mais novos se cheguem à frente porque é importante existir sangue novo e que haja mudanças.
De que forma é que o Orfeão preserva a cultura e tradição do concelho de Abrantes?
O coro não faz tanto esse papel porque interpreta peças de autores portugueses e internacionais. No entanto, o Cant’Abrantes tem um papel importantíssimo na recolha e preservação de canções do concelho. Estamos a preservar música popular portuguesa do país e ilhas. O que é fundamental para as gerações vindouras terem conhecimento de como era o seu país há um século. O grupo de Cavaquinhos também tem esse papel com as músicas tradicionais portuguesas, e também da região, que toca nos seus espectáculos.
O que faz mexer o associativismo?
São sempre as pessoas. Quando as pessoas estão entusiasmadas e aderem à ideias e iniciativas o associativismo anda sobre rodas. Agora quando não lhes apetece fazer é lógico que as coisas vão morrendo. E não podemos deixar morrer o associativismo que é fundamental para qualquer concelho. Estamos sempre a tentar levar a bom porto aquilo a que nos propomos e nos é permitido.
Os dirigentes associativos deveriam ser remunerados?
Se fossem remunerados as associações não seriam o que são. Se os dirigentes fossem remunerados já não estaríamos a falar de associativismo mas de outros interesses. O associativismo tem que ser voluntário. Instalar-se-iam outros interesses. Isto dá trabalho mas tem que ser feito por pessoas que gostam do que estão a fazer. Para mim não faz sentido.
Como está a situação financeira do Orfeão?
Felizmente temos as contas em ordem e não temos dívidas. O município de Abrantes dá-nos um apoio anual, através do programa Finabrantes, o que ajuda muito. Esta é a única forma da maioria das associações poder continuar a funcionar. Temos que pagar ao maestro, ao pianista e aos professores da escola de música. Se não houvesse este apoio do município seria impossível desenvolvermos o trabalho que fazemos, não conseguiríamos ter receitas para sustentar todo o trabalho que desenvolvemos. Este apoio é um pilar fundamental na coesão social da comunidade em Abrantes.
Geram receitas?
O Cant’Abrantes é um grupo que actua por cachet. Sempre que há uma actuação, tendo em conta o local e a distância, cobra um determinado valor. Esse dinheiro não é para as pessoas, é para a associação. Esta é uma forma de conseguirmos manter as contas em dia, sem dívidas.
Que balanço faz destes últimos anos do Orfeão?
Temos feito um bom trabalho dentro do que é possível. Sempre tentamos incutir vivacidade e novidades mas noto que as pessoas do concelho, no geral, não são muito receptivas à inovação. O Orfeão também luta contra a apatia. Por vezes tínhamos concertos com meia dúzia de pessoas a assistir. Com a ajuda das novas plataformas e redes sociais posso dizer, com orgulho, que conseguimos dar concertos com a igreja de São Vicente ou a igreja da Misericórdia cheias e com as audições da escola de música repletas. Tudo isto dá-nos garantia que temos feito um bom trabalho.
Quais são os vossos projectos para o futuro?
Queremos voltar aos concertos, vamos actuar sempre que nos seja solicitado. Queremos retomar a nossa vida normal. As pessoas estão desejosas de retomar a vida normal. Este ano pretendemos fazer um concerto de aniversário. Gostaríamos de fazer um concerto na Páscoa e o tradicional concerto de Natal.
Retomar as actuações com público e atrair mais jovens
O Orfeão de Abrantes realizou o primeiro concerto a 20 de Janeiro de 1929. Na altura, o coro era composto por cerca de uma centena de elementos. Actualmente, conta com 30 coralistas tendo o colectivo sabido adaptar-se às novas realidades e fundou mais dois grupos: o Cant’Abrantes e o Grupo de Cavaquinhos. Além disso, têm também uma Escola de Música que antes da pandemia contava com cerca de 40 alunos. Elisabete Pereira, de 65 anos, começou como coralista porque cantar sempre foi uma paixão. Desafiaram-na para ser presidente da associação e desde 2005 que assume esse cargo. Afirma que o voluntarismo e o gosto pela cultura das pessoas envolvidas fazem com que o projecto tenha uma longevidade tão grande. “Não era uma mulher do associativismo, mas quando me convidaram o Orfeão estava com pouca dinâmica e tinha tanto potencial que decidi arriscar”, conta a O MIRANTE. Do Orfeão fazem parte cerca de uma centena de elementos mas há uma crónica falta de jovens. Entre 1932 a 1981, o Orfeão teve como maestro Henrique Santos Silva. Após o seu falecimento foi substituído por Rui Martins Picado que também ficou até falecer, em 2016. Desde essa altura que a batuta pertence a Tiago Rodrigues, de 39 anos, que tem trazido temas mais modernos ao repertório do coro. “Temos um repertório vasto com músicas mais clássicas e outras mais tradicionais. Cantamos muitas músicas que têm harmonização do maestro Lopes-Graça e outras internacionais”, refere.
O Orfeão é um grupo internacional. A prova disso são os palcos e os países onde costumam actuar: Hungria, Espanha e França. A pandemia veio estragar o dinamismo que o Orfeão sempre teve e Elisabete Pereira espera conseguir recuperar o tempo perdido e conseguir o mesmo número de alunos na escola de música que tinham antes da Covid-19.
A presidente do Orfeão explica que as redes sociais têm sido um grande apoio na divulgação das iniciativas e, antes da pandemia, conseguiram encher as igrejas de São Vicente e da Misericórdia para assistirem ao espectáculo que foi muito divulgado nas redes sociais.