“O judo tem uma componente pedagógica importantíssima na formação dos jovens”
A Associação de Judo do Distrito de Santarém é uma casa de clubes, atletas, árbitros e treinadores que se tem afirmado nacional e internacionalmente. O presidente da direcção, António Pedroso Leal, e o vogal que também é presidente do Clube de Judo de Torres Novas, João Correia, falam do trabalho meritório no judo de formação, praticado nos tapetes dos clubes, mas também nas escolas e instituições que prestam apoio a pessoas com deficiência.
Como é que o Judo apareceu na sua vida?
Um dia alguém me perguntou se queria comprar um fato de judo usado e eu, sem saber o que era a modalidade, comprei-o e fui treinar para o Grupo Recreativo 1º de Outubro de 1911, conhecido como “O Parafuso”, no Entroncamento. Apaixonei-me pela modalidade e nunca mais parei. Agradou-me o ambiente de ensino, partilha, ética e respeito pelo adversário, algo que não se encontra facilmente em todas as modalidades. Ao fim de 20 anos, já treinador e com o curso de árbitro, vi-me forçado a parar devido a um acidente em competição.
Qual é a principal missão desta associação?
A nossa principal missão é coordenar e fomentar a prática do judo no distrito de Santarém e capacitar a modalidade, os seus atletas e técnicos de uma maior qualidade. Enquanto associação de clubes temos na nossa direcção membros de alguns clubes do distrito, desde o Entroncamento, Ferreira do Zêzere, Torres Novas, Salvaterra de Magos, Santarém e Rio Maior, o que ajuda à proximidade e desenvolvimento conjunto da modalidade.
Quantos clubes e atletas integram actualmente esta associação?
Temos 13 clubes e cerca de 1.200 atletas inscritos. É, no entanto, de ressalvar que há muitos outros atletas que não se inscrevem no judo federado embora pratiquem a modalidade. O que, diga-se, é mau porque não têm licenças federativas válidas e reconhecidas e não podem competir oficialmente.
O número de atletas tem aumentado?
Tem havido oscilações. Estes dois anos de pandemia foram de grande esforço para se manter o nível de quotas de inscrição uma vez que não foi possível manter a actividade a nível distrital, em alguns momentos, por ordem do Ministério da Saúde e noutros porque os custos dos testes eram tão elevados que não tínhamos condições financeiras para continuar. Felizmente já estamos a arrancar com estágios conjuntos da selecção distrital.
Esta associação é uma casa de campeões?
Sim, temos muitos campeões. Apesar da fase negativa da pandemia, que limitou os treinos tivemos atletas de alto nível que se mantiveram como foi o caso da Patrícia Sampaio, a nossa campeã da Europa [sub-23] da Sociedade Filarmónica Gualdim Pais (Tomar) que nos representou nos Jogos Olímpicos. Mas aqui nasceram muitos outros atletas como o Nuno Delgado, da Casa do Benfica de Santarém, que foi medalhado nos Jogos Olímpicos, e outros foram aqui integrados e naturalizados, como os atletas olímpicos Yahima Ramirez e Sergiu Oleinic. Depois nos escalões de formação, aos quais muito nos dedicamos, temos muitos campeões.
É difícil manter os atletas ligados à associação e clubes do distrito?
Sim, o abandono é algo que acontece recorrentemente. Um dos grandes motivos é a deslocação dos atletas para os grandes centros, em função da sua vida académica, porque a panóplia de escolha da nossa região não satisfaz plenamente os objectivos académicos dos atletas. E deixando de ter contacto com o seu clube, naturalmente os clubes dessas zonas fazem o assédio para nos retirar os atletas em benefício das suas dinâmicas. Apesar disso, o mais importante é que fizemos o nosso papel ao nível da formação mesmo que isso possa não ser depois reconhecido.
Quais as vantagens para a prática desta modalidade?
São muitas, mas destaco a educativa. Hoje os jovens não sabem muitas vezes respeitar o outro nem detêm humildade nem espírito de camaradagem que são valores intrínsecos a esta modalidade. O judo tem uma componente pedagógica importantíssima na formação dos jovens, caso haja treinadores e dirigentes capazes de transmitir a sua filosofia.
Qual a relação desta associação com os vários agrupamentos de escolas do distrito?
Através do nosso departamento de judo escolar procuramos sensibilizar as escolas a formar núcleos que levem à prática desta modalidade e essa não é uma tarefa fácil. As modalidades de bola atraem mais facilmente que o judo, ainda assim já começa a haver uma maior sensibilização e reconhecimento de que esta modalidade é barata, universal e uma aprendizagem para a vida.
Faria sentido incluir o judo no desporto escolar?
Numa altura em que tanto se fala do bullying como um drama social que afecta o meio escolar, a prática do judo seria uma mais-valia. O relato que nos chega dos professores das escolas com as quais trabalhamos é que a atitude dos alunos muda drasticamente para melhor em sala de aula. Mais do que um desporto o judo é uma forma de estar na vida, antagónica a qualquer forma de violência e promotora da cortesia, amizade e respeito.
No judo o respeito está acima dos resultados?
O respeito está acima de tudo. Se o comportamento de um atleta não se adequar, então não irá participar em provas. Só o bom comportamento merece ser premiado.
Temos boas infra-estruturas para a prática do judo no distrito de Santarém?
Pode dizer-se que as câmaras municipais têm dado mais atenção às potencialidades do judo na área da integração e de outras áreas sociais e criado espaços para a sua prática. Actualmente temos um projecto em andamento, com o apoio da Câmara de Torres Novas, para a criação de um centro de treino com um tapete com 700 metros quadrados que vai permitir que o judo no distrito possa crescer e evoluir ao nível da prática da formação, estágios de competição e provas.
Qual foi a necessidade de criar a comissão do judo adaptado?
A comissão do judo adaptado nasce com o intuito de darmos a oportunidade da prática desportiva a pessoas com deficiência dando seguimento à nossa política de inserção. Fomos ao encontro de instituições do distrito que aceitaram abraçar este desafio e estão a desenvolver a prática da modalidade.
Como é feita a gestão desta associação?
Sendo uma associação de clubes é para eles que existe e é deles que sobrevive. Agora, não é fácil manter uma actividade contínua se não houver patrocínios e doações, tendo em conta que o subsídio que vem da federação é ridículo. Temos um orçamento de 50 mil euros por ano, o que também é ridículo. Os associados, atletas, treinadores e árbitros pagam-nos taxas e é com esses contributos que desenvolvemos a nossa actividade com o apoio paralelo dos municípios que colocam à disposição os seus espaços reconhecendo que no judo há uma missão social e desportiva a ser desempenhada.
A modalidade não cresce mais por falta de apoios?
Sim, porque os apoios são quase sempre ridículos. Tendo a Federação uma verba cabimentada para apoio às associações a sua distribuição não é feita da melhor forma. Há associações que potenciam mais a modalidade, que têm um trabalho meritório na área da formação, como é o nosso caso, e não recebemos nada por isso. As federações olham para as suas próprias necessidades estruturais e esquecem-se que as associações de clubes também as têm.
É difícil acumular a liderança de uma associação com a vida pessoal e profissional?
É complicadíssimo, embora delegue muito nas pessoas que integram a direcção. A Associação de Judo de Santarém faz uma gestão participativa porque acreditamos uns nos outros e na nossa missão comum.
Quando deixar a presidência o futuro da associação está assegurado?
Vou deixar e está para breve, mais concretamente após os Jogos Olímpicos de Paris, em 2024. O futuro vai no sentido do presente privilegiar a modalidade, a relação entre pessoas, a melhoria da qualidade técnica e das actividades e o prestígio da associação. Pois, se neste e noutros casos, os seus líderes não derem o exemplo as estruturas ficam comprometidas a médio prazo.
Promover a igualdade de género e de oportunidades
A Associação de Judo do Distrito de Santarém (AJDS) é uma instituição de utilidade pública fundada a 9 de Março de 1977 com o objectivo de criar um grupo de trabalho comum para a promoção e desenvolvimento da modalidade a nível distrital. A Casa do Benfica em Santarém, o Judo Clube de Abrantes e o Grupo Recreativo 1º de Outubro 1911 são os associados fundadores.
António Pedroso Leal, natural de Torres Novas, é o actual presidente da direcção da associação, da qual faz parte desde 1978. O antigo judoca, que também foi treinador, é fundador do Clube de Judo de Torres Novas e o único português com uma medalha de mérito desportivo atribuída pela Federação de Judo de Espanha, que faz parte do espólio de distinções da associação que lidera.
Embora os resultados não sejam o mais importante, para uma associação que promove acima de tudo a harmonia, a prática desportiva, igualdade de género e valores fundamentais à formação cívica, o judo distrital tem obtido resultados relevantes a nível nacional e internacional em diversos escalões e contado com participações de atletas nos Jogos Olímpicos. Actualmente a associação tem mais de 30 treinadores, mais de 60 árbitros e 1.200 judocas inscritos representados por 13 clubes.
Além da aposta na formação de jovens a AJDS desenvolve o judo de veteranos e o judo adaptado, uma valência promovida há vários anos que recentemente ganhou nova força através de um protocolo celebrado, em Dezembro de 2021 com sete instituições de solidariedade social que prestam apoio a pessoas com deficiência.
O Open Internacional de Cadetes é um dos principais eventos organizados pela associação que ocorre anualmente e conta com a participação de judocas, treinadores e clubes nacionais e internacionais. Ao longo de uma época a AJDS fomenta a proximidade entre atletas de clubes de concelhos distintos através da realização de treinos conjuntos.
A Associação de Judo do Distrito de Santarém tem como ambição melhorar as condições para a prática desportiva e, a médio prazo, vai ter à disposição um centro de estágios em Torres Novas, com todas as condições necessárias para a realização de estágios e provas simplificadas nacionais e internacionais.