O MIRANTE | 02-03-2023 13:00

ABEI tem um orçamento maior que todas as freguesias do concelho de Vila Franca de Xira

ABEI tem um orçamento maior que todas as freguesias do concelho de Vila Franca de Xira
ESPECIAL PERSONALIDADES DO ANO
A ABEI - Associação para o Bem-Estar Infantil - de Vila Franca de Xira tem actualmente das melhores condições do concelho na área da infância com uma equipa de 230 trabalhadores e um orçamento de cerca de 6 milhões de euros

Não há em Vila Franca de Xira quem não conheça a ABEI e a sua importância na comunidade dando resposta às necessidades de mais de um milhar de utentes. A liderar a direcção está Mi-guel Branco, um rosto que cresceu na instituição e conhece-a melhor que ninguém. Imprimiu com a sua equipa um estilo de gestão que tem dado frutos. No último ano e meio tem lutado contra um cancro agressivo e recusa-se a baixar os braços servindo de inspiração a toda a equipa que diariamente faz a diferença na vida dos utentes. Nesta entrevista também estiveram pre-sentes outros elementos da direcção da ABEI: Vera Góis, Rui Paz, Sandra Ribeiro e Catarina Soa-res.

Dormem com os problemas da associação?

Não só dormimos como vivemos em união de facto com a associação. Sentimos a responsabilidade de estar à frente de uma casa com esta dimensão. Temos um orçamento anual maior que todas as juntas de freguesia do concelho. Hoje é impossível ser apenas uma ou duas pessoas a acompanhar o dia-a-dia da instituição.

A profissionalização da gestão é o caminho?

Quando a ABEI foi criada em 1975 era possível fazer-se as coisas na base do voluntariado, hoje não. Nesta nova direcção estamos a caminhar para a profissionalização e para sermos remunerados. Os utentes exigem organizações cada vez mais competentes no que fazem e para se prestar um melhor serviço. Com a nossa dimensão é impensável que a ABEI não caminhe para a profissionalização da sua estrutura directiva. Esta direcção substituiu um presidente que esteve 33 anos no cargo. Surgimos por necessidade e não por vocação e já trazíamos uma mochila cheia de pedras e encargos por pagar. Apesar de a instituição mostrar uma vitalidade que nos faz acreditar no projecto não nos podemos esquecer das responsabilidades assumidas no passado e que farão parte do nosso presente e futuro.

Estamos a falar do Plano Especial de Revitalização (PER) em curso…

Herdámos uma casa com uma dívida de cinco milhões, decorrente da construção de equipamentos e tínhamos uma série de áreas deficitárias. Apresentava prejuízos de 200 mil euros por ano além da dívida. Em 2016 foi uma altura critica para a ABEI. Pela primeira vez houve salários em atraso e subsídios por pagar. Não se vislumbrava qualquer plano para o futuro e saltava à vista de todos que estávamos a ter uma gestão diária sem plano para o futuro. Foi isso que quisemos alterar quando apresentámos uma lista. Éramos cinco pessoas na direcção sem experiência em gestão e administração em direcções, mas com muito conhecimento da instituição e vontade de fazer melhor e diferente. Não são os números que mandam, mas sim a missão.

Estão a conseguir mudar o rumo das coisas?

Estamos melhorar e já conseguimos libertar dinheiro. Ao dia de hoje se não fosse a dívida não teríamos problemas financeiros. Passámos dos 200 mil euros negativos por ano para saldos positivos e já apresentámos 200 mil euros de resultado positivo. Equilibrámos financeiramente a gestão do dia-a-dia. Não nos podemos esquecer que o sector social não recebe receitas com margens de 30 ou 40% como as empresas privadas.

Qual tem sido o papel do Novo Banco, o vosso principal credor?

Só lhes temos a agradecer o papel e a compreensão que têm tido. Tomámos posse numa terça-feira ao final do dia e na manhã seguinte já estávamos a falar com eles porque tínhamos uma prestação de 300 mil euros a cair na sexta-feira seguinte. Houve uma grande flexibilidade dos credores porque temos evidenciado progressos na área financeira sem descurar a qualidade do serviço e o apoio à comunidade.

É justo ser uma IPSS a ter de substituir-se ao Estado no apoio às pessoas?

Acreditamos que somos melhores que o Estado nas áreas em que intervimos. Permite-nos oferecer outros serviços, conhecemos as nossas gentes e a nossa terra melhor que ninguém. A nossa porta está aberta todos os dias do ano com valências a funcionar 24 horas por dia. Conhecer bem a nossa comunidade permite-nos adaptar a nossa resposta. A ABEI terá de caminhar para respostas comunitárias e de resposta às necessidades das pessoas que são negócios por natureza deficitários e assim terão de ser. Mas acreditamos que a instituição terá de encontrar um equilíbrio para que no final as contas batam certo. Temos de ter contas limpas com as Finanças, Segurança Social e trabalhadores e respondemos pelas responsabilidades da associação. Nem poderia ser de outra forma.

O que recebem do Estado para o trabalho que produzem é pouco. É urgente reivindicar melhores condições?

O que gostávamos é que quem nos representa, a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) e a União Distrital das Instituições Particulares de Solidariedade Social (UDIPSS) fossem muito mais acutilantes na defesa dos interesses das organizações como a nossa e isso faz-se ouvindo as associações. Se não as ouvem é difícil perceberem a dimensão das necessidades. Temos de fazer chegar a nossa voz a quem nos representa. O Estado pode e deve fazer melhor, mas antes disso é preciso que quem nos representa seja mais exigente e intransigente.

Há um afastamento em relação aos organismos que representam as instituições?

Ainda não tivemos alguém a passar aqui e perguntar como estão as coisas. Ainda há uma visão muito macro. Por exemplo, na valência de creche, o Estado paga um valor por criança que é igual aqui e em Mação, Faro ou Bragança, quando o custo de uma criança é diferente em cada zona. Falta haver elasticidade e perceber que uma instituição desta envergadura tem componentes diferentes de outras. Os territórios e as dinâmicas são diferentes. É preciso olhar para os territórios com equidade, adaptar às necessidades e ao local onde estamos inseridos.

Como olham para o futuro da ABEI?

Temos de estar preparados e adaptados para criar ou adaptar os serviços que temos. A nossa primeira missão é e será sempre responder às necessidades da comunidade mas temos de criar também outras respostas de âmbito privado que nos tornem sustentáveis.

Sentem o reconhecimento da comunidade?

As pessoas ainda olham para estas associações como alguém que presta um serviço de que necessitam e não uma associação em que são os associados que decidem o destino dela. Isso é um perigo porque muitas vezes passam-se cheques em branco a quem dirige. É uma vertente que temos de melhorar, fazer reflexão interna e melhorar a perspectiva do sócio sabendo à partida que existem constrangimentos. Há quatro anos pensávamos que íamos conseguir chegar aos sócios e concluímos que era uma ilusão.

Vivemos numa sociedade que esqueceu a cidadania?

Esses valores continuam a existir, mas é preciso que os pratiquemos. Cada vez criamos pessoas mais empreendedoras. A questão é como podemos traduzir isso numa perspectiva comunitária de cidadania. Hoje os alunos se não tiverem aulas de cidadania nas escolas não sabem ser cidadãos…

“Ninguém faz nada sozinho”

O presidente está a lutar contra um linfoma de Hodgkin agressivo. Como olha para quem o considera um exemplo de luta e superação?

Eles têm-me apoiado imenso e sem eles não era nada. Com maleita ou sem maleita não faria nada. Sinto-me muito grato por tudo. A instituição tem dado mais a mim do que eu jamais poderia dar de volta. Tento ser um exemplo e respeitar o que é a instituição perante a comunidade. É uma organização com uma vitalidade enorme e isso é graças ao trabalho de todos. Aprendi muito com os trabalhadores desta casa. Nelson Mandela dizia que no final nunca perdia: ou ganhava ou aprendia. Estou na mesma posição.

Qual é a marca que quer deixar na instituição?

A melhor forma de ser lembrado é ter passado despercebido. É sempre perigoso quando há uma figura que sobressai sobre as outras. Ninguém faz nada sozinho. Gostaria de ser lembrado como alguém que fez parte de uma equipa que fez com que a ABEI seja o que é hoje e que no futuro seja ainda melhor.

Como é que a doença afecta o seu estado de espírito?

Costumo dizer que sou um canceroso bem-disposto (risos). Não está nas minhas mãos alterar o rumo das coisas. Como já vou no terceiro tratamento quero acreditar que já tirei a vez a dois (risos). Tem sido um processo muito chato, mas que acontece.

Uma casa de todos e para todos

A ABEI – Associação para o Bem-Estar Infantil de Vila Franca de Xira, - foi criada em Maio de 1975 por um grupo de pais e cidadãos da cidade que tentaram dar resposta, à época, à falta de serviços de apoio à infância. É uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) que começou por ser uma creche e jardim-de-infância para meia centena de crianças num andar alugado de um prédio ao pé do antigo hospital de Vila Franca de Xira. Em 1986, com o crescimento da procura, a instituição adquiriu uma vivenda no Bairro do Paraíso e mais tarde, em 2001, foi com a aquisição da Quinta dos Bacelos que a resposta à comunidade disparou.

A ABEI tem hoje das melhores condições do concelho na área da infância. Com 230 trabalhadores e um orçamento anual a rondar os seis milhões de euros, acolhe um milhar de utentes de toda a região, incluindo dos vizinhos concelhos de Benavente ou Arruda dos Vinhos. Hoje, admitem os dirigentes, a lotação está esgotada, o que é representativo da confiança da comunidade nos serviços que presta.

Dá resposta nas valências de creche, pré-escolar, primeiro ciclo, unidade de cuidados continuados integrados de longa duração, tem quatro casas de acolhimento residencial para 60 crianças e jovens em perigo e prolongamentos escolares onde estão mais de 300 alunos. Tem as suas operações divididas em oito espaços pelo concelho de Vila Franca de Xira.

Além destes serviços a ABEI também fornece diariamente 450 refeições escolares para o Agrupamento de Escolas Reynaldo dos Santos em Vila Franca de Xira e também apoiam com cabazes alimentares uma centena de famílias ao abrigo do programa operacional de apoio a pessoas carenciadas. A associação tem evoluído com as necessidades da comunidade em que se insere e assegura respostas que as populações procuram num trabalho diário dinâmico e de proximidade com a cidade onde está inserida.

A direcção está unida e vê no presidente alguém que marca a instituição ainda muito antes de ser presidente. A dirigente Catarina Soares considera que o seu maior legado é a filosofia de educação incutida nas crianças. Contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária, pautada pelos valores da solidariedade, respeito pelos direitos humanos, dedicação, profissionalismo e qualidade, são a sua bandeira.

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