O MIRANTE | 02-03-2023 15:00

Festa dos Tabuleiros é feita pelo povo para o povo e quer ser património nacional

Festa dos Tabuleiros é feita pelo povo para o povo e quer ser património nacional
ESPECIAL PERSONALIDADES DO ANO
Mário Formiga foi escolhido pela população de Tomar para Mordomo da Festa dos Tabuleiros de 2023, um evento que vai movimentar cerca de um milhão de pessoas

A 9 de Julho de 2023 o Mordomo Mário Formiga abre os portões da Mata Nacional dos Sete Montes para dar início ao Grande Cortejo da Festa dos Tabuleiros, o evento maior do concelho de Tomar e um dos maiores do país. É o culminar de meses de trabalho de milhares de pessoas que representam várias entidades, como o município, juntas de freguesia, bombeiros, escutei-ros, associações, entre outras. Com o lema “do povo para o povo” a festa é sinónimo da união entre a população que na edição de 2023 assume maior importância por ser a primeira desde que existe pandemia. No total são esperados cerca de um milhão de visitantes, o que faz desta uma das maiores festas do país e com projecção além-fronteiras.

Quem é o Mário Formiga?

Nasci na África do Sul há 51 anos. Os meus pais eram emigrantes. O meu pai é natural da Serra de Tomar. Vim para este concelho com 14 anos e nunca mais daqui saí. Fui presidente da associação de estudantes dos dois agrupamentos de escolas de Tomar e frequentei o ensino superior no Instituto Politécnico de Tomar. Quando terminei decidi abrir um negócio por conta própria e desde essa altura que sou proprietário de um centro de explicações. Tenho dois filhos: a Raquel, que tem 19 anos, e o André, que tem 15 anos. A minha mulher chama-se Sónia Formiga. Ao longo dos anos tenho pertencido aos órgãos sociais de várias associações.

O que representa para si a Festa dos Tabuleiros?

Fui convidado em 1995 para fazer parte da comissão da festa, na altura era Mordomo o Luís Santos. Mas o bichinho já vivia em mim há alguns anos. Fazia um pouco de tudo e assim continuei nas festas de 1999 e 2003. Quando o João Vital foi Mordomo em 2007 convidou-me para a Comissão Central e fiquei no sector das ruas populares ornamentadas durante quatro festas. Este evento mistura muitas emoções. Para os tomarenses é algo que nos une. A partilha durante os meses preparatórios é algo indescritível. Este ano tenho notado ainda mais a ansiedade por causa do que todos vivemos com a pandemia.

Continua a ser uma festa do povo?

O nosso lema é “do povo para o povo”. Esta festa não se faz sem os nabantinos. Claro que as pessoas que vêm de fora não podem ser descartadas da equação. Na festa passada recebemos cerca de um milhão de visitantes numa semana. No dia do cortejo principal tivemos cerca de 650 mil pessoas. Por isso costumo convidar as pessoas a virem na véspera porque há menos gente e também conseguem ver tabuleiros. Este ano espero o mesmo sucesso da iniciativa.

Há alojamento suficiente para receber tanta gente?

Em Tomar não, mas vou mais longe. Não há alojamento suficiente na região do Médio Tejo. A informação que temos é que, assim que saiu a data da festa, os hotéis e alojamentos de concelhos como Ourém, Torres Novas, Abrantes, Entroncamento, entre outros, começaram a receber reservas. Esta festa contribui para desenvolver uma região inteira.

Ser Mordomo da Festa dos Tabuleiros é um orgulho, mas também deve ser uma enorme dor de cabeça…

Sou uma pessoa introvertida e não gosto de me exibir, mas é verdade que passei a ser muito mais reconhecido, até nas freguesias mais distantes da sede de concelho. Quanto às dores de cabeça são muitas, mas são boas. Coordenar a logística de um evento destes é um verdadeiro desafio. Por exemplo, este ano decidi reduzir o número de tabuleiros de 750 para 620. Não quero ver as pessoas como “sardinhas enlatadas”. É uma decisão pouco consensual porque a procura para participar no cortejo foi muita. Tivemos pessoas que passaram 24 horas à espera e dormiram ao relento à porta das juntas de freguesia para conseguirem inscrever-se.

Como é que um Mordomo se prepara para desempenhar essa função?

Trabalho há muitos anos nesta festa e não posso esconder que sinto que tenho o conhecimento devido para realizar um evento desta dimensão. Mas um Mordomo da Festa dos Tabuleiros nunca se sente totalmente preparado. Tenho esposa, dois filhos e sou dono de um centro de explicações que também me ocupa muito. Parece que o tempo é curto para preparar a festa. Todos os dias trabalho para ela nos momentos livres, assim como todos os elementos da comissão. É preciso muita carolice para trabalhar de graça e colocar de pé um evento desta dimensão.

Como se consegue manter com vigor uma festa que é das mais antigas no país?

Uma das medidas que mais contribuiu para isso foi a re-introdução, em 1991, do Cortejo dos Rapazes (das crianças). Essas crianças que levaram os tabuleiros quando eram pequeninas também o querem levar agora enquanto adultas. Isto envolve as famílias, os agrupamentos de escolas, as associações, etc. Costumo dizer que há várias festas dentro da festa principal. A festa há quatro ou cinco décadas durava apenas um fim-de-semana.

Quais são as maiores preocupações na organização do evento?

Depois de se ser eleito Mordomo é criada a Comissão Central e os vários mordomos sectoriais, isto é, os responsáveis pelos vários cortejos. Estamos a falar de cerca de meia centena de elementos. Outra das minhas primeiras preocupações foi com os materiais para que não falte nada. Desde o papel, que vem da Alemanha, ao arame, cola, entre outros. Gastamos cerca de 80 mil euros em papel. Para as pessoas terem uma ideia o papel que utilizamos na festa corresponde a uma distância de Tomar a Barcelona em linha recta. O orçamento do evento é de cerca de 600 mil euros. A câmara apoia em 270 mil euros.

Quem for este ano a Tomar quais são as novidades que vai notar?

Abrimos as ruas mais cedo para valorizar todo o trabalho que as pessoas têm a ornamentá-las. Há oito anos a abertura era feita na sexta-feira. Este ano as ruas vão ser abertas na quarta-feira. São meses e meses a fazer flores e as pessoas adoram ver as ruas enfeitadas. Neste momento temos 33 ruas enfeitadas, quase todas no centro histórico. Outra das novidades é relacionada com o Cortejo das Crianças, durante o qual vamos replicar os jogos tradicionais dos adultos.

Quantas pessoas estão envolvidas na festa?

Toda a população! Não consigo contabilizar isso porque, directa ou indirectamente, todas as pessoas do concelho estão envolvidas. Quero frisar que a comissão não faz recrutamento. São as pessoas que se oferecem para participar e ajudar.

Porque é que a Festa dos Tabuleiros ainda não está inscrita como Património Cultural Imaterial Nacional?

Esse é um dos meus grandes objectivos enquanto Mordomo. Já concorremos, o processo está lá, e acharei estranho se este ano a Festa dos Tabuleiros não for considerada Património Cultural Imaterial Nacional. Estamos a falar de uma das maiores manifestações culturais do país.

Como é que se consegue lidar com tanta gente que está envolvida na organização, com ideias diferentes, feitios diferentes?

Tenho de confiar em todas. São escolhidas por mim e são pessoas que já estão comigo há muitos anos a trabalhar para a festa. Oiço todas as opiniões, mas há uma coisa que é clara: no final sou eu que decido, a última palavra é sempre minha.

Tendo em conta o reconhecimento que tem em Tomar nunca pensou enveredar pela política?

Tendo feito parte de várias associações posso confessar que já recebi muitos convites para me ligar a partidos políticos em Tomar. O meu verdadeiro partido é Tomar e trabalho para este concelho. A política para mim também é organizar uma Festa dos Tabuleiros. É um projecto viável e que contribuiu para melhorar a qualidade de vida no concelho. A outra parte da política não me cativa e prefiro estar à parte. Mas nunca se sabe. Nunca devemos dizer nunca.

Tomar é só turismo ou é muito mais do que isso?

Já foi muito mais do que isso, mas hoje está muito assente no turismo. A verdade é que há poucas cidades no país que têm o potencial de Tomar para receber pessoas e proporcionar-lhes uma oferta diversificada. Na região ribatejana não existe mesmo quem lhe faça frente. No entanto, tenho de concordar que um dos problemas para a contínua perda de população é a falta de emprego. Há muitos jovens que concluem o ensino superior aqui, mas depois têm que procurar outras zonas do país para ter uma vida melhor e trabalhar na área que estudaram. Falta emprego qualificado. Tenho algum receio que os meus filhos sejam obrigados a abandonar o concelho por essa razão.

A organização que une a população de Tomar

Tomar veste-se a rigor de quatro em quatro anos para organizar a Festa dos Tabuleiros, o evento maior da cidade templária e um dos maiores do país, que conta com o envolvimento de milhares de pessoas e atrai cerca de um milhão de visitantes durante uma semana. “A Festa é do Povo, pelo Povo e para o Povo” foi o lema que a Comissão Central da festa escolheu para a edição de 2023. Sob a batuta do Mordomo Mário Formiga, que, tal como os antecessores, foi escolhido pelo povo em sessão pública, a população trabalha ao longo de mais de um ano para que a iniciativa seja um sucesso e mantenha o vigor e irreverência que a caracteriza há várias décadas.

Mário Formiga tem 51 anos e faz parte da festa desde 1995. Na sua primeira vez como Mordomo lidera uma Comissão Central com meia centena de pessoas e várias centenas de voluntários. Não tem dúvidas em afirmar que a Festa dos Tabuleiros une os tomarenses e que a partilha de trabalho e emoções ao longo de vários meses é uma sensação indescritível. Esta edição tem a particularidade de ser a primeira desde que existem pandemia da Covid-19 e por isso sente as pessoas mais ansiosas por voltar a sentir o pulsar único da festa.

Com início a 1 de Julho e final no dia 10 do mesmo mês a Festa dos Tabuleiros integra momentos marcantes e cerimónias tradicionais como o Cortejo das Coroas, o Cortejo dos Rapazes, o Cortejo do Mordomo, a chegada dos bois do Espírito Santo, arraiais e jogos populares. O Cortejo dos Tabuleiros realiza-se na tarde de domingo e é o momento maior dos festejos. Os tabuleiros são levados à cabeça por mulheres trajadas de branco com uma fita colorida a cruzar o peito, acompanhadas por homens vestidos com uma camisa branca, calças escuras, barrete ao ombro e gravata da cor da fita da rapariga.

No desfile principal, que percorre grande parte do centro histórico da cidade, participam muitas dezenas de pares de todas as freguesias do concelho. As ruas ornamentadas com flores pela população e as colchas nas janelas proporcionam um cenário admirável. Um dos aspectos importantes da edição deste ano refere-se à candidatura, que está em curso, da Festa dos Tabuleiros como Património Cultural Imaterial Nacional em 2023. Seria um importante passo para posteriormente a festa poder ser classificada como Património Imaterial da Humanidade, uma distinção que visa o reconhecimento pela Unesco das suas características únicas.

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