Limitação de mandatos dos autarcas é um atestado de burrice à população

António Torres é o secretário executivo da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo desde a criação dessa entidade que agrega 11 municípios ribatejanos. Tem sido o braço operacional de uma estratégia intermunicipal que tem dado frutos como a empresa Águas do Ribatejo ou o projecto Ribatejo Digital. Lisboeta de gema e adepto da regionalização, escolheu Santarém para viver e diz que esta região tem tudo para dar certo.
Na sua vida fez o trajecto inverso ao de muitos ribatejanos: saiu de Lisboa para residir em Santarém e trabalhar no Ribatejo. Foi uma decisão feliz?
Foi! Nestes 29 anos fiz os primeiros doze a viajar todos os dias desde Lisboa, depois mudei. Tem-se mais qualidade de vida aqui. Acabei por ficar em Santarém mas na altura podia ter ido parar a Almeirim ou Cartaxo, por exemplo. Entretanto a minha mulher foi trabalhar para as Caldas da Rainha e isso também teve alguma influência.
O que mais o cativa nesta região?
A qualidade de vida, o conseguirmos encontrar soluções mais rápidas, nalguns casos por conhecermos muita gente, até por vivências de cariz social, do futebol, dos miúdos… Conseguimos ter uma vida mais calma. Se quisermos ir para a confusão, estamos a 60 quilómetros e facilmente se chega lá. Aliás, até podemos aproveitar a confusão nos melhores dias, que é aos fins-de-semana, para disfrutar de Lisboa. E eu adoro Lisboa. Nasci em casa, na Bica.
A festa brava diz-lhe alguma coisa?
Não sou grande aficionado. Aliás, a coisa que gosto mesmo de ver é as pegas dos forcados.
A Lezíria do Tejo mudou muito nestes últimos trinta anos?
Sim. Quando cheguei, a grande preocupação dos presidentes ainda se focava muito nas infraestruturas básicas, nas estradas, águas, saneamento. Ao longo deste percurso conseguiu-se criar, com a ajuda de fundos comunitários, uma rede de equipamentos. Todos os concelhos têm uma biblioteca, um cineteatro, espaços para a arte e cultura. A nível de acessibilidades temos a A13, a A15 - claro que falta a continuação da A13 - a ponte Salgueiro Maia…
Esta região tem tudo para dar certo?
Sim. Tem que saber viver com as vantagens e desvantagens da proximidade à Área Metropolitana de Lisboa, que tem 2,8 milhões de habitantes.
Mas há coisas que não mudaram assim tanto como o desaproveitamento do rio Tejo, por exemplo. Continua a ser uma pedra no sapato da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo (CIMLT)?
É um bocado. Tem-se olhado pouco para o rio.
Sem fundos comunitários não se fazem milagres?
Neste quadro comunitário de apoio houve um grande investimento na reabilitação de diques. Numa parceria entre a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) e os municípios associados foi recuperada grande parte dos diques.
Duas das localizações em estudo para o novo aeroporto estão situadas na Lezíria do Tejo, nos concelhos de Benavente e de Santarém. A sua posição é como a do Marco Paulo quando canta: “eu tenho dois amores, que em nada são iguais, mas não tenho a certeza de qual gosto mais”?
É! O ano de 2023 começou bem e espero que termine bem, em Dezembro, com a decisão da localização do novo aeroporto. Temos no território da Lezíria do Tejo três das opções em avaliação.
“O INIAV quis ser o dono da bola e não lhe correu bem”
A perda de financiamento europeu para o Centro de Excelência para a Agricultura e Agro-indústria foi o maior fracasso desde que está na CIMLT?
Vejo as coisas ao contrário. Foi por causa da CIMLT que se conseguiu arranjar o financiamento, mas o dono da obra tinha que ser o INIAV - Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária - por ser dono das instalações. Fizemos tudo, juntámos uma equipa grande, assinámos um protocolo com universidades, no sentido de criar um centro de excelência que fizesse investigação e inovação nas áreas da agricultura e agro-indústria. Coloquei arquitectos, coloquei engenheiros da CIMLT a fazer o levantamento das necessidades do edificado na Fonte Boa; a candidatura foi feita e aprovada; garantiu-se o financiamento… Depois houve concursos desertos, não se lançaram novos concursos e isso aí já nos ultrapassou completamente.
Teme que seja uma oportunidade perdida?
Não. Temos a possibilidade, neste novo período de programação de fundos comunitários, de haver financiamento para uma área dessas, mas perderam-se cinco ou seis anos.
Se o processo tivesse sido conduzido pela CIMLT as coisas teriam sido diferentes?
Se tivéssemos feito um contrato de comodato e fossemos o dono da obra, sim. Até porque uma parte da contrapartida nacional estava garantida pela Câmara de Santarém.
O INIAV não esteve à altura das responsabilidades?
O projecto era para ser em parceria e pareceu-me que o INIAV quis que o projecto fosse dele. Quis ser o dono da bola. É como aquele menino que está a jogar futebol e que depois, quando é chamado, leva a bola para casa e deixa os outros meninos a chorar. O INIAV quis fazer isso e não lhe correu bem.
Como braço operacional da CIMLT qual foi o projecto intermunicipal que mais gozo lhe deu?
Tenho três. Um deles foi a sede da CIMLT. Estávamos num apartamento na Rua Serpa Pinto, pagávamos o equivalente a 600 euros de renda, em 1994. Fui ter com o GAT (Gabinete de Apoio Técnico), que fez o projecto de borla, arranjei financiamento, com 75% de fundos comunitários, 15% de um contrato-
-programa com o Governo e 10% com dinheiro que se tinha juntado. As câmaras não gastaram um cêntimo.
Que outros projectos considera marcantes?
O Ribatejo Digital. Estamos a falar no início deste século e de uma candidatura a fundos comunitários de mais de 6 milhões de euros. Foi extremamente importante porque conseguimos levar Internet às 93 freguesias da Lezíria do Tejo. E depois a criação da Águas do Ribatejo…
Aí caiu-lhe boa parte do cabelo.
Quase todo (risos)…
Sobretudo porque Santarém e Cartaxo não aderiram a essa empresa intermunicipal.
Chegámos a fazer três ou quatro estudos de viabilidade, dizia-se que sem Santarém e sem o Cartaxo o projecto não resultava, mas a verdade é que resultou. Foi um projecto inovador em termos nacionais, tanto que hoje é uma referência no sector porque junta a alta e a baixa e já fez um investimento brutal, na ordem dos 150 milhões de euros. Temos linhas de água menos poluídas e a taxa de cobertura de saneamento aumentou brutalmente. Costumo dizer que a Águas do Ribatejo, no contexto nacional, é uma aldeia gaulesa, porque se percorrermos o país não conseguimos encontrar um modelo igual, em que os munícipes de Benavente pagam a água ao mesmo preço que os munícipes de Almeirim. Isto não foi fácil, mas valeu a pena.
Ganhou na altura um ‘amigo de estimação’ que era o então presidente da Câmara de Santarém, Moita Flores. Chegou a haver processos em tribunal?
Esteve quase, mas não… Julgo que ao longo destes quase trinta anos tenho um amigo em todos os presidentes com quem trabalhei, com essa excepção.
Trabalhou com muitos autarcas. Quais as diferenças mais evidentes entre os autarcas da década de 90 e os da actualidade?
Tive sorte, apanhei autarcas como António José Ganhão, Sérgio Carrinho, Silvino Sequeira, Sousa Gomes, nos tempos em que não havia limitação de mandatos. Autarcas que estiveram quase trinta anos no Poder e que viviam muito a vida dos seus concelhos - os actuais também vivem, obviamente. Hoje a média de idades é mais baixa, os autarcas são mais jovens.
Mantém contacto com os antigos autarcas?
Sim. Quando dá encontramo-nos, mas vamos falando…
Concorda com a limitação de mandatos?
Não. Isso é um atestado de burrice passado à população.
Porquê? Demasiado tempo no Poder não pode criar vícios?
Mas a população está lá para ver e pronunciar-se nas eleições. O povo é soberano para avaliar se o trabalho está a ser bem feito ou não. Dêem, se calhar, mais poderes às assembleias municipais para escrutinar melhor os executivos.
O seu nome surge por vezes associado a uma possível candidatura à Câmara de Santarém. Já alguma vez pensou nisso?
Não. A minha única militância é ser o sócio 8.182 do Sport Lisboa e Benfica.
É a favor da Regionalização?
Sou. A administração central não pode decidir sobre um centro de saúde em Freixo de Espada à Cinta ou aqui ou acolá. A decisão deve estar mais próxima dos cidadãos. E não venham com a conversa que a Regionalização vai gastar muito mais dinheiro. Os municípios também têm limitações orçamentais e ao endividamento e não aumentam a dívida nacional. Se a legislação das regiões administrativas for a mesma, com limites ao endividamento e com os respectivos orçamentos, não vai contribuir para o aumento do défice em termos nacionais.
Foi aprovada recentemente a nova região do Oeste e Vale do Tejo. Recebeu a notícia com agrado?
Sim. Por isso é que disse que o ano começou bem. Se os critérios na Europa se mantiverem vai haver um programa operacional para a Lezíria, Médio Tejo e Oeste a partir de 2027. Estamos a falar de algo extremamente importante para este território.
O operacional da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo
António Torres nasceu a 7 de Janeiro de 1963. É secretário executivo da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo (CIMLT) desde a criação dessa entidade, que sucedeu à Comunidade Urbana e à Associação de Municípios da Lezíria do Tejo, onde também foi o braço operacional dos autarcas. Lisboeta nascido no típico bairro da Bica, casado e com dois filhos, veio trabalhar para Santarém há 29 anos, tendo escolhido a cidade para viver com a família. Antes, trabalhou na Comissão de Coordenação Regional) de Lisboa e Vale do Tejo, onde era responsável pelo programa operacional para o distrito de Santarém.
Pessoa ponderada que se mexe bem nos bastidores do Poder António Torres é formado em Planeamento Regional e Urbano pela Universidade de Aveiro. Esteve na linha da frente em projectos como o Ribatejo Digital e da constituição da empresa intermunicipal Águas do Ribatejo sendo uma voz respeitada e escutada pelos autarcas da Lezíria do Tejo. Foi ele também que liderou a candidatura a fundos comunitários e conseguiu financiamento para construir a sede da CIMLT em Santarém, sem custos para os municípios.
Sem militância partidária, diz que o seu partido é o Benfica, de que é sócio há muitos anos. Foi durante quatro anos presidente da Associação Académica de Santarém, onde deixou obra feita e títulos conquistados, mas entretanto desligou-se do associativismo. Gosta de cinema, de teatro, de passear, de ir aos jogos do Benfica e de jogar umas futeboladas. António Torres é uma figura que tem ajudado a escrever a História da região.