O MIRANTE | 02-03-2023 06:30

Partidos olham de lado para os independentes e engenheiros fazem falta nos cargos de decisão

Partidos olham de lado para os independentes e engenheiros fazem falta nos cargos de decisão
ESPECIAL PERSONALIDADES DO ANO
Carlos Mineiro Aires preside ao Conselho Superior de Obras Públicas e lidera a comissão de acompanhamento da Comissão Técnica Independente que vai estudar as opções para a localização do novo aeroporto

Carlos Mineiro Aires preside ao Conselho Superior de Obras Públicas e lidera também a comissão de acompanhamento da Comissão Técnica Independente que vai estudar as opções para localização do novo aeroporto. O engenheiro civil, natural de Abrantes, não esquece as raízes nem a sua região. Diz que gostaria de ter sido autarca e que os engenheiros fazem falta nos cargos de decisão política.

Aos 71 anos continua em grande actividade. A reforma não faz parte dos seus planos?

Efectivamente aposentei-me, ou melhor, fui obrigado a aposentar-me no dia 29 de Outubro de 2021. Recebi uma mensagem a dizer que a partir dessa data, aos 70 anos, estava aposentado.

Mas não está reformado…

Não estou. Felizmente estou no activo. Pouco tempo depois recebi um convite para presidir ao Conselho Superior de Obras Públicas, que obviamente aceitei. É um lugar de prestígio, uma cereja no topo do bolo e fui nomeado por resolução do conselho de ministros. Se optasse por exclusividade podia ter um salário, mas não optei e estou aqui pro bono.

Não pensa em ir gozar a vida e correr mundo?

Penso. Um dos dilemas que tenho é ir gozar a vida e correr mundo. E já conheço bastante mundo, aliás... Podia ter mais tempo para férias, podia ter mais tempo até para as minhas netas, mas um problema que tenho, se calhar resultante de um hábito que criei, é a ideia de acordar de manhã e não ter um destino para onde ir. Gosto de fazer coisas e como também tenho algum grau de liberdade actualmente consigo equilibrar as coisas.

Com uma carreira tão rica e diversificada há algum cargo que gostasse de ter ocupado?

Não, nunca tive essa tentação. É uma questão que nunca se colocou, até porque não sou filiado em qualquer partido e, logo à partida, os independentes são mal vistos nos governos. E também há a exposição pública e, sobretudo, a coscuvilhice que fazem sobre a vida das pessoas. Não é que tenha algo a temer. Acordo todos os dias com a consciência tranquila. Diria que preenchia aquelas 30 questões que agora colocam. Outra coisa diferente é servir pessoas, com maior ou menor proximidade, e acho que qualquer cargo autárquico me teria assentado bem.

Como ser presidente da Câmara de Abrantes ou de uma junta de freguesia?

Também já equacionei isso e seria uma coisa que me daria prazer pessoal.

Equacionou essa possibilidade?

Já, por diversas vezes e em diversos sítios, não só para as minhas bandas. Mas acaba sempre por esbarrar nas mesmas coisas. Os partidos olham para os independentes de lado. E em relação a algumas ofertas que me fizeram achei que seria apostar no cavalo errado. Não gosto de entrar a perder e isso fez-me pensar duas vezes.

Têm feito falta mais engenheiros nos lugares de topo de decisão política?

Isso parece-me uma evidência. Nota-
-se bem a diferença, na minha opinião, entre os governos em que existem engenheiros e aqueles em que não existem ou, no mínimo, não pensam como engenheiros. O pragmatismo, a visão de que o planeamento é essencial para uma decisão política tem-nos faltado. Ultimamente tem-se feito alguma coisa nessa área, mas durante décadas não houve planeamento em Portugal. E o planeamento é fundamental sobretudo para quem tem pouco dinheiro.

“Vejo com preocupação o desinvestimento na região”

Que avaliação faz de velhos constrangimentos sem resolução à vista na região ribatejana como os que se vivem, por exemplo, na ponte da Chamusca?

A ponte da Chamusca está obsoleta, é um funil que entope. É uma questão que tem que ser colocada à Infraestruturas de Portugal porque os cidadãos estão a ser mal servidos e isso é do conhecimento público. É uma ponte muito bonita, que teve a sua época, foi bem feita e é resistente, mas a longevidade tem destes problemas pois foi dimensionada para outra procura.

Abrantes também reclama uma nova ponte sobre o Tejo, tal como Constância. Faltam novas ou renovadas travessias sobre o Tejo no distrito de Santarém?

Isso é aquela velha questão da travessia do Tramagal para Abrantes que evitaria o rali das curvas até ao Rossio. Essa ponte, que já foi anunciada, seria um factor indutor de desenvolvimento para a região. Naquela zona há uma cultura industrial que rapidamente é recuperável e estimularia a fixação de pessoas e o retorno dos jovens à sua terra.

Ainda visita regularmente Abrantes e Tramagal?

Infelizmente pouco. Mas é mais por falta de tempo, não é porque não goste de lá ir. Aliás, tenho lá grandes amigos. É onde me sinto bem e gostaria de acabar lá um dia, no sítio onde estão os meus pais. Olho muito para a zona e é óbvio que vejo com preocupação o desinvestimento, as dificuldades que se atravessam.

O açude insuflável de Abrantes, que custou milhões, foi um bom investimento?

Fui presidente do Instituto da Água e confesso que, na altura, o açude insuflável para mim e para a maior parte das pessoas foi um choque. Aquilo era um obstáculo indutor de maiores cheias. Entretanto, as cheias deixaram de ocorrer com a frequência e a dimensão que tinham. Hoje, com toda a reabilitação feita na zona ribeirinha, aquele espelho de água acaba por ser um factor harmonioso, de procura de muitas pessoas que vão a Abrantes. As pessoas habituaram-se a ele e, salvo algumas excepções, penso que os meus concidadãos veriam com alguma mágoa desaparecer o espelho de água.

Tem-se falado na construção de mais diques no Tejo. O que pensa disso?

São soluções que consideraria pesadas. E teria que se fazer o balanço entre o que seriam os custos e os benefícios reais disso. Essas soluções devem ser devidamente estudadas. Se pusermos essas barreiras depois aparecem as pessoas de Belver a dizer que as lampreias desapareceram do Tejo, que o sável não sobe o rio e que também já não há corvinas em Valada. Isto é uma pescadinha de rabo na boca.

Novo aeroporto: quem tem a falar fale agora ou cale-se para sempre

Falar de obras públicas, hoje, é falar do novo aeroporto. Cinquenta anos para decidir a localização não é demasiado tempo?

É. Diria que, em termos de decisão, é um grande problema nacional.

O que é que isso diz de nós enquanto país?

Temos que ver as coisas como elas são. O aeroporto da Portela, enquanto a procura não era a de hoje, desempenhou as suas funções e não houve razão de queixa. Acontece que a procura do aeroporto começou a subir em flecha e rapidamente começámos a perceber que a capacidade ia ficar esgotada. Já há muito que se pensa numa solução e, em 2009, o Governo decidiu fazer um novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete.

Foi um erro não ter sido concretizada essa intenção?

Não faço juízos desses, mas como cidadão também posso ter opinião. Depois dessa decisão, em 2009, foi feita a concessão da ANA em 2012 e houve ali um período de coincidência com a troika. Quando são questões financeiras a pautar as decisões não devo opinar, porque o Governo terá tomado as decisões possíveis e as melhores soluções que encontrou na altura, que passaram pelo adiamento.

E assim se perderam mais uns anos…

Depois passou-se para uma discussão sobre se era uma solução complementar ou se se mantinha aquela que é a única profundamente estudada até então, que tinha uma declaração de impacto ambiental emitida, que era a do Campo de Tiro de Alcochete. A partir daí todos conhecemos a história. Na verdade, temos um aeroporto à beira da rotura e os dois maiores partidos decidiram finalmente acordar uma solução, que está em desenvolvimento.

Não serão localizações a mais em estudo?

Não. Essa é uma questão que importa desmistificar e esclarecer até porque houve articulistas de nomeada a referir que a comissão estava atacada por uma reunite aguda. Havendo outras soluções em confronto fez-se uma avaliação ambiental estratégica que era o que se devia ter feito logo quando se decidiu não fazer Alcochete.

Mas nessa altura não havia tantas opções como agora nomeadamente a de Santarém.

As práticas para fazer uma avaliação ambiental estratégica são simples: equacionar todas as opções possíveis e imaginárias. Partir da hipótese que não há nenhuma pré-definida e, inclusivamente, partir da solução que era não fazer nada. A Comissão Técnica Independente (CTI) está a agir muito bem. O que está a fazer é como nos casamentos: quem tem a falar fala agora ou cala-se para sempre. Neste momento, a CTI está a reunir com todos os interessados. Quando se iniciou o processo apareceram logo duas manifestações, que foram a de Alverca e a de Beja a seguir. E já se ouve falar em mais uma ou outra hipótese. Também em breve irá ser aberto um portal onde os cidadãos podem opinar.

Um engenheiro com a água e o ambiente no centro das atenções

Carlos Alberto Mineiro Aires nasceu em Abrantes em 29 de Outubro e 1951, mas cresceu no Tramagal, onde viveu a infância e parte da juventude. Licenciado em Engenharia Civil, pelo Instituto Superior Técnico, tem diversas formações complementares em hidráulica e recursos hídricos, saneamento básico, gestão de projectos e gestão empresarial.
Carlos Mineiro Aires preside actualmente ao Conselho Superior de Obras Públicas e lidera também a comissão de acompanhamento da Comissão Técnica Independente que vai estudar as várias opções para a localização do novo aeroporto. Também é presidente do conselho consultivo da A3ES - Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior - e integra o conselho de escola e o conselho consultivo do Instituto Superior Técnico, onde se formou.
Do seu longo, rico e diversificado percurso profissional constam ainda muitos outros cargos de relevo como os de presidente do Instituto da Água, do Metropolitano de Lisboa e da SIMTEJO, de director do Projecto de Controlo de Cheias na Região de Lisboa e de presidente da Comissão Nacional Portuguesa das Grandes Barragens. Uma das funções que mais visibilidade lhe deu foi a de Bastonário da Ordem dos Engenheiros, que exerceu de 2016 a 2022. Actualmente, preside à assembleia-geral e diz que ser bastonário é uma página virada na sua carreira.
Casado, pai de duas filhas e avô de duas netas, nascidas em 2022, Carlos Mineiro Aires integrou, na juventude, conjuntos musicais - como Os Órbitas e a 1880 Village Band. A caça, fotografia, carros clássicos e motas têm sido outras das suas paixões. Teve muitas motos mas diz que só a Honda CB 750 lhe encheu as medidas. Hoje dedica-se mais a caminhadas e a andar de bicicleta.

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