Sem clubes como o União do Entroncamento não havia tantas crianças a praticar desporto

O União Futebol Entroncamento é uma referência da região na formação de atletas das modali-dades de patinagem artística e hóquei em patins. A presidente, Daniela Saboga e os directores Ricardo Barral e Cecília Rodrigues, que deram voz a esta entrevista, são dois exemplos da von-tade de elevar um clube de bairro onde o conceito de família está enraizado. Falam das con-quistas e ambições, mas também das dificuldades que os clubes pequenos, tão importantes para a iniciação à prática desportiva, continuam a enfrentar.
Como é ser mulher na liderança de um clube desportivo?
No início do primeiro mandato senti que era menos respeitada. Agora não, sou respeitada por todos. Além disso, não importa se se é mulher ou homem quando há tanto para fazer e alguém tem de o fazer. Faz-se e ponto. Mas conto, felizmente, com a ajuda dos vários directores do clube.
Já teve medo de não estar à altura do cargo?
Tive e vou ter sempre medo de falhar. Medo de não conseguir atingir os objectivos, de não conseguir ter atletas felizes em campo, de não conseguir motivar os treinadores, de não ter atletas para a patinagem ou para o hóquei em patins e de não ter dinheiro para pagar as contas no final do mês. Mas a vida não é feita de medos por isso com medo ou sem medo sigo em frente.
Que influência tem o facto de ser sobrinha de Eduardo Saboga, uma das maiores lendas do clube, e filha de um ex-presidente?
O meu medo é também pensar que estejam onde estiverem, o meu pai e tio, me podem ver falhar a dirigir o União. Ambos deram muito a este clube e transmitiram-me a paixão que tenho por ele. O clube sempre fez parte da minha vida. Pode dizer-se que fui criada na sede do clube para onde ia praticamente todos os dias com o meu pai.
No final do ano o clube passou por um momento difícil com o falecimento de Ana Rita Silva, secretária da direcção e um dos seus braços-direitos. A perda trouxe alguma desmotivação?
Foi um ano dos oito ao 80 porque, desportivamente, 2022 foi o ano mais feliz do clube com a única conquista a nível nacional, mas foi também a primeira vez que faleceu um elemento da direcção, tão jovem e de forma inesperada. Mas nós que dirigimos este clube também estamos aqui pela memória de todos aqueles que já deram da sua boa vontade e trabalharam para o União. A Ana Rita, tal como muitos de nós, nasceu neste clube e o lugar que ocupava vai permanecer vazio até ao final do mandato porque para nós é assim que faz sentido. Vamos todos dar mais de nós para tentar suprimir essa falta não a substituindo.
Quais são os principais objectivos para o clube?
A nossa missão é fazer com que os nossos atletas, os pais dos nossos atletas e treinadores se sintam felizes. Os resultados desportivos vêm por acréscimo. O pensamento ideal de clubes como o nosso, que põem crianças a praticar um desporto é e deve ser sempre com a visão de que estamos a formar pessoas com valores como a amizade, respeito, espírito de equipa e não atletas de alta competição. Termos um pavilhão próprio acarreta despesas mas também possibilita que os pais tragam os atletas e possam conviver uns com os outros durante os treinos criando um ambiente familiar onde todos se conhecem e se sentem em casa.
O futebol é o desporto rei em Portugal mas neste caso apenas dá nome ao clube. O que aconteceu para que deixassem a modalidade?
O Entroncamento tinha três ou quatro clubes de futebol na altura sendo que um dos primeiros foi o União. O Entroncamento girava, como continua a girar, à volta da ferrovia e nessa altura havia um clube da parte norte e o União da parte sul, mas a zona começou a ser urbanizada e o clube ficou escondido ao mesmo tempo que surgiram outros clubes. O campo de futebol de 11 acabou por ser transformado num ringue a descoberto onde se começou a praticar hóquei em patins, andebol e futebol de salão. O hóquei foi o que acabou por singrar, já lá vão 50 anos.
A vossa infraestrutura apresenta as condições ideais para a prática da modalidade?
Não oferecemos as condições excelentes, mas oferecemos sempre acima das mínimas e com vontade de melhorar. O orçamento é curto e por vezes até substituir um vidro partido se torna impossível. É um facto que o espaço começa a tornar-se pequeno. Costumamos dizer que são as dores de crescimento e que daqui a uns tempos, a continuar assim, vamos precisar de mais. Este ano conseguimos com que a equipa sénior passasse a treinar uma vez por semana no pavilhão municipal para libertarmos espaço e também porque o nosso ringue é pequeno comparativamente com outros.
Os clubes pequenos continuam a enfrentar grandes desafios para garantir o futuro?
Em todas as pirâmides quem está na base é quem está pior e o União, sendo um clube pequeno que forma atletas que um dia podem ter a ambição de ir para um clube maior, está na base. E se a captação de atletas é complicada, a captação de apoios, donativos é mais complicada ainda. Faltam apoios, a federação de patinagem nem apoia nem deixa de apoiar. Nós é que pagamos à Federação e da Câmara do Entroncamento recebemos um subsídio mensal que começa a ser muito curto. Este título de campeão nacional da terceira divisão deu-nos alguma visibilidade e, infelizmente, e não gosto de o dizer, a morte da Rita também nos deu alguma visibilidade. Começamos a ser mais notados.
Depois da vitória no nacional da terceira divisão e subida à segunda divisão almejam uma subida à primeira divisão num futuro próximo?
O objectivo para a equipa sénior e para esta época é manter a segunda divisão e acho que é por aí que ficamos. Tenho atletas que acreditam na subida à primeira, mas digo com sinceridade que se isso acontecer o clube fica metido numa situação financeira complicada. O que foi transmitido ao treinador quando o convidámos foi que não queremos hipotecar a formação para tentar ir mais longe com a equipa sénior. A base do União sempre foi e será a formação. É mais importante para o clube colocar uma equipa num campeonato nacional de jovens do que hipotecar 10 anos da vida do clube com uma subida à primeira divisão. Sabemos o que foi a passagem da terceira à segunda com o inflaccionar do orçamento, com uma despesa de 15 mil euros só em termos de equipa sénior para equipamentos, transportes, taxas de jogo, taxas de arbitragem, policiamento e pagamento de ajudas de custo a atletas. Infelizmente o Entroncamento não tem uma massa industrial/comercial que apoie significativamente o clube como acontece noutros concelhos.
O desporto continua a ser uma prioridade adiada em Portugal?
Julgo que sim. A Câmara do Entroncamento, que é o maior patrocinador do clube, dá um subsídio anual à volta dos 15 mil euros, mas outras câmaras municipais, porque entendem fazê-lo, dão apoios maiores e isso influencia, por exemplo, no recrutamento de técnicos e na captação de atletas. Falando em termos de apoios governamentais estes clubes pequenos que apostam na formação deviam ter mais apoio. Sem clubes pequenos como o União, que apostam na formação, muitas crianças não têm oportunidade de praticar qualquer modalidade.
Falta ligação entre o sistema educativo e o sistema desportivo?
Falta. Falando do nosso caso, a patinagem faz parte do currículo do primeiro ciclo só que não é dada nas escolas, logo por aí se vê. Como não conseguimos fazer com que essa modalidade seja dada nas aulas de Educação Física estamos nós, clube, a entrar nas escolas com demonstrações. Por outro lado, temos uma relação boa com o agrupamento de escolas: estão sempre abertos para nos receber e temos estabelecido um protocolo para recebermos estagiários do curso profissional de Desporto.
O que é que os pais devem saber sobre como apoiar os filhos no desporto?
Os pais têm de perceber que numa modalidade em equipa, como o hóquei em patins, e num clube de formação tem de haver espaço para todos os atletas aprenderem e atingirem as competências que queremos que atinjam. Muitas vezes, no desporto, são os pais a influenciar negativamente os filhos, por exemplo, numa decisão do treinador que o atleta nem deu importância e aceitou. Por isso falta educar os pais para o desporto, para não se quererem sobrepor aos treinadores, mas também falta educar os pais para o associativismo. Não se podem esquecer que são necessários para que um clube possa continuar e andar para a frente. Mas não podemos deixar de referir que actualmente sentimos que os pais acompanham mais os jogos dos filhos e que quando precisamos de ajuda mostram-se disponíveis.
O clube do bairro que é a casa de uma grande família
O União Futebol Entroncamento foi fundado a 31 de Dezembro de 1928 por um grupo de empregados de escritório tendo como modalidade o futebol. Nas décadas seguintes o clube apostou noutras actividades como o basquetebol, andebol, atletismo, ciclismo, danças de salão, kickboxing e karaté. O futebol acabou por sair de cena e a construção de um ringue de patinagem, que nasceu de donativos e de uma espécie de totoloto local, abriu portas para a prática do hóquei em patins e patinagem artística, as duas modalidades que se mantêm activas e que têm dado alegrias ao clube e seus adeptos. A maior de todas chegou na época passada com a equipa sénior a sagrar-se campeã nacional da terceira divisão em hóquei em patins, o que lhe garantiu a passagem à segunda divisão.
Os bons resultados trazem motivação mas para a actual direcção do União, presidida por Daniela Saboga, o mais importante é a promoção de valores fundamentais à formação cívica, como o espírito de equipa, igualdade, tolerância, amizade e solidariedade. O Pavilhão Albano Mateus é a casa de uma grande família de atletas, dirigentes, treinadores, pais dos atletas, adeptos e simpatizantes, onde o convívio prevalece sobre a ambição desportiva.
Além dos 80 atletas com idades entre os três e os 39 anos, oriundos de concelhos como Entroncamento, Ourém, Tomar, Torres Novas e Vila Nova da Barquinha, o clube tem 11 treinadores, um preparador físico, um enfermeiro, um fisioterapeuta e um massagista desportivo. Sócios são 1.400, dos quais cerca de 80% são pagantes e a direcção é maioritariamente constituída por pais de atletas. O ano de 2022, para além da felicidade do título de campeão, trouxe ao União o luto e consternação pela morte inesperada de Ana Rita Silva, secretária do clube que estava grávida de 37 semanas.
O União Futebol Entroncamento assume-se como um clube de formação que tem como ambição melhorar as condições para a prática desportiva dos seus atletas e garantir que todos são felizes por vestirem a camisola do clube. Este ano a direcção está a concluir a substituição de luminárias por LED com o objectivo de tentar minimizar os encargos mensais do clube e a avançar com medidas de auto-protecção.