O MIRANTE | 02-03-2023 11:00

Sónia Sanfona: ser autarca é muito mais que o exercício de uma profissão

Sónia Sanfona: ser autarca é muito mais que o exercício de uma profissão
ESPECIAL PERSONALIDADES DO ANO
Sónia Sanfona conquistou a presidência da Câmara de Alpiarça em 2021 à terceira tentativa

Jurista de formação e persistente por natureza Sónia Sanfona recuperou a Câmara de Alpiarça para o Partido Socialista após três mandatos da CDU. Desde que está à frente do município re-formulou projectos, iniciou obra, saldou dívidas e venceu dificuldades herdadas pelo anterior executivo. Defensora de uma política transparente diz que seria redutor estar num mandato a pensar na reeleição. Ser presidente da câmara está a ser para a ex-deputada e ex-Governadora Civil a fase importante do seu percurso político.

É uma mulher ambiciosa?

O que tenho vindo a construir é porque a vida me vai mostrando caminhos e vou decidindo sem ter pensado: quero muito ser ou fazer. Não tenho ambições tradicionais como ficar rica, inventar ou descobrir algo. Mas não deixo de ser algo ambiciosa no sentido em que procuro melhorar como pessoa, profissional e política.

Foi governadora civil, deputada à Assembleia da República... candidatar--se à Câmara de Alpiarça foi dar um passo atrás?

Pelo contrário, foi um passo à frente. Os cargos de eleição directa têm importância acrescida porque as pessoas depositam em nós a sua confiança. Já os cargos que desempenhei como governadora ou deputada, que me ensinaram muito e moldaram o que sou hoje como presidente, foram de nomeação ou de eleição numa lista em que era a nona de dez candidatos. O cargo de presidente foi o conseguir validar junto da população o meu percurso e experiência política. Ter a população a confiar em mim para gerir os destinos do município é dar um passo à frente.

Já tinha tentado duas vezes destronar os comunistas e à terceira conseguiu uma maioria absoluta. Com quem aprendeu a ser persistente?

Tenho características da minha mãe que é uma mulher resiliente e determinada. Esta persistência, forma de estar de não desistir é dela, mas também é aquilo que sou. Tenho insuficiências, mas também tenho características que me permitem exercer esta função para que seja uma mais-valia para as pessoas da minha terra, para quem cá vive e escolhe investir. Por isso e porque continuava a achar que tinha condições para exercer este cargo com ganhos para a minha terra fui insistindo numa tentativa de convencer a população. Não o entendo como arrogância ou vaidade, mas reconheço em mim a vontade de colocar os conhecimentos e capacidades ao serviço daqueles que sirvo.

Quando iniciou o mandato disse que não encontrou nada que estivesse bem feito. Já conseguiu pôr a casa em ordem?

Não é possível, por mais vontade que este executivo tenha, fazer muito mais do que conseguimos num ano e pouco. Era preciso, desde logo, reorganizar o funcionamento do município. Havia hábitos enraizados que tivemos que ultrapassar. As pessoas não estavam habituadas a trabalhar em equipa ou com uma hierarquia, factores importantíssimos para a eficiência. Procuramos uma gestão com rigor e eficácia para não deixar fugir projectos e oportunidades e, para isso, foi preciso arrumar a casa. Já conseguimos dar uma resposta substancialmente melhor, inclusive no Balcão único de Atendimento que criámos.

Os funcionários do município costumam ser vistos como fontes de votos nas autárquicas. Não teve medo de afrontar esses vícios instalados?

Não. Temos um quadro de funcionários com muito valor e com gente muito disponível para trabalhar e esta mudança também pressupõe a sua valorização. Temos pedido mais empenho mas também temos procurado melhorar as condições de trabalho num equilíbrio que faz com que seja possível fazer uma mudança sem necessidade de afrontar. A mais impactante até agora foi a alteração do horário de trabalho.

Usou a palavra ‘acomodação’ para justificar erros da anterior gestão camarária. Não receia acomodar-se?

Não tenho medo, mas se acontecer provavelmente serei a primeira a reconhecê--lo. Estas responsabilidades são transitórias e temos que as entender como tal. Se acontecer não terei problemas em tomar as medidas mais indicadas para que o cargo não fique refém da minha acomodação.

O cargo de presidente da câmara obrigou-a a mudar a rotina em Alpiarça?

Não tanto quanto as pessoas talvez pensem. Não tinha e continuo a não ter um conjunto de hábitos esperados nos políticos de proximidade, por exemplo, saio pouco socialmente. Nunca tive hábito de tomar o pequeno-almoço fora de casa e não sou capaz de passar uma tarde no café.

“Alpiarça merece mais” foi o mote da sua candidatura. Vai conseguir dar ao concelho o que ele merece?

Seguramente não conseguirei dar tudo aquilo que acho que o concelho precisa e merece porque há muito que não depende de mim. Há áreas da governação de uma autarquia que escapam ao controle dos autarcas porque são decididas a nível superior. Dou como exemplo o PDM no qual estamos a trabalhar todos os dias e que não depende só do município.

Não conseguir pagar salários aos funcionários municipais porque as contas estavam penhoradas foi o momento mais difícil?

Foi uma aflição porque os trabalhadores ao fim do mês têm direito e precisam de receber a sua remuneração. Sabia que havia uma interposição de uma acção contra o município e que havia uma intransigência relativamente à aplicação daquilo que tinha sido acordado, mas fiquei surpreendida quando vi uma execução com penhora de contas. Na minha perspectiva as contas do município, que servem apenas para cumprir com responsabilidades financeiras, seriam impenhoráveis.

As vagas esperadas até ao final do ano passado para a colocação de médicos na USF de Alpiarça afinal não abriram. É o Estado a demonstrar a sua incapacidade para resolver um problema crónico?

O sistema está feito de uma forma que não permite resolver problemas antes de acontecerem, ou seja, não permite abrir vagas enquanto estiverem preenchidas, o que é um contrassenso. É muito mais fácil resolver problemas se anteciparmos o seu momento mais grave do que estarmos a correr atrás do prejuízo.

Disse numa anterior entrevista a O MIRANTE que não se ia desculpar com o passado para não fazer obra. O que está a fazer?

Terminar a obra na escola EB2,3 José Relvas antes do final do ano, iniciar a recuperação da barragem dos Patudos. Vamos lançar o projecto de reabilitação dos antigos paços do concelho onde queremos um museu da história de Alpiarça. Estamos a dar passos para adjudicar o projecto de construção do primeiro piso da Abel Avelino para centro escolar, a avançar com o projecto de requalificação do parque desportivo e da natureza e a área de auto-caravanismo espera o parecer da Entidade do Turismo.

Presidentes de câmara são genericamente muito mal pagos

Ganha pouco como presidente de câmara?

Os presidentes de câmara são genericamente muito mal pagos. Comparativamente com a população em geral não estarei assim tão mal, mas esta é a altura em que ganho menos desde que comecei a trabalhar e é provavelmente aquela em que tenho responsabilidade maior. Mas ser autarca vai além do exercício de uma profissão, é um desígnio que colocamos sobre nós, algo que se faz por amor.

Lida bem com a crítica e considera-se bem resolvida?

Não gosto de ser criticada, mas se reconhecer que a crítica é válida fico zangada comigo e não com quem a faz. Entendo a crítica como algo importante na construção pessoal. Os bajuladores não nos fazem muita falta. Sou bem resolvida. Nem me lembro de anos especialmente difíceis à excepção do ano passado que foi o pior da minha vida. Foi o ano em que perdi o meu pai.

A exposição tornou mais difícil o luto pela morte do seu pai?

O luto está a ser difícil porque nunca estamos preparados, achamos sempre que os nossos pais são imortais. Fiz 51 anos na véspera do falecimento do meu pai. Ser presidente da câmara não me tirou espaço para o luto. Para as coisas inexoráveis da vida temos sempre tempo.

Quando terminar o mandato acredita que vai ter bons argumentos para convencer os jovens a ficar em Alpiarça?

Sinto que estou a fazer um trabalho que permita que antes do fim do mandato já tenha bons argumentos para que os jovens queiram fixar-se em Alpiarça. O meu concelho já tem características muito diferenciadoras para as famílias jovens, ao nível da habitação, custo de vida, oferta nas escolas e contacto com a natureza.

A presidente que procura ser um bom exemplo e estar de bem com a vida

Sónia Sanfona nasceu a 10 de Dezembro de 1971 na casa dos seus pais em Alpiarça, onde ainda hoje vive a sua mãe. Da infância passada na terra só tem boas memórias construídas junto da família “humilde” que continua a ser o pilar da sua vida. Boa aluna desde o primeiro ciclo licenciou-se em Direito e fez-se advogada. Diz que nunca teve quem tomasse decisões por si, o que a levou a cometer erros e a aprender com eles, mas também a tomar boas decisões e ficar satisfeita por isso.

Foi eleita pelo PS na Assembleia Municipal de Alpiarça, vereadora na Câmara de Alpiarça, deputada à Assembleia da República na X Legislatura e a última Governadora Civil de Santarém. Integrou o conselho de administração do Hospital Distrital de Santarém e nas últimas eleições autárquicas destronou o bastião comunista que governava Alpiarça há 12 anos recuperando-o para o Partido Socialista com maioria absoluta. Defende que “numa democracia madura os agentes públicos têm que ser escrutinados e o mais transparentes possível” e não lhe faltam projectos e ambições para tornar Alpiarça um concelho mais atractivo para viver, trabalhar e investir.

Na esfera pessoal, como diz, não faz questão de deixar uma marca especial. Quer passar pela vida de bem com ela, fazer o melhor que puder e que as pessoas saibam que é esforçada, honesta e que trabalha de forma livre. Quer ir tendo momentos de felicidade porque à medida que se envelhece percebe-se que a vida é curtinha e que temos que a viver da forma mais intensa possível enquanto podemos. Procura ser um bom exemplo, sobretudo para os seus dois filhos e para as pessoas com quem trabalha e lida directamente. Todos os dias, confessa, tenta superar as suas imperfeições e ser melhor pessoa sem nunca ter sido o “tipo de mãe que projecta nos filhos as suas frustrações”.

Para Sónia Sanfona “é redutor os autarcas acharem que a sua vida diária e política ao longo de quatro anos se resume a conseguir uma reeleição”. Não é essa a sua forma de estar na política, pelo contrário: “quero chegar ao final do mandato e ter feito o que me propus a fazer ou a maior parte e se, ainda assim, a população entender que não sou merecedora de continuar aceitarei essa decisão”.

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