Sinto algum desconforto quando depois de um telefonema recebo publicidade relacionada com o que falei
Em alturas em que estou a ver notícias sobre o que se passa em países não democráticos fico espantada por ainda existirem formas de pensar e agir tão absurdas e retrógradas.
O MIRANTE sai semanalmente em papel, desde Novembro de 1987 e edita notícias online a qualquer hora, desde Novembro de 2002, mas para o fazer tem que estar registado e os seus responsáveis identificados. E tem que cumprir leis, nomeadamente a lei de imprensa. Deve continuar assim ou os jornais devem ter maior liberdade?
Antes de mais um grande bem-haja a O MIRANTE pela sua resiliência e pelo papel que alcançou na nossa região! Na minha perspectiva deve continuar assim pois desta forma assegura-se ou, pelo menos, pretende-se assegurar o rigor e objectividade da informação. O problema, a meu ver, é que existem actualmente meios alternativos de comunicação onde não é possível aplicar ou controlar a aplicação dessas normas.
Há cada vez mais pessoas que optam por ser informadas através do que lhes chega pelas redes sociais. É o seu caso?
Mentiria se dissesse que não vejo informação proveniente das redes sociais. Questão diferente é a atenção que lhe presto! Se não for proveniente de sites fidedignos ignoro. Uma coisa é informação veiculada através das redes sociais, outra coisa são os canais digitais próprios para o efeito. A tendência é para a informação digital mas espero que essa evolução possa ser acompanhada por mecanismos de responsabilização para que se mantenha a imprescindível liberdade de imprensa.
A informação devia ser toda gratuita e de acesso livre? Como acha que isso poderia ser feito?
A produção de informação séria e objectiva tem custos. Para ser gratuita e de acesso livre será necessário que exista um modelo de negócio que suporte esses custos. Não vejo como positiva a hipótese de subvenções do Estado. Por outro lado, não me choca que a informação seja paga pois existe uma tendência natural de desvalorizar o que não se paga.
Os hábitos de leitura mudaram e há muitos jornais em dificuldades, alguns dos quais de âmbito nacional e outros que já deixaram de se editar, nomeadamente regionais? É algo que a preocupa?
Sou da velha escola! Adiro ao “online” mas prefiro o papel em jornais e, sobretudo, em livros. Para mim, ler um livro sem sentir o toque ou cheiro do papel não é a mesma coisa! No que respeita ao problema da sustentabilidade económica e financeira da imprensa, e em particular dos jornais regionais, é preocupante pois os jornais regionais constituem uma forma de partilha de informação muito eficaz, que chega a uma população alargada, até mesmo não “pagante” (por exemplo em cafés, consultórios, empresas, etc …), promovendo a literacia, o conhecimento e a partilha/interacção entre as diversas cidades, vilas e aldeias.
Consegue explicar, com um ou dois exemplos, como acha que seria a sua vida, a nível pessoal e profissional, num país não democrático?
Em alturas em que estou a ver notícias sobre o que se passa em países não democráticos fico espantada por ainda existirem formas de pensar e agir tão absurdas e retrógradas. Há inclusive países que regrediram em vez de evoluir. Se pensarmos, por exemplo, na situação das mulheres é completamente inaceitável. Num país desses eu não estaria aqui a responder às vossas questões e não poderia sequer conduzir ou fazer o percurso académico que fiz. É bom recordar que em Portugal, no tempo da ditadura, eu não podia sair do país sem autorização do meu marido.
O que foi para si o 25 de Abril de 1974?
Para o país foi a libertação das “amarras” que nos prendiam a um regime fechado ao exterior, onde a liberdade de expressão não existia, onde o regime “ditava” as convicções a seguir e onde a economia definhava. Para mim, foi sempre algo de profundo significado que, embora não soubesse interpretar quando era pequena, me mantinha em frente à televisão sempre que emitia algo sobre o tema. Gostaria de ter vivido de forma activa esse momento. De uma forma mais tangível, significou o regresso do meu irmão como soldado do Ultramar. Ainda hoje me recordo desse momento apesar de ser tão pequena.
A Inteligência Artificial está presente, cada vez mais, na nossa vida? Está confortável com o que se está a passar?
No nosso dia-a-dia sente-se cada vez mais. Desde o telefone que “escuta” as nossas conversas e nos bombardeia com publicidade sobre o que falámos, sugestões de filmes com base no que vimos antes ou até aos resumos das nossas deslocações. Não sou muito de pensar em teorias de conspiração mas confesso que agora começo a ter algum desconforto.
As alterações climáticas são uma realidade ou há muito exagero no que é apresentado?
Na minha opinião são uma realidade, embora também ache que em algumas situações se cai no exagero ou mesmo no aproveitamento do tema para marketing de produtos, ideias e até de políticas. Mas vale a pena mudarmos alguns comportamentos se o que está em causa é o futuro da Humanidade. Há alguns anos que faço reciclagem do lixo doméstico. Temos mais cuidado com o desperdício de água e electricidade e sempre que possível utilizo produtos de limpeza ambientalmente menos nocivos.
Na Constituição da República estão inscritos os direitos e os deveres dos cidadãos. É capaz de indicar dois ou três dos nossos deveres constitucionais?
Dever cívico de voto, dever de pagar impostos, dever de educação e manutenção dos filhos.
Qual foi o último texto que leu em O MIRANTE de que gostou?
O artigo mais recente que captou a minha atenção foi publicado no dia 2 de Novembro com o título “Escolas de Almeirim estão diferentes sem telemóveis”, onde se divulga uma acção demonstrativa da aposta das escolas e da autarquia de Almeirim na educação visando que as crianças voltem a ser crianças e a viver sem serem dependentes dos telemóveis. Considero que é uma excelente iniciativa que merece ser divulgada e replicada. A sua divulgação num jornal regional desta abrangência constitui uma acção de difusão de boas práticas em consonância com o papel que estes meios de informação devem ter na sociedade.
Se tivesse que classificar a classe política que vai festejar os 50 anos do 25 de Abril na Assembleia da República que pontuação lhe dava de 1 a 10?
Podemos alterar a escala para pontuações negativas?! Por comparação com o passado, em que de facto tínhamos muitos políticos de excelência, classifico com a pontuação mais baixa da escala, naturalmente, com algumas excepções que felizmente ainda existem.
O que é que não lhe perguntamos que gostava de responder?
Se me fosse perguntado como encaro os enormes desafios com que nos confrontamos hoje responderia que a situação no mundo é muito preocupante, pelos conflitos existentes, pelos conflitos latentes e pelo alastrar de formas de pensar que podem colocar em causa os valores democráticos que conhecemos. Se nos referirmos aos desafios pessoais e profissionais responderia que viver é enfrentar desafios. Quem nunca enfrentou desafios apenas passou pela vida, não viveu!