A psicóloga clínica que entrou na política para servir a causa pública
Catarina Pinheiro do Vale é psicóloga clínica e foi nessa qualidade que entrou para estagiar na Câmara de Benavente, em 2005. É vereadora eleita pela CDU há uma década e assumiu a presidência do município durante os quatro meses que Carlos Coutinho esteve a recuperar de doença. Aficionada convicta, é também presidente do Centro de Recuperação Infantil de Benavente, uma instituição que conheceu quando tinha oito anos de idade. A autarca considera-se uma mulher de afectos, assertiva nas alturas certas e tem no trabalho em equipa uma das suas melhores características.
Conhece os principais desafios de um autarca em Benavente?
É podermos estar junto das pessoas e ouvir o que necessitam. Somos os representantes da população e representamos todos, sem excepção. O grande desafio é estarmos presentes sempre que necessitarem e encontramos soluções para os seus problemas e angústias. Somos o único município que tem crescido na nossa região em termos de população. É obrigatório acompanhar esse crescimento com equipamentos escolares adequados, oferta de habitação e acesso a cuidados de saúde. Neste aspecto há uma bipolaridade. Por um lado a freguesia de Samora Correia tem uma Unidade de Saúde Familiar extraordinária. Depois em Benavente existe uma dificuldade imensa em recrutar médicos.
Viver às portas de Lisboa é uma vantagem ou desvantagem?
Tenho um sentimento misto em relação a esse assunto. A proximidade a Lisboa permite que nos possamos deslocar para uma grande cidade, onde há oferta de tudo e mais alguma coisa. Por outro lado existe algum perigo de podermos ser um dormitório de Lisboa e de perdermos alguma identidade, algo que nós não queremos. Queremos que este território mantenha as suas características mais rurais, conciliando com a modernização e desenvolvimento tecnológico. Se o aeroporto vier para o campo de tiro da Força Aérea temos que fazer de tudo para não nos descaracterizarmos.
Acredita que é desta que a infraestrutura é construída?
É uma infraestrutura importante, não apenas para Benavente mas para a região. O estudo da comissão técnica independente foi muito assertivo e parece-nos que não há outra solução senão o campo de tiro. Permitirá a ferrovia passar no nosso concelho e estamos preparados para este desafio. Queremos manter a nossa identidade e não vir a ser um conjunto de betão. Do ponto de vista económico somos um concelho atractivo e mesmo antes do aeroporto já estávamos a ser procurados.
É justo que os habitantes de Samora Correia queiram ser sede de concelho?
A questão não se coloca em termos de justiça. Em determinada altura Samora Correia foi concelho e, portanto, é legítimo que as populações tenham essa ambição. A reorganização do território ditou que seria Benavente a sede de concelho. É assim que está a funcionar. Todos temos um olhar mais individual para este assunto que é perfeitamente legítimo.
Benavente tem uma actividade cultural diversificada. É uma aposta para manter?
Sim, é um tema muito importante para este executivo e para os anteriores. A intervenção junto das nossas colectividades é fundamental porque os munícipes ganham com isso. Queremos que haja variedade e muita qualidade na oferta cultural. Um povo sem cultura é um povo sem história. Temos muita actividade na dança, música, teatro, cinema, desporto, entre outras áreas.
A política desgasta?
Estou como autarca há uma década. A vida autárquica é muito desgastante. Não só pelas horas de trabalho, que afecta a vida familiar, mas também pela questão mental porque a nossa missão é sempre a promoção do bem-estar da população. No entanto, o enriquecimento pessoal e profissional é muito grande. Não estou nada arrependida de ter aceitado o desafio de ser autarca. Até acho que todos nós, cidadãos, devíamos passar por uma experiência destas uma vez na vida.
Como avalia o seu trabalho?
Sou muito crítica em relação à minha prestação. Iniciei em 2013 sem nenhum conhecimento daquilo que era a vida autárquica. Tive um convite do anterior presidente da câmara, António José Ganhão, para integrar o elenco da CDU em quinto lugar na lista. No mandato seguinte entrei em terceiro lugar e neste último em segundo lugar por isso sou vice-presidente da autarquia. Foi um crescimento progressivo e muito colectivo. Só consegui evoluir porque à minha volta existe um conjunto de pessoas incríveis, principalmente os trabalhadores do município, que são cerca de 600, mas também os dirigentes associativos, empresários, e claro, os munícipes.
Já não sente inseguranças?
Continuo muito insegura. O crescimento é feito associado a níveis de ansiedade grandes. Ainda vou tendo alguns receios na minha actividade política que vou partilhando com os meus colegas. A insegurança é fundamental para a aprendizagem. Existe uma ansiedade adaptativa que nos permite ir à procura das soluções para os problemas.
Tem vontade de partilhar alguns momentos que mais a marcaram?
Destaco algo que foi para mim decisivo no meu crescimento e na forma de estar na vida colectiva, que foi viver uma pandemia. Na altura em que tudo fechou tivemos uma equipa extraordinária a lutar por todos os nossos cidadãos. Lutar contra o desconhecido foi talvez o maior desafio na minha carreira política.
Ganhou ou perdeu com a política?
Ganha-se sempre, mesmo nos momentos em que as coisas não correm tão bem. Não estou na política por interesses pessoais. Tenho uma vida profissional lá fora. Tenho uma formação que me permite ter autonomia na minha vida. Estou aqui na perspectiva de servir o outro. O encanto de poder estar com o outro e proporcionar ao outro também aquilo que ele necessita é o que me move. Diria mesmo que é improvável uma psicóloga clínica ser autarca mas eu sou com muito gosto.
Alguma vez esteve a contas com a Justiça?
Nunca tive nenhum problema com a Justiça. Tenho preocupação com os meus deveres cívicos, contributivos e, portanto, faço uma vida muito transparente. Tanto na minha vida pessoal, profissional ou de autarca.
Eleita pela CDU como independente revê-se nos ideais do partido comunista?
Sou independente. Revejo-me naquilo que é o projecto autárquico da CDU para Benavente. Foi nessa conformidade que aceitei estar com esta equipa, de quem gosto muito e com quem estou de corpo e alma.
O que já prometeu que não conseguiu cumprir?
Tenho muito cuidado com as promessas que faço. Têm sempre uma base de realidade e de percepção de que vou conseguir concretizar. A verdade é que em alguns momentos isso não aconteceu e é algo que me deixa triste. Por exemplo, havia uma expectativa imensa na abertura de um equipamento que o município adquiriu para implementar uma creche e isso não aconteceu. Entenda-se que não é responsabilidade do município abrir creches. É verdade que somos o rosto que está ao lado da população mas há coisas que não controlamos. Há que distinguir as responsabilidades do poder local e as responsabilidades do poder central.
Nessas alturas sente o peso nos ombros?
Há frustração de não conseguir ir ao encontro das necessidades da população. A questão da habitação também é fundamental abordar porque é uma das áreas problemáticas no nosso município apesar de termos uma estrutura habitacional muito grande. No entanto, as necessidades são imensas e sinto que não temos conseguido corresponder. Estamos com uma Estratégia Local de Habitação muito alargada, muito ambiciosa. Temos margem para crescer.
Nunca escondeu a sua paixão pela festa brava. Os anti-taurinos tiram-na do sério?
Não, porque há respeito. Exijo respeito relativamente àquilo que é o meu gosto, que vem de família. E respeito também quem não gosta. Se nos tratarmos todos com respeito não há discussão.
Como é a Catarina com os azeites?
A Catarina com os azeites é uma Catarina que tende a ser sempre justa e peço sempre muita desculpa se em algum momento não sou. Todos nós reagimos com alguma impulsividade, faz parte do ser humano, mas tento sempre que essa impulsividade seja relativamente contida. Trabalho todos os dias para ser cada vez mais ponderada.
Como gosta de ser tratada na rua?
Por Catarina. Algumas pessoas que têm menos proximidade chamam-me de vereadora ou doutora mas sou a Catarina. Não mudei. Sou a Catarina de sempre que gosta de olhar nos olhos das pessoas e de me relacionar de igual para igual.
Não se arrepende de não ter filhos?
Na minha vida tudo foi acontecendo naturalmente. Não ter filhos também foi algo natural, embora goste muito de crianças. Tenho uma sobrinha que amo muito. Os filhos, enfim, a vida não mos trouxe, mas vivo muito tranquila com isso. Quando vivemos em casal é uma opção de duas pessoas. O meu marido já tinha dois filhos e, portanto, tem de ser sempre algo pensado em conjunto.
A vida política continua a ser talhada para os homens?
A lei da paridade veio tentar equilibrar as coisas mas ainda é um mundo onde há mais homens. As mulheres ainda têm uma indisponibilidade maior, associada à vida familiar, e acho que é esse o motivo. Mas existe respeito e consideração pela mulher autarca. Pessoalmente, sempre me senti acolhida pelos colegas com quem lido directamente e com quem me cruzo.
Ser presidente do Centro de Recuperação Infantil de Benavente tornou-a melhor pessoa?
O CRIB é uma instituição onde estou há muitos anos. Tinha oito anos quando a minha mãe começou a trabalhar na instituição e, portanto, passei a ter uma ligação muito grande de amizade com todos. Aqueles jovens dão-nos tanto que nós não conseguimos devolver-lhes em igual proporção. A minha missão enquanto presidente é lutar por eles todos os dias. Sou uma mulher de afectos e trabalho muito com afectos. Não vivemos sem sentimentos e sem afectos.
Se soubesse o que sabe hoje o que teria feito de diferente?
Porventura muitas coisas teria feito diferente. Se assim não fosse não teria sentido crítico. Quando pensamos os projectos, pensamos nas pessoas numa lógica de que aquilo poderá corresponder às suas necessidades. Muitas vezes não é isso que acontece e, portanto, fica um sentimento agridoce. Envolvemo-nos tanto e temos tanto trabalho a pensar em soluções para os problemas que, quando não as conseguimos implementar, fica um vazio grande.
Uma mulher justa que gosta de se relacionar de igual para igual
Catarina Pinheiro do Vale nasceu em 1979, em Lisboa, mas foi em Benavente que cresceu e aprendeu os grandes valores e princípios da família, do respeito e da honestidade. Licenciou-se em Psicologia Clínica e foi com essa área que em 2005 estágio na Câmara Municipal de Benavente. Antes de entrar na política a tempo inteiro, trabalhou como psicóloga no Agrupamento de Escolas de Samora Correia.
É presidente do Centro de Recuperação Infantil de Benavente, cargo não remunerado que já exercia antes de ser vereadora da camara e para o qual foi convidada por António José Ganhão. Estar como presidente na instituição e desenvolver trabalho no terreno é uma das suas maiores missões de vida.
Considera-se uma mulher de afectos, mas não esconde que tem o pulso firme nas alturas certas e que gosta de ser tão afectuosa como assertiva sem, no entanto, deixar de ser correcta no trato. Em 2013 entrou para o seu primeiro mandato enquanto vereadora na Câmara Municipal de Benavente eleita pela CDU mas na condição de independente. Assumiu recentemente a presidência do executivo durante cerca de quatro meses, tempo em que Carlos Coutinho esteve a recuperar de doença, garantindo ter o sentimento de dever cumprido.
Assume com entusiasmo a paixão pela festa brava, um gosto e sentimento que lhe foi passado pela família, uma vez que o avô foi campino e o pai e irmão foram forcados. É casada com Maurício do Vale, conhecido crítico tauromáquico e homem da comunicação.
Catarina Pinheiro do Vale é uma mulher que diz gostar de ser justa nas suas decisões e julgamentos e, se alguma coisa falhar, assume que não tem problemas em pedir desculpa. Como lema de vida Catarina do Vale diz que trabalha todos os dias para continuar a ser uma pessoa integra e ponderada, que gosta de olhar as pessoas olhos nos olhos e de se relacionar com elas de igual para igual.