O MIRANTE | 05-03-2024 13:00

Anabela Freitas não gosta da exposição pública e não se inibe de dizer o que pensa

Anabela Freitas não gosta da exposição pública e não se inibe de dizer o que pensa
Anabela Freitas foi presidente da Câmara de Tomar durante dez anos e é actualmente vice-presidente do Turismo do Centro. É uma pessoa de convicções que não gosta de meias palavras e diz o que pensa dentro e fora do Partido Socialista

Anabela Freitas era uma discreta militante socialista quando se candidatou à Câmara de Tomar e ganhou as eleições. Não gosta da exposição pública mas faz esse papel apesar de não se sentir confortável. Pessoa de convicções, que não gosta de meias palavras e diz o que pensa dentro e fora do partido, foi deputada e profissionalmente exerceu funções no Instituto de Emprego e Formação Profissional, tendo sido directora do Centro de Emprego de Tomar. Anabela Freitas diz que ter sido autarca foi o que mais gostou de fazer, mas que foi uma fase da sua vida da qual não tem saudades.

Já tem saudades das funções autárquicas?

Não tenho saudades. A minha passagem pelas funções autárquicas foi uma fase na vida que durou dez anos. Movo-me por missões e objectivos que têm um princípio e um fim.

Saiu porque estava cansada ou foi para facilitar a vida ao seu sucessor nas próximas eleições?

Foi um misto de várias coisas. O trabalho autárquico é gratificante, mas exigente e efectivamente estava cansada. Quando estamos nas coisas não devemos estar por estar e ou estamos a 100% ou não. É certo que surgiu a oportunidade de ir para o Turismo do Centro e juntaram-se várias situações que foram agarrar a oportunidade, baixar o ritmo a que me obrigava o trabalho autárquico e, sendo o último mandato, dar espaço ao candidato natural que é o então vice-presidente, que assumiu a presidência com a minha saída. Já tinha para mim não levar o mandato até ao fim. Até porque os projectos que tinha em mente ou estão executados ou estão em execução.

O que é que a cansava mais?

Durante anos não tinha fins-de-semana, não tinha vida pessoal. Era impossível fazer compras em Tomar, ir ao supermercado, por exemplo, porque vinha sempre alguém abordar-me com alguma questão. Costumava ir fazer compras nos concelhos vizinhos e curiosamente outros autarcas de outros concelhos vêm a Tomar.

Porque é que se candidatou à presidência da Entidade de Turismo do Centro e depois retirou a candidatura para integrar a do actual presidente?

O turismo não era a minha área de eleição. Não tinha feito planos para esta situação. Foram lógicas partidárias. A entidade de turismo tem 100 municípios essencialmente do PS, PSD e independentes. Havia um acordo tácito entre os partidos mas as coisas não correram bem e o PS não podia deixar de ir à luta e surge a minha candidatura. Mas em tudo na vida tem de haver consensos e acordos e a situação resolveu-se por acordo. Além dos municípios também há seis dezenas de privados que votam e que querem sobretudo estabilidade.

Quem é que foi mais importante na sua vida política?

Os meus pais. Em casa sempre se discutiu política. Curiosamente eles eram o que hoje se considera extrema-esquerda. A minha mãe foi presidente da União de Mulheres Anti-Fascistas e Revolucionárias de Tomar e o meu pai era da União Democrática Popular (UDP). Ao longo da minha vida política aprendi imenso com algumas pessoas, independentemente de serem do meu partido ou não, como José Vera Jardim, Augusto Santos Silva, Pedro Santana Lopes. Apesar de ser do PS não perdia uma intervenção de Santana Lopes nos congressos do PPD/PSD. Vamos formulando o nosso pensamento ao longo dos anos ouvindo pessoas. Se tiver que eleger só um, será Vera Jardim.

Quando se meteu na aventura de ser candidata à Câmara de Tomar o que é que pretendia?

A primeira parte da decisão de se concorrer tem de ser pessoal e fui numa perspectiva de ganhar. Fui eleita em 2013. Tinha uma ideia para o meu concelho, sabia o que queria, sabia onde o queria posicionar para o futuro. Não foi uma candidatura ao sabor de ciclos eleitorais, mas sim com a ideia de como é que queria o meu concelho 15 anos mais tarde. Quando se vai para batalha é para ganhar. O primeiro mandato foi ganho por pouco mais que 200 votos.

Até então era uma pessoa que passava despercebida politicamente. Era uma pessoa discreta.

Essa é a minha forma de estar. Uma das coisas que mais me custa é a exposição pública apesar de isto parecer contraditório pela exposição que tive enquanto autarca. Tenho que lidar com a exposição pública mas não me deixa confortável.

E dentro do partido também é uma pessoa discreta?

Dentro dos partidos deve-se discutir tudo, independentemente de a minha opinião agradar ou não a quem está a liderar o partido. Sempre dei a minha opinião. É comigo que me deito todas as noites e quero dormir descansada. Fala-se muito em igualdade de género, é muito bonito em termos de palavras e legislação mas na prática ainda há alguma dificuldade. Sempre tentei dar o meu melhor. Profissionalmente o meu trabalho era reconhecido e isso acabou por passar para dentro do partido.

Houve momentos em que se percebeu que entrava em choque com os técnicos da câmara. Como era a relação com eles?

Não tenho um estilo de liderança autoritário. As chefias têm de perceber para onde é que queremos ir, qual é a estratégia política. A primeira coisa que vem à cabeça de algumas chefias, quando se pensa fazer algo é: isso não é possível. Às vezes era preciso dar um murro na mesa.

Alguma vez se sentiu boicotada nas suas decisões?

Sim! A informação que transmitia na assembleia municipal é a que me é dada pelos técnicos. Às vezes estava a transmitir informação errada que me tinha sido dada e quem levava com as culpas era eu. Não digo que fosse propositado, mas houve muitas datas que dei que derraparam porque às vezes os técnicos não concordavam com o que lhes mandávamos fazer. Um técnico está na câmara para servir a população.

Na política, nas lutas dentro do partido, consegue-se ter amigos?

Tenho verdadeiros amigos na política. Por causa da política também conheci pessoas que não têm a ver com política e que são amigas. Quando não se diz sim a tudo é natural que se criem inimigos, mas estou tranquila com a minha consciência.

Do que é que gostou mais do percurso de trabalho que teve até agora?

De ser autarca. Sendo que o facto de ter trabalhado no Instituto de Emprego e Formação Profissional deu-me uma ferramenta importante porque lidei com muita gente e fiz atendimento ao público. Foi uma escola de vida. O que penso da vida é que é uma roda. Hoje estou em cima, amanhã estou em baixo. Quando estou em cima tenho de tratar as pessoas como gostaria de ser tratada quando estivesse em baixo. É muito raro tomar decisões a quente, gosto de ouvir as várias partes e tento sempre ser justa na decisão. Aprendi imenso como deputada, conheci imensas pessoas e recebia os grupos e associações porque aprendia sempre. Mas não se consegue ver relação directa entre o nosso trabalho e o resultado.

E agora como é que lida com as funções de vice-presidente do Turismo do Centro?

É um trabalho aliciante em que estou a aprender muitas coisas. Acho que a entidade pode organizar-se de outra forma, introduzir por exemplo a inteligência artificial. O choque que apanhei quando cheguei foi a da falta de autonomia administrativa e financeira. Na câmara não tinha de pedir autorização ao ministro da tutela para investir numa determinada obra ou projecto.

Lida mal com a organização do Estado…

O Estado na sua organização administrativa não acompanhou a mudança dos padrões de vida. O que um cidadão exigia há 30 anos da administração pública não tem nada a ver com o que se exige hoje. O Estado no seu todo não se adaptou.

E como é que vê a relação do Estado com a sociedade?

Muito má está uma sociedade quando mais de 50% das pessoas que recebem rendimento social de inserção são pessoas que têm trabalho. Há sempre pessoas que não têm capacidade de entrar no mercado de trabalho mas lamento que o Estado tenha que apoiar pessoas porque o rendimento do seu trabalho não chega. Quando temos o rendimento do trabalho mais taxado que o rendimento da especulação não temos uma sociedade justa.

Com mais dinheiro conseguimos resolver mais problemas?

O orçamento da saúde tem vindo a aumentar e a prestação dos cuidados é pior. Há aqui um problema que não é de dinheiro. É um problema de organização e de gestão. E digo isto dentro do partido. O lançar mais dinheiro para cima dos problemas não vai fazer com que se façam as reformas estruturais que o país precisa, que são imperativas.

Porque é que se passa o tempo a discutir promessas e politiquices e não se debatem estratégias?

O que se passa em Portugal não é um problema exclusivo do país, também é europeu e tem a ver com o facto de deixarem de existir grandes líderes. Temos uma falta de grandes líderes. Na Assembleia da República assiste-se a uma pobreza de debate, parece que estão na mesa do café. Exige-se mais de quem está a debater o país.

Uma mulher pragmática que é sensível aos problemas dos outros

Anabela Gaspar de Freitas, nascida em 21 de Novembro de 1966, é uma das raras personalidades políticas que não liga a redes sociais porque prefere a discrição apesar de nas várias funções por que passou ser obrigada à exposição pública. Deixou o terceiro e último mandato como presidente da Câmara de Tomar a meio para dar espaço ao seu sucessor até às eleições. É actualmente vice-presidente do Turismo do Centro que abrange 100 concelhos. Na pele de turista a militante socialista prefere a natureza e a gastronomia. Gosta de comer e de um bom vinho. Não aprecia estar na praia a apanhar sol ou a tomar banho, mas gosta de ver o mar.
Antes de ser eleita autarca em 2013 tinha sido deputada pelo círculo eleitoral de Santarém em duas legislaturas, a 11ª e 12ª. Diz que aprendeu muito com estas funções mas as que a entusiasmaram mais foi as de presidente de câmara por ter a possibilidade de resolver os problemas das pessoas. Perdeu a mãe aos 17 anos e a sua vida alterou-se. Decidiu começar a trabalhar para ajudar o pai, que trabalhava no então Serviço Nacional de Emprego, antecessor do IEFP. Mulher pragmática, realça que não tem medo de ir contra o que os outros pensam, mesmo que seja o líder do seu partido, e diz que apoia projectos e não quem está à frente deles só por ser quem lidera.
Anabela Freitas fez carreira profissional no Instituto de Emprego e Formação Profissional, onde a fazer atendimento ao público ganhou uma grande bagagem para a vida e para lidar com as pessoas. Quando começou a trabalhar como técnica de emprego preferiu sempre fazê-lo fora da sua terra. Chegou também a ser formadora interna do instituto. Esteve em Salvaterra de Magos e em Torres Novas mas acabou por ser directora do Centro de Emprego de Tomar entre 2005 e 2009. Anabela Freitas é benfiquista e foi presidente da assembleia-geral do Sporting Clube de Tomar. É uma pessoa sensível às dificuldades dos outros e recorda-se do episódio em que um senhor lhe apareceu a chorar no Centro de Emprego de Salvaterra de Magos. Tinha-se deslocado a pé do Alentejo, sozinho, à procura de trabalho para sustentar a família. Anabela Freitas conseguiu que fosse trabalhar para a Companhia das Lezírias. É a resolver problemas e a tornar a vida das pessoas melhor que se sente bem.
A militante socialista, que esteve um ano à espera de entrar para o partido porque se esqueceram de enviar a sua ficha de inscrição para a comissão nacional do partido, assume que não gosta de meias palavras. Diz que nunca se arrepende das escolhas que faz e é uma pessoa crítica, que diz o que pensa mesmo que isso não agrade aos seus pares socialistas. Considera que hoje em dia pensa-se cada vez menos, discute-se menos, o que a preocupa. Confessa que a pandemia lhe causou bastante stress. Quando foi deputada sentiu-se muitas vezes culpada por não conseguir estar com o filho que então tinha cinco anos e costumava deixar um boneco em cima da mesa-de-cabeceira para ele saber que a mãe tinha estado no quarto quando dormia.

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