O MIRANTE | 05-03-2024 09:00

Quinta da Alorna há três séculos a resistir às heranças e ocupações

Quinta da Alorna há três séculos a resistir às heranças e ocupações
Personalidade do Ano Excelência - Quinta da Alorna
Pedro Lufinha, director-geral da Quinta da Alorna desde 2010, destaca que a Alorna é actualmente uma empresa sólida com capacidade financeira, dívida zero, com capacidade de endividamento

A Quinta da Alorna mantém-se desde 1723 porque é uma sociedade familiar que impede que se retalhem os 2600 hectares de terreno em grande parte ocupado por floresta, onde se faz agricultura e se produzem vinhos de excelência. A corajosa decisão dos familiares em não assumirem funções executivas, que estão entregues a um gestor, também contribuem para a estabilidade e prestígio. A quinta atravessou três séculos de mudanças e resistiu às ocupações do pós 25 de Abril de 1974 porque os trabalhadores defenderam-na como reconhecimento pelas condições que tinham muito acima da média.

A Quinta da Alorna tem um dos palácios com história mais encantadores da região. Porque é que está fechado à comunidade?

Esta é a casa dos donos da quinta. É uma área privada. O resto da quinta é totalmente visitável. A família, apesar de não estar permanentemente a usar a casa, entende que abri-la é uma invasão da privacidade. Fazemos provas de vinhos neste espaço, mas do lado de fora, no jardim. Quem entra na casa é quem tem uma relação muito relevante com a família ou com a empresa, como já aconteceu com grandes clientes do nosso importador na Holanda. O palácio não é um hotel nem está preparado para isso.

De que forma é que há uma relação especial com os importadores?

O nosso importador holandês, por exemplo, há alguns anos que traz clientes à Alorna para fazerem um vinho especial para eles. Vinho à medida para venderem nas suas lojas. É uma questão de notoriedade. Eles fazem o lote connosco, cada um fica com um número de garrafas que tem no rótulo o seu nome e a data em que foi feito o vinho. Criam uma relação de proximidade com a marca e têm na sua loja um vinho exclusivo feito por eles e ajudam a aumentar a notoriedade da quinta.

Qual é o peso na gestão da quinta de 300 anos de história?

Três séculos de múltiplas actividades representam uma enorme responsabilidade mas também uma ajuda e uma vantagem. Hoje somos uma empresa muito sólida. Invariavelmente as pessoas conhecem a marca. Por exemplo, na nossa marca de vinhos a exigência em termos de rótulo é muito grande porque precisamos de ser modernos com a componente clássica da casa e o peso histórico.

A quinta é mais conhecida pelos vinhos mas tem uma forte actividade agrícola e florestal. Qual é a parte mais fácil de gerir?

Curiosamente, com todas as dificuldades que existem na agricultura, esta é uma área fácil. Temos uma característica que nos facilita, que é de apenas trabalharmos para a indústria agroalimentar de há uns anos a esta parte. Deixámos de ter produtos de venda a granel sem marca no supermercado. Desta forma retirámos da equação a variabilidade de preço. Também temos as vantagens de não termos uma estrutura pesada, nem stocks, nem questões com embalagens.

A Sociedade Agrícola da Alorna consegue tirar partido dos seus 2.600 hectares de terra ou tem que arrendar algumas áreas?

Arrendávamos muito, mas temos vindo a reduzir as áreas de arrendamento. Temos investido nas terras que não estávamos a utilizar dotando-as de estruturas de rega mais eficientes e temos apostado em culturas de sequeiro assumindo nós a exploração dos terrenos. O nosso objectivo é cada vez mais explorar quase tudo o que é nosso.

Aquando da visita do Papa Francisco a Portugal foi servido a bordo do avião um branco da Quinta da Alorna. Que resultados é que isso teve?

Um grande prestígio e um selo de garantia da qualidade do vinho. Seja-se
católico ou não, o Papa é uma personalidade importante no mundo e o nosso vinho branco ser escolhido foi uma situação mágica para nós. Ajudou-nos a aumentar a notoriedade da quinta.

O que é que fizeram para conseguirem esse feito?

Há cerca de dez anos que fornecemos vinhos à TAP na classe executiva e vamos mandando vinhos para provas. Fomos criando uma relação e o vinho já estava no radar porque há muito que andamos a mostrá-lo. Depois tivemos a felicidade de o chef Vítor Sobral o ter escolhido. O Marquesa de Alorna Branco já tinha notoriedade e agora tivemos também um momento de sorte.

Como é que se garante a sustentabilidade ambiental numa propriedade desta dimensão?

Já cá estamos há 300 anos e queremos estar muito mais e isso faz-nos olhar para a terra de uma forma muito responsável. Para garantirmos que continuamos a ganhar dinheiro na área agrícola temos de ter terra em condições. Há muitos anos que temos vindo a dar atenção a questões como a rotação das culturas e a fazer investimentos em tecnologias como os GPS e auto-guiamento dos tractores porque quanto menos passagens fizermos pela terra melhor. A sustentabilidade ambiental é também uma sustentabilidade económica e financeira. E podemos ter mais margens de lucro com menor impacto no ambiente.

Que cuidados têm para não afectarem o ambiente?

Temos uma preocupação com a energia e o uso da água. Temos sistemas nos pivôs, sondas de humidade, e outras tecnologias, para garantir que a rega é feita de forma uniforme e eficiente. Temos sete centrais de produção de energia fotovoltaica e temos cerca de 60% de autonomia energética.

Ainda têm funcionários agrícolas a viverem na quinta?

Poucos, mas temos. Temos muitas casas, bairros que eram ocupados por funcionários. Há dois bairros na propriedade que ainda são utilizados. Há dois funcionários nestas casas que ainda trabalham na quinta. Todos os outros estão reformados.

Se estão reformados porque é que continuam a viver na quinta?

Porque é um agradecimento pelo que fizeram na altura do 25 de Abril de 1974. Os funcionários defenderam a quinta das ocupações. Nós vemos na televisão em determinados conflitos miúdos de espingardas nas mãos, o que é reprovável, mas tivemos aqui rapazes há 50 anos a fazerem vigílias armados. Foi devido a esses bravos que a propriedade está nas mãos da família.

Em muitas situações não foi assim. O que é que a Alorna tinha de especial para eles correrem riscos a defenderem a propriedade?

Há exemplos de situações que correram bem no Ribatejo, de várias casas semelhantes à nossa que não foram ocupadas. Os trabalhadores da Alorna defenderam a propriedade porque eram bem tratados, tinham uma qualidade de vida acima da média. Tinham um médico que vinha cá e que eram os patrões que pagavam, tinham algumas benesses, como a molhadura (quantidade de vinho que se dá pela jornada de trabalho), que ainda existe. Até morrerem têm aqui casa e só pagam a electricidade.

Têm alguma ideia para as antigas casas dos funcionários que estão devolutas?

Estamos a estudar o tema de alojamento. Por exemplo, o Vale Cortiço é um sítio idílico e com condições para o turismo. Estamos a lidar com um dilema que é o que fazer com os telhados. Temos hectares de telhados e temos de conseguir uma ocupação rentável para o que está debaixo do telhado. Entretanto, vamos investir em enoturismo, vamos investir num salão para fazer eventos corporativos em que tem de haver obrigatoriamente uma prova de vinhos.

Ainda se consegue encontrar mão-de-obra portuguesa para a agricultura?

Temos sido obrigados a recorrer a mão-de-obra estrangeira e tentamos segurá-los na casa porque ainda há pouco tempo tínhamos dificuldades com as podas que se prolongaram até Março. As pessoas se puderem trabalhar num armazém não vão para o campo ao frio e ao calor.

Com tantos anos de experiência agrícola e nos vinhos o que é que ainda há a fazer?

De futuro queremos crescer nos vinhos, apostar no turismo e no imobiliário. Também temos de olhar para floresta de uma forma diferente porque é uma grande área da propriedade e é pouco rentável. Precisamos de rentabilizar a floresta. Fizemos um investimento brutal em pinheiro manso onde só temos gasto dinheiro. O pinhão até está caro no supermercado mas o que acontece é que está a entrar no país pinhão da Turquia a um terço do preço. Neste cenário o valor do pinhão não dá para as despesas da colheita.

Família sem funções executivas e um palácio que é usado em função das quotas

A Quinta da Alorna continua a ser uma das maiores propriedades agrícolas da região porque os seus donos souberam encontrar a forma de a preservar, sem que as heranças a transformassem numa manta de retalhos. A fórmula que garante a robustez da quinta com 2.600 hectares no concelho de Almeirim, que se estende desde quase a margem esquerda do Tejo até à freguesia da Raposa, numa extensão de cerca de 15 quilómetros em linha recta, foi a da constituição de quotas. Assim, os sucessores recebem uma percentagem na sociedade familiar em vez de lotes de terra. A outra foi terem tido a coragem de decidirem que ninguém da família pode ter funções executivas na gestão da quinta.
As particularidades da família Lopo de Carvalho que tem a quinta há cinco gerações vai ao ponto de ter uma forma peculiar de utilização do palácio onde viveu a Marquesa de Alorna. Cada elemento que tem quota na sociedade tem direito a usar a casa em determinados dias consoante a percentagem que detém.
Apesar de ser mais conhecida pelos vinhos, com a notoriedade de já terem servido um vinho branco na viagem de avião do Papa a Portugal por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, é na agricultura que está a actividade mais expressiva em termos de negócio. E está na vanguarda da experimentação de novas culturas na zona. Já fizeram amendoim, desenvolveram um projecto de investigação com colza, que envolveu outros produtores e faculdades, em que se testou quais eram os tipos de planta que se davam melhor na região e qual o impacto da rotação de culturas. Actualmente está a experimentar fazer trigo. A maior área da quinta é ocupada por floresta, num total de cerca de 1.900 hectares, em que se destaca o montado de sobro, de onde retira a cortiça, pinhal manso, para produção de pinhão e eucaliptos para produção de pasta de papel.
Pedro Lufinha é o director-geral da Quinta da Alorna e está na empresa desde Setembro 2010. Licenciado em Gestão, 50 anos de idade, destaca que a Alorna é hoje uma “empresa sólida com capacidade financeira, dívida zero, com excedente de tesouraria e capacidade de investimento”. Fruto de um trabalho para dar notoriedade à marca a Quinta da Alorna tem vindo a destacar-se no sector vitivinícola e foi recentemente distinguida como “Produtor do Ano 2023” na 27ª edição dos prémios da Revista de Vinhos. O vinho lançado no ano passado para comemorar o tricentenário, o “Quinta da Alorna 1723 Grande Reserva”, recebeu o prémio de Excelência.
A Quinta da Alorna começou por ser de D. Pedro de Almeida, que recebeu do rei D. João V o título de 1º Marquês de Alorna. Nessa altura a propriedade era conhecida por quinta de Vale de Nabais. A quinta foi depois vendida aos condes da Junqueira e os herdeiros alienaram-na em hasta pública ao médico dentista, corrector de mercadorias e homem de grandes negócios, Manuel Caroça, mantendo-se desde então nas mãos da mesma família.

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