O MIRANTE | 06-03-2024 09:00

Falta de alojamento é um problema para a contratação de pessoas qualificadas

Falta de alojamento é um problema para a contratação de pessoas qualificadas
Purificação Reis é presidente da ACISO - Associação Empresarial Ourém/ Fátima - desde 2019 mas está ligada à associação há vários anos onde desenvolvia projectos e a reforçar a formação na ACISO

Purificação Reis é a presidente da ACISO - Associação Empresarial Ourém-Fátima desde 2019 mas há vários anos que está ligada à estrutura. É a primeira mulher no cargo. Formou-se em Lisboa, onde ainda chegou a trabalhar, mas logo que conseguiu rumou a Fátima, onde continua a residir. Durante 18 anos ajudou a desenvolver a Escola Profissional de Ourém e depois a INSIGNARE - Associação de Ensino e Formação, como professora e acumulando durante dez anos com as funções de directora executiva. É uma mulher que preza a tranquilidade e que considera que há outras formas de se atingirem objectivos sem ser a barafustar.

Os jovens hoje têm mais medo de entrar no mundo empresarial?

Continuam a arriscar. Uma das características que assisto é o inconformismo, em que os jovens não querem dedicar-se às condicionantes do trabalho por conta de outrem, na pouca flexibilidade que têm na gestão do tempo. Não tenho a percepção de que o empreendedorismo jovem esteja a diminuir. Nota-se muitas vezes que esse espírito empreendedor nem sempre está nos jovens que têm curso superior na área de Gestão. E aos que avançam com negócios falta essa capacitação que é importante na complexidade do mundo dos negócios e da fiscalidade.

Desde que está à frente da associação o que é que mudou no tecido empresarial do concelho?

Houve mudanças na forma como as empresas passaram a ter de se moldar e lidar com novas formas de estar dos seus trabalhadores e a novos interesses. Com a pandemia foram dois anos difíceis para o sector do turismo que tem uma forte presença no concelho. Muitos trabalhadores tomaram o gosto pelo teletrabalho. As profissões dos sectores da hotelaria e restauração são desgastantes por causa dos horários e exigem bastante dedicação com impacto na vivência familiar. Houve uma percentagem grande de trabalhadores que se deslocou para outras áreas de actividade, para empregos nos dias úteis das 9h00 às 18h00. Não fossem os imigrantes a hotelaria e restauração estariam a passar momentos mais difíceis. Esta mão-de-obra estrangeira tem outras condicionantes com impactos que se tentam minimizar, que é fazer com que não haja diminuição da qualidade do serviço e apostar na qualificação das pessoas.

O teletrabalho é bom para as empresas?

É útil para algumas empresas. Há custos de contexto que diminuem. Na minha perspectiva não é bom nem para as empresas nem para as pessoas. A começar pelo facto de se perder a cultura de empresa e há uma quebra de socialização que é uma necessidade do ser humano.

Onde é que há mais dificuldades de mão-de-obra?

As dificuldades são transversais mas nos trabalhos que implicam turnos ou funções ao fim-de-semana o impacto é mais expressivo. Somos um concelho com uma razoável diversificação de actividades empresariais, desde a exploração de pedra, metalúrgicas, madeiras, construção civil. As madeiras já tiveram tempos melhores apesar de haver alguma recuperação.

Em termos empresariais o que faz falta no concelho?

Faz falta condições para as pessoas se instalarem. A falta de alojamento está a ser um problema para a contratação de pessoas qualificadas. Faltam acessibilidades em termos de transportes, não há transportes públicos para se deslocarem para o trabalho. Vemos com muita frequência as pessoas a recusarem propostas de trabalho porque não conseguem arranjar casa ou meios para se deslocarem para o trabalho.

Isso é falta de visão política?

É difícil olhar para infra-estruturas e serviços de base que não são rentáveis, mas que são indispensáveis em termos de perspectiva estratégica de desenvolvimento dos locais a médio e longo prazo. Há um investimento que tem de ser feito. Alertamos para o que consideramos que tem de ser feito e tentar trabalhar em conjunto para se fazer mais e melhor.

Considera-se uma pessoa reivindicativa e acha que é dessa forma que se atingem os objectivos?

Nesta associação há um princípio nos diferentes projectos que desenvolvemos, que é do trabalho em parceria com entidades como o município, a entidade de turismo, a comunidade intermunicipal e outras entidades. Estou convencida que se não for o trabalho em parceria e se não rumarmos todos para o mesmo sítio as coisas não seguem em frente. O principal objectivo não é barafustar, protestar, só porque pela contestação se consegue alguma coisa. Há outras formas que é alertar e estar disponível para trabalhar em conjunto.

Seria mais benéfico para Ourém a instalação de grandes indústrias?

A dependência num território de uma ou duas grandes empresas não é muito saudável. As empresas nascem, crescem, mas também morrem. De facto criam muitos empregos e riqueza mas quando desaparecem instala-se uma grande crise difícil de resolver. O segredo está no equilíbrio, ter muitas micro, pequenas e médias empresas e também haver a capacidade de captar um ou outro grande projecto que possa marcar a diferença e dar o incremento no crescimento do território.

O que é que os empresários desta região precisam?

Precisam prioritariamente que a carga fiscal diminua porque está a incompatibilizar o crescimento das empresas e o reforço da capacidade de investimento. Há desafios imensos, como a inteligência artificial, que precisam da capacitação dos empresários e de capacidade financeira para que possam adaptar-se às novas condicionantes e tirarem partido delas. Se não houver forma de fazerem poupanças para investirem é muito difícil conseguirem preparar-se para o futuro.

O turismo religioso é uma aposta que já está ganha ou ainda há muito a fazer?

O fenómeno de Fátima, como fenómeno turístico, é das marcas mais antigas de Portugal. Por ser um turismo religioso houve sempre um tabu em tratar este produto turístico como em outros sectores. Muito caminho tem sido feito pela associação e outras entidades. Há uns anos o turismo religioso nem sequer estava contemplado no Plano Nacional de Turismo.

O que é que o Congresso Internacional de Turismo Religioso tem representado para o concelho?

Trazemos os operadores turísticos de vários países e durante dois dias fazem contactos de negócios com os empresários do sector portugueses. Temos turistas da Coreia do Sul, país que tinha pouca expressão e que agora já é um importante fluxo turístico, sobretudo fora da época alta, o que também ajuda a reduzir a sazonalidade do turismo de Fátima. Cada vez mais as pessoas precisam de sair da azáfama do dia-a-dia. Há líderes de empresas e pessoas que pelas suas intensas actividades precisam de meditar, de se encontrarem consigo próprias, há um crescimento de retiros espirituais, de silêncio.

O que é que o Santuário tem contribuído para a evolução do turismo?

O Santuário tem feito um excelente trabalho em termos do que é a promoção do turismo religioso em específico. Conseguimos lançar no centenário das aparições o terço do centenário em parceria com o santuário e com fabricantes. As 13 imagens peregrinas que estão em circulação pelo mundo têm sido um veículo de divulgação fantástica e inovadora de Fátima.

A venda do terço centenário já rendeu mais de 600 mil euros. Porque é que esse dinheiro foi para o Centro de Reabilitação e Integração de Fátima, para a construção de um lar, e não para o desenvolvimento empresarial?

O projecto só nos dá trabalho mas satisfaz-nos muito. Quisemos que este produto tivesse uma componente solidária. O objectivo enquanto associação empresarial era criar um produto marcante que conseguisse valorizar uma indústria específica deste concelho, que é a dos artigos religiosos, e colocar os fabricantes associados na ACISO a trabalhar em parceria.

Qual é o papel que as empresas podem ter na área social?

Vejo a área da economia social com alguma preocupação em termos de sustentabilidade, dadas as características da população. É um sector já com grande dimensão e com algumas carências. O contributo das empresas na área social existe mas é um esforço que não pode ser só pedido às empresas. Há necessidade de envolver as empresas na qualificação das pessoas que recebem subsídios de desemprego e de inserção. Pedir às empresas, recompensando-as, que ajudem a qualificar essas pessoas era muito mais eficaz do que estar a criar pessoas subsídio dependentes, o que também não contribui para a auto-estima.

O que é que gosta mais no seu trabalho?

Não haver dois dias com o mesmo tipo de coisas para fazer. Ao longo da minha vida profissional tive papéis de gestão de equipas. O facto de ter sempre problemas para resolver, situações diferentes, desafios diferentes. Há uma coisa que me dá satisfação que é ver o resultado do trabalho que se faz. Gosto de trabalhar com pessoas.

Uma mulher persistente que não gosta de política

Purificação Pereira Reis é a primeira mulher a dirigir a ACISO, contando com uma larga experiência enquanto colaboradora na Associação Empresarial Ourém-Fátima há vários anos. Está no cargo desde 2019 mas já há anos que colaborava com a associação a desenvolver projectos e a reforçar a formação.
Licenciada em Gestão por acaso, porque tinha a ideia de seguir Psicologia, o seu primeiro emprego foi numa empresa em Lisboa de estudos e projectos para fundos comunitários que tinham começado a ser concedidos a Portugal pela União Europeia. Nasceu no Outeiro das Matas em 1964 onde viveu até aos seis anos, altura em que os pais se mudaram para Ourém, onde viveu até aos 15 anos. Depois foi viver para Fátima, onde os pais, que tinham uma fábrica de artigos religiosos, construíram casa.
Ao longo de 18 anos trabalhou na Escola Profissional de Ourém e na entidade que lhe sucedeu, a INSIGNARE - Associação de Ensino e Formação. Além de dar aulas foi também durante dez anos directora executiva. Nunca quis ter cargos políticos e o mais próximo que esteve da política foi quando a convite do antigo presidente da Câmara de Ourém exerceu a presidência de uma empresa municipal, actividade que não gostou pela falta de autonomia e por as funções serem dadas a comentários políticos e a politiquices.
Purificação Pereira Reis teve com o marido um projecto empresarial num terreno que era dos pais e onde construíram um hotel. Foi um projecto que a entusiasmou e que passou para outras mãos tendo sido depois convidada pelo dono da Movicortes, Ribeiro Vieira, para lançar uma escola de negócios em Leiria. Diz que é uma mulher que gosta de dormir sem sobressaltos, que preferiu viver na sua terra e ajudá-la a crescer e que tem como qualidades a persistência e a determinação.
A ACISO – Associação Empresarial Ourém – Fátima tem sido um motor do progresso empresarial no concelho de Ourém, promovendo a formação, apostando na qualificação dos empresários, no apoio à criação de empresas, entre outras actividades. Organiza um dos mais importantes congressos de turismo religioso que tem catapultado Fátima e o país no panorama internacional em países que tinham pouca relevância em termos turísticos e que passaram a ter Portugal como um destino. Uma das grandes apostas da associação, nascida em 1943, é o centro de empresas de Ourém que facilita a instalação de novas empresas nos três primeiros anos. Uma alavanca para várias empresas que cresceram, que estão grandes e saudáveis e que estão a contribuir para a criação de emprego e de riqueza no concelho. As tecnologias e a gestão são duas das áreas com forte expressão em termos de formação.

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