O MIRANTE | 07-03-2024 08:00

Banda da Carregueira é o maior património cultural do concelho da Chamusca

Banda da Carregueira é o maior património cultural do concelho da Chamusca
Personalidade do Ano Cultura - Sociedade Filarmónica de Instrução e Recreio Carregueirense “Vitória”
Eduarda Caetano é a actual presidente da Sociedade Filarmónica de Instrução e Recreio Carregueirense "Vitória" sucedendo no cargo a Hélder Silva, que liderou a colectividade do concelho da Chamusca durante oito anos

Fundada a 30 de Maio de 1930 a Sociedade Filarmónica de Instrução e Recreio Carregueirense “Vitória” é a única banda de música e uma das maiores e mais emblemáticas associações do concelho da Chamusca. Para além da banda, tem uma escola de música com mais de 30 alunos, uma banda juvenil e um grupo de animação de rua. Eduarda Caetano é a nova presidente da associação depois de suceder a Hélder Silva, que liderou a colectividade durante oito anos.

Porque aceitou o desafio de ser presidente da direcção da Banda Carregueirense Vitória?

Eduarda Caetano (EC) – Entrei pela primeira vez nesta sala há 40 anos. Tinha 12 anos. Andei cá muitos anos, mas a minha vida seguiu outros caminhos. Casei, regressei à banda e depois voltei a sair. Agora estou cá para ficar. Sempre fui fã desta colectividade e o Hélder Silva sabe o carinho que tenho por ela. Acompanhei sempre o trabalho ao longo dos anos e tenho uma ligação muito sentimental com a banda. Foi aqui que conheci o namorado que se tornou meu marido e companheiro de vida. Infelizmente faleceu há dois anos. Aceitei o desafio porque sei que posso ajudar a associação a continuar o seu trabalho em prol da população.

O Hélder Silva deixa um legado na colectividade?

EC- Sem dúvida. A entrega que tem tido ao longo de tantos anos à banda é imensurável. O facto de estar reformada e ter tempo livre também contribuiu para aceitar. O Hélder é empresário, tem uma sobrecarga muito grande mas nunca deixou de lutar por todas as pessoas que fazem parte da nossa família.

Hélder Silva (HS) - Estou na banda há três décadas, também entrei com 12 anos. Fui militar quase oito anos e três deles não consegui estar presente na banda. Faço parte da direcção há 12 anos sendo que oito deles foi como presidente. Defendo que, no associativismo e na vida, devemos dar lugar aos outros para que surjam novas ideias e formas de estar. Quem faz parte deste grupo vive as coisas de forma intensa e todos querem, e devem, fazer parte das tomadas de decisão. Não é fácil ter de garantir que a instituição consegue dar um instrumento a cada elemento, pagar fotocópias a todos os músicos, ter uma farda disponível para cada um a vestir com orgulho…

O que diferencia a vossa associação das restantes?

HS - São as cerca de 40 pessoas que fazem parte da banda e as cerca de três dezenas de alunos que estão na nossa escola de música. Somos uma grande família que tem sempre vontade de se juntar e onde todos nos apoiamos uns aos outros. O facto de sermos a única banda do concelho da Chamusca também facilita o recrutamento. Não há opções de escolha e isso garante que a associação tem sempre procura. Mas se não houver trabalho e dedicação dificilmente as mantemos. Felizmente temos uma taxa de permanência quase total.

EC – Há outra coisa que nos diferencia, que é o nome. Ninguém nos conhece pela Banda Vitória, mas sim a Banda da Carregueira. Foi assim a vida toda e dentro de poucos anos completamos um século de existência. Levamos com orgulho o nome da nossa terra para todo o lado. A proximidade com a população também foi sempre um factor diferenciador.

A história da banda é feita de quê?

EC- De companheirismo. Quando o meu marido faleceu a esmagadora maioria dos elementos da banda esteve presente na sua despedida para lhe prestar homenagem. Aqui todos nos sentimos em casa num sentimento de pertença muito difícil de explicar por palavras.

HS – A banda é a continuação da nossa família. O meu sogro também aqui foi músico quase até ao final da sua vida. Foi sepultado com a farda da Banda da Carregueira, acompanhado por todos os elementos. Na nossa família não deixamos ninguém sozinho.

Quantos professores têm na escola de música?

HS - O professor Samuel dá aulas de clarinete e de saxofone. O professor Pedro está direccionado para o conjunto dos metais, como o trompete, trompa, trombone, etc. A professora Joana Fernandes dá aulas de flauta e a professora Helena Santos dá aulas de percussão, desde bateria, xilofone, bombo, pratos, entre outros instrumentos. A professora Liliana Pessoa dá formação musical, que é a base de tudo.

Todos os dias há coisas a acontecer?

EC – Sim. O Pedro Gentil é o coordenador da escola de música e garante que há sempre coisas a acontecer. Tem muito trabalho. Coordenar os miúdos quando há alterações de horário, a relação com os pais, é preciso muita dedicação.

Quais são as principais dificuldades?

HS – Não temos instalações próprias há bastante tempo porque a nossa sede está degradada e é um perigo para as pessoas. Somos obrigados a dar aulas em sítios diferentes e com alguma distância entre eles, na Carregueira e no Arripiado. Transportar instrumentos com muito volume, de noite, não é fácil.

Porque é que esses problemas ainda não foram resolvidos?

HS – Acho que há muita falta de vontade política e de solidariedade social também. Há cerca de uma década começámos a alertar para os problemas infraestruturais da nossa sede, onde sempre ensaiámos. Cumprimos sempre com a nossa parte de manter, dentro das nossas possibilidades, as coisas em bom estado, e substituir o que se estragava. Nunca nos colocámos a jeito para viver dos subsídios da câmara porque isso é o fim de qualquer colectividade. Agora, queremos ter as condições de segurança adequadas para as pessoas frequentarem a associação. Não temos possibilidades financeiras para fazer uma obra desta envergadura e precisamos de apoio do município. Mas não tem sido fácil conseguir respostas do outro lado. Sinto que há falta de sensibilidade para com quem trabalha para servir a comunidade.

EC – Temos de olhar para o lado humano de tudo isto. Temos pessoas que já não sabem viver sem a banda e os momentos de convívio são fundamentais para a sua semana. Temos de ter condições para receber quem quer pertencer à família da Banda da Carregueira.

O associativismo na Chamusca está entregue à sua sorte?

HS - Só posso falar por nós mas fazendo uma análise muito superficial acho que sim. Se não forem os dirigentes associativos a fazerem por isso tudo acaba. O problema é que também faltam pessoas interessadas em assumir a liderança das associações. Nós temos uma percentagem elevada de músicos profissionais, todos se iniciaram aqui. Temos condições para garantir um futuro aos jovens. Ainda sonho em ter na Carregueira um pólo de algum Conservatório de Música porque somos uma terra de músicos. Se neste momento com tão pouco conseguimos fazer tanto, imagine se tivéssemos políticos e dirigentes associativos com vontade de trabalhar para fazer as coisas acontecer.

Os dirigentes associativos deviam ser remunerados?

EC – É um facto que há cada vez menos pessoas no associativismo e muito menos têm interesse em presidir uma associação. O trabalho consome cada vez mais tempo às pessoas mas a questão é que o associativismo exige cada vez mais responsabilidades, também ao nível burocrático. A não remuneração deve manter-se porque as associações vivem mesmo da carolice e da boa vontade das pessoas. Se também perdermos isso perdemos tudo.

Como estão as contas da associação?

HS - Temos um orçamento anual a rondar os 15 a 20 mil euros. É o que precisamos para que as coisas aconteçam minimamente. Mas é um valor muito baixo para o que gastamos com os professores, materiais e equipamentos, participação em eventos, entre outras despesas. Felizmente, desde que cá estou, nunca me lembro de haver um ano com saldo negativo.

Como é o vosso calendário anual?

HS - A maior promoção que as bandas podem fazer ao seu trabalho são os encontros de bandas, pelo intercâmbio de aprendizagens que se consegue. Percorremos o país todo a tocar, mas ultimamente temo-nos focado mais na região centro. Estivemos no ano passado em Tomar e mais recentemente no concelho de Manteigas, no coração da Serra da Estrela, onde passámos um dia incrível.

Também têm uma ligação muito forte à festa brava.

HS - Tocamos em muitas corridas de touros para alegria dos nossos elementos uma vez que é quase tudo aficionado. Lançámos um CD há pouco tempo em que quase todas as faixas são “Pasodoble”. O CD foi apresentado na Semana da Ascensão do ano passado mas foi gravado durante a pandemia. Foi uma grande aventura mas não havia melhor forma de manter a nossa sanidade mental naquela altura. A música é mesmo terapêutica e prepara-nos melhor para a vida.

Fazer muito com poucos recursos e falta de apoios

A Sociedade Filarmónica de Instrução e Recreio Carregueirense Vitória é a casa de várias dezenas de músicos e de mais de 30 alunos que frequentam a sua escola de música. Fundada a 30 de Maio de 1930 é a única banda de música e uma das maiores e mais emblemáticas associações do concelho da Chamusca.
Património Cultural inestimável, tem sido graças a ela que sucessivas gerações tiveram contacto com a música. Muitos dos seus elementos são músicos profissionais e têm nos seus quadros um conjunto de professores e dirigentes que promovem um ensino assente nos princípios e valores do companheirismo e do respeito. Para além da banda filarmónica e da escola de música a colectividade tem ainda uma banda juvenil e um grupo de animação de rua. Embora a sua importância nem sempre seja reconhecida por pessoas sem sensibilidade cultural que, transitoriamente, ocupam lugares de decisão, o facto de estar enraizada na comunidade tem-lhe permitido sobreviver aos momentos menos bons.
Actualmente as suas instalações estão encerradas devido a graves problemas estruturais mas a direcção não abrandou o ritmo e encontrou soluções para enfrentar o desafio de continuar diariamente a trabalhar em prol da comunidade. A Filarmónica de Instrução e Recreio Carregueirense Vitória é convidada regular de outras bandas filarmónicas e de diversas instituições de todo o país. A sua grande versatilidade a nível de reportório permite-lhe dar resposta às mais diversas solicitações.
Eduarda Caetano assumiu a presidência da Filarmónica Carregueirense no início deste ano sucedendo a Hélder Silva, que liderou os destinos da associação durante oito anos. As festas, procissões, espectáculos de tauromaquia, arruadas, celebrações oficiais e iniciativas sociais fazem parte do calendário anual da Sociedade Vitória que olha para a música como uma actividade terapêutica que prepara melhor as pessoas para a vida.

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