O MIRANTE | 07-03-2024 13:00

O clube de atletas e dirigentes sonhadores que não tem medo de afrontar os gigantes

O clube de atletas e dirigentes sonhadores que não tem medo de afrontar os gigantes
Personalidade do Ano Desporto - União Desportiva e Cultural de Aldeia do Sobralinho
A União Desportiva e Cultural de Aldeia do Sobralinho (UDCAS), do concelho de Vila Franca de Xira, foi fundada a 15 de Dezembro de 1974 e mantém o sonho de continuar a crescer. O kempo é a sua modalidade bandeira e que, em 2023, arrebatou 300 pódios na Europa, feito que quer ultrapassar este ano

No ano em que celebra meio século de vida a União Desportiva e Cultural de Aldeia do Sobralinho (UDCAS), do concelho de Vila Franca de Xira, mantém o sonho de continuar a crescer. O kempo é a sua modalidade bandeira e que em 2023 arrebatou 300 pódios na Europa, feito que quer ultrapassar este ano. Numa terra pequena, onde toda a gente se conhece, os dirigentes preservam a ideia de que o clube tem de ser um elo de ligação identitária que preserve a história e as raízes de um povo. Nesta entrevista participam a presidente da direcção, Ana Castro Gomes, e o treinador de kempo e vice-presidente, Nuno Grilo.

Foram equipa do ano na Gala de Mérito Desportivo do concelho de Vila Franca de Xira. Foi o maior reconhecimento que já tiveram?

Ana Gomes (AG) e Nuno Grilo (NG) – Sim, a par com a eleição de O MIRANTE para sermos Personalidade do Ano, que muito nos honra. Estamos nesta missão diariamente para servir a comunidade e apostamos numa transparência de valores.

NG - Transmitimos os valores chave das artes marciais como o respeito e a inter-ajuda, factores que são determinantes para uma criança. Gostamos de ser uma associação próxima da comunidade, vivemos por eles e estamos aqui por amor à camisola diariamente. É quase como um compromisso familiar, de voluntariado, de preservação dos valores do associativismo.

Tem sido o kempo a vossa maior bandeira e a que tem granjeado maiores sucessos…

NG – Temos atletas de toda a região e de outras zonas como Pinhal Novo. Os treinadores e os atletas criam uma relação muito forte entre todos. Somos uma família. A UDCAS é conhecida sobretudo pelo kempo porque é uma modalidade federada e isso tem trazido muitos louros. Mas temos de ver também a importância de outras modalidades como o fitness ou a zumba, de teor mais lúdico e de promoção de uma vida saudável porque é importante tirar as pessoas de casa.

AG – Somos um clube pequeno com um coração e alma grande. Não esquecemos o nosso passado mas queremos olhar para o futuro. Quando cá entrei há seis anos disse que não entrava como mãe de atletas mas como a Ana, cidadã que queria muito dar um bocadinho à terra onde vivo.

Quais são os vossos valores fundamentais?

NG – União, lealdade, camaradagem e partilha. As pessoas são a base de tudo o que fazemos na União Desportiva e Cultural de Aldeia do Sobralinho.

Este ano começou com a vitória na Taça de Portugal de formação. O que pode estar para vir?

NG - Temos crianças a partir dos quatro anos e não temos limite de idade. O nosso atleta mais velho tem 49 anos e faz competição. Há dois anos que lutamos para estarmos no pódio e enfrentamos sem medo as cinco melhores equipas do país. Temos feito um grande esforço, financeiro e logístico, tal como os pais dos atletas, para criar as condições para terem prestações elevadas. No ano passado fomos vice-campeões da Europa. Vencemos o campeonato nacional e absoluto e ganhámos também a Taça de Portugal. Também fomos vice-campeões do campeonato regional. Trouxemos para o Sobralinho 300 medalhas.

Qual é a receita para o clube ser tão forte no kempo?

AG - A união e a cumplicidade de atletas, pais e associação. Quando alguém precisa de resolver algum problema basta falar. Há uma proximidade muito grande, toda a gente conhece a presidente, o treinador, é uma cultura de bairro. Gosto que as pessoas me conheçam e raramente estou cá fechada sozinha. Estou junto dos atletas.

Entristece-vos o individualismo crescente da sociedade actual?

NG – Não só entristece como nos assusta cada vez mais. Se todos colaborassem um bocadinho as coisas estariam muito melhor. Quando em mil pessoas só duas é que metem mãos à obra as coisas tornam-
-se mais difíceis. Não é nada fácil esta nossa missão. Temos de conseguir remar contra a corrente todos os dias. É preciso estofo para o associativismo. Nós somos um exemplo. A UDCAS tem tido altos e baixos e até esteve para fechar. Hoje pagamos ordenados a três pessoas e temos uma associação viva e de portas abertas para todos.

Os dirigentes associativos devem ser remunerados?

AG - Um dirigente a tempo inteiro conseguiria dar muito mais à casa e fazer ainda mais coisas. É possível que chegue esse dia porque precisamos de pessoas na direcção permanentemente e nesse caso as pessoas têm de ser pagas. Pagando vencimentos à direcção combate-se o desinteresse das pessoas. Temos de fazer muitas coisas para conseguirmos ter algum fundo de maneio.

O associativismo tem futuro?

AG – Esperemos que sim. Estou já a tentar incutir à minha filha esses valores. Passam por sensibilizar os mais novos para o facto de que nem tudo é adquirido e por vezes temos mesmo de trabalhar no duro para conseguirmos ter as coisas. E aqui trabalhamos em prol de toda a gente. Isto não são apenas quatro paredes que aqui estão...

Quais os sonhos para concretizar no futuro?

NG - Somos sonhadores e quando nos metemos numa coisa é para apostar fortemente nela. Para estarmos estagnados não faz sentido. O nosso interesse é crescer e em Setembro do ano passado começámos com a zumba para os mais velhos. Estamos sempre a tentar perceber no mercado o que podemos fazer de diferente para inovar e oferecer novas modalidades à população. Gostávamos de fazer crescer as modalidades e a associação no futuro. Não temos medo de afrontar os clubes vizinhos. Todos os clubes têm o seu espaço.

AG - Se nós com orçamentos pequeninos conseguimos isto imaginem se tivéssemos mais apoios e um orçamento maior. Vamos para as distinções que nos dão de peito aberto, nervosos e ansiosos, mas com grande orgulho. Estarmos na linha da frente a competir em igualdade com as maiores equipas do país.

Os apoios financeiros que recebem são suficientes?

AG - Não temos e arranjamos muita coisa dentro do pavilhão em que treinamos. Somos apoiados como qualquer associação dentro dos Programas de Apoio ao Movimento Associativo da Câmara de Vila Franca de Xira mas não é o suficiente. Faz parte do dirigente associativo querer sempre mais e faz-nos falta ser mais reivindicativos.

NG - Mesmo com pouco tentamos sempre ajudar os atletas nas deslocações ou na compra de equipamento. Fizemos agora um investimento em duas máquinas para os atletas poderem ter melhor manutenção física. Os pais também ajudam imenso. Na sociedade o futebol é a modalidade mais importante mas existem outras a que as associações têm de dar atenção. Fico muito orgulhoso quando metemos o Sobralinho no mapa.

O que dizem a quem considera o kempo um desporto violento?

NG - Não vejo as artes marciais como violentas. São educativas. Não somos bons nem maus. Nunca sabemos quando precisaremos de nos defender. Gosto de transmitir esses valores para os meus atletas. Incuto a ideia de nunca usarem a arte de forma gratuita mas sempre em última instância. Sou exigente e faz parte de qualquer treinador ter a consciência de que há regras que têm de ser cumpridas.

Quais são as vossas perspectivas para esta época?

NG - Sermos melhores. Ir mais longe faz parte da nossa ambição. Está-nos no sangue. Vamos ter uma época desafiante com provas longe do Sobralinho e financeiramente vamos fazer os possíveis para conseguir participar. Este ano as provas vão ser dez vezes mais difíceis. Um campeonato é em Guimarães e outro em Aveiro e não temos forma de ajudar os pais nesse aumento de custos com as deslocações.

O que é que enquanto dirigentes associativos vos tira do sério?

NG - A injustiça e a desigualdade. Não sei viver com isso. Todos temos os nossos direitos.

AG - Não vivo num mundo cor-de-rosa mas vejo-o muito colorido e tento sempre ver um mundo diversificado onde cabem todos. A falta de igualdade tira-me do sério. Pensar no outro é sempre a minha primeira linha de pensamento. O que nós mais precisamos no mundo é de mais igualdade.

Meio século de história

A União Desportiva e Cultural de Aldeia do Sobralinho (UDCAS), do concelho de Vila Franca de Xira, foi fundada a 15 de Dezembro de 1974 por um grupo de jovens da localidade. Aos fundadores movia-os o sonho de dinamizar a aldeia e criar um lugar onde não só se pudesse conviver e passar os tempos de lazer mas também onde fosse possível a cada um encontrar um local onde pudesse ser apoiado e guiado na prática do desporto, teatro e outras actividades lúdicas.
A UDCAS iniciou a sua actividade numa modesta casa, na Rua José Augusto Marques, crescendo rapidamente com o apoio da comunidade. Passou depois para a sua sede actual, em pleno centro do Sobralinho. Onze anos depois da fundação foi-lhe reconhecido o seu estatuto de utilidade pública. A determinada altura as suas instalações já não eram suficientes face à grande afluência da população e dos mais de mil associados que a instituição já tinha angariado. Os dirigentes solicitaram ao município a cedência do terreno circundante às suas instalações, no início da década de 1980, levando à construção de um pavilhão multiusos e um rinque desportivo.
Com as novas instalações foi possível à união desportiva e cultural iniciar um conjunto de actividades mais alargadas, tais como festivais gímnicos, torneios de futebol de salão, mini maratonas, noites de teatro, espectáculos musicais diversos, entre outras. No seu auge a associação chegou a ter várias modalidades federadas que lhe granjearam sucessos e vitórias, em atletismo, futsal, ginástica acrobática, basquetebol, entre outras.
Actualmente a instituição do Sobralinho tem perto de seis centenas de sócios activos e 110 atletas em modalidades como o fitness, zumba e o kempo, a modalidade que tem sido a bandeira do clube. No rinque de futebol todos os dias há gente a jogar a nível particular. Em 2018 a colectividade passou por um dos piores momentos da sua história com falta de pessoas interessadas em entrar para os órgãos sociais e a ameaça do fecho de portas estava iminente. O clube foi salvo por uma equipa liderada por João Pedro Baião, actual vereador da Câmara de Vila Franca de Xira, que tomou conta da associação durante a pandemia para a manter em funcionamento e ao serviço da comunidade.
Depois dos momentos difíceis a colectividade ganhou uma nova dinâmica e além de reabrir as portas do bar, onde emprega três pessoas, passou também a oferecer novas modalidades. Com um novo fôlego, a equipa de kempo já se sagrou Campeã da Europa em 2019 e terminou o último ano em alta, conquistando 300 pódios e sagrando-se vice-campeã da Europa, tendo também vencido a Taça de Portugal e conquistado o vice-campeonato regional. Já este ano, a 3 de Fevereiro, o kempo da UDCAS venceu a Taça de Portugal de Formação. No final de 2023 a Câmara de Vila Franca de Xira atribuiu-lhes o galardão de Equipa do Ano na Gala de Mérito Desportivo. O orçamento anual da associação ronda os 75 mil euros. “Se já fazemos tudo isto com um orçamento destes imaginem se tivéssemos mais apoios e mais verba. Ninguém nos parava”, comentam Ana Castro Gomes e Nuno Grilo.

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