Uma referência na formação porque o talento sozinho não faz campeões
A associação que faz voar atletas há quase 27 anos é reconhecida nos quatro cantos do mundo por ser a principal responsável na organização da Scalabiscup, uma prova que reúne centenas de ginastas de todo o mundo. O presidente da direcção do Gimno Clube de Santarém, Fernando Gaspar, fala da importância da formação desportiva nas crianças e jovens e do papel dos pais neste processo.
Têm campeões distritais e nacionais e contam com mais de dez participações em campeonatos do mundo mas quanto maior o voo maior é a queda. Como é que neste clube se ensina a lidar com a derrota?
A ginástica é uma modalidade onde o aprimorar da técnica e execução é o mais importante e os trampolins não fogem à regra. Falhar e ir lidando com a derrota constante, porque nunca nada está perfeito, faz parte da natureza da modalidade e isso não tem só o lado negativo. A modalidade faz dos ginastas pessoas muito resilientes, mesmo em termos escolares lidam melhor com as frustrações e depois, mais tarde, na vida.
O Gimno Clube assume ter foco a formação. A que níveis?
O nosso foco é a formação, principalmente das pessoas. Formar pessoas resilientes, com taxas de sucesso escolar bastante aceitáveis, que tenham a persistência para superar as dificuldades constantes na ginástica e para o resto da vida. É isso que mais nos preocupa: que os ginastas saiam do clube a ser pessoas bem formadas.
Para se ser bom na modalidade de trampolim basta ser-se muito empenhado a treinar ou é preciso talento?
Ter gosto em treinar é essencial, o talento dá jeito mas, sozinho, não faz campeões. A ginástica é um exercício completo, não é um salto, por isso o talento só não resolve. Temos muitos mais casos de ginastas que com muito empenho e determinação conseguiram ir longe do que ginastas que chegaram aqui a demonstrar algum talento.
A aproximação às escolas para captar talento é facilitada em Santarém?
Já o fizemos, mas não temos estrutura para conseguir essa aproximação e captação constantemente, embora gostássemos. Quando o fizemos, nos vários agrupamentos, fomos bem recebidos mas não trouxe assim tanta gente. O desporto ainda vai mais pelo amigo que traz o amigo do que pela relação do clube com a escola.
Em média quantas horas investem em treino os ginastas de competição e como sentem esse esforço recompensado?
Investem dez horas por semana em treinos, pelo menos e a compensação é a participação nas provas, alcançarem mais resultados, mas também nas dificuldades que vão ultrapassando. Porque os pódios só dão para três de cada vez. Os ginastas têm de se habituar a auto-motivar e auto--reconhecer o esforço que fazem nos treinos.
Muitos clubes queixam-se da fuga dos atletas que vão para a faculdade ou começam a trabalhar. O GCS não foge à regra?
Não foge, mas não nos queixamos. Aqui até é habitual saírem mais cedo porque são muitas horas de treino e não há o convívio que existe numa modalidade colectiva. Apesar de, felizmente, termos um grupo muito unido e de haver momentos colectivos antes e depois do treino, psicologicamente é mais difícil manter a motivação porque é um processo muito individual. Quando o treino começa é o ginasta contra o trampolim, contra os seus medos e ambições.
Neste país só dá para ser atleta a meio tempo?
A meio tempo já não era mau. Neste país, à excepção de alguns fora de série, não dá para ser atleta nem a um/quarto do tempo. Nestas idades a escola tem que ser a prioridade por isso o desporto, mesmo para ginastas que vão a campeonatos do mundo, como regularmente nos acontece, não deixa de ser um part-time que é dispendioso em tempo e energia. Não conseguimos ter um sistema desportivo em que os treinadores sejam profissionais e que permita aos ginastas ter essa ambição de fazer disto profissão. Isso é uma realidade que acontece a meia dúzia deles, os que entram no projecto olímpico. Se o sistema desportivo estimulasse mais talvez mais tivessem essa ambição.
Em vez de motivação há um desincentivo a que isso aconteça?
Desincentivo não. Acho é que há uma real incapacidade de conseguir captar meios. Por muito boa vontade que nós presidentes de associações possamos ter, se não forem canalizadas verbas tudo não passa de boas intenções. Às vezes fazemos milagres para superar as dificuldades. Depois há um pequeno nicho, um clube grande que aposta na vertente olímpica e que além do valor subsidiado pelo Comité Olímpico Português dá uma contribuição mas quem chega aí são muito poucos e têm que ter demonstrado muito até aí, ou seja, não é um investimento no processo.
Uma vez por ano fazem de Santarém a capital mundial da ginástica de trampolins com a realização da Scalabiscup. Têm com isso conseguido atrair mais ginastas e valorização pela comunidade?
Mais ginastas não sei, mas temos pelo menos conseguido criar alguma dinâmica na cidade e não só porque em termos de hotelaria temos conseguido encher concelhos à volta. Mas sim, temos criado reconhecimento de que em Santarém há um clube que organiza um campeonato que traz muita gente de todo o mundo, e isso enche-nos de orgulho até porque não é fácil numa modalidade individual, onde às vezes num clube só há um ginasta em condições de participar, termos um evento que no ano passado recebeu 800 ginastas. Isso tem-nos dado reconhecimento local, nacional e internacional. Hoje, o Gimno Clube é conhecido em todo o lado.
Esta prova representa um grande esforço financeiro e logístico para o clube...
É outra ginástica. Há a que é feita em cima do trampolim e a que é feita para pôr o evento em andamento e só para isso são precisos 20 mil euros. Claro que quando começam a cair as inscrições há um retorno que vai equilibrando. Este ano vamos para a 13ª edição e temos tido o apoio da autarquia e da empresa municipal Viver Santarém com o pavilhão e outro tipo de infraestruturas importantes, mas tudo o resto é o clube que suporta utilizando o retorno que consegue da edição anterior. Felizmente não tem dado prejuízo mas também não faz de nós um clube rico porque vamos canalizando verba para realizar melhorias.
O pavilhão municipal onde treinam tem todas as condições para a prática?
Treinamos no pavilhão onde todo o material é nosso. Tem as limitações de ser um pavilhão partilhado mas também não há muitas instalações desportivas com capacidade para nos acolher porque precisamos de altura. A câmara tem feito algumas melhorias. Se é o ideal? Não. Faltam infraestruturas desportivas no concelho. É verdade que há investimentos em curso mas tudo o que está a ser feito ainda não é suficiente para dar condições às necessidades de cada clube.
O que permite ao Gimno Clube de Santarém ser auto-sustentável?
É a Scalabiscup e o apoio que a autarquia distribui através do Regulamento de Apoio e Financiamento ao Associativismo Desportivo (RAFAD) que nos permite ter preços competitivos. Se fossemos cobrar aos pais a operação toda do clube não conseguíamos ter atletas. A grande maioria dos ginastas paga 31 euros.
O município e a Federação dão o que podem ou podiam ir mais além?
A federação não é financiadora de clubes. De vez em quando tem alguns programas como o de apetrechamento mas simbólicos. A câmara municipal acredito que esteja a dar o que pode. O RAFAD tem uma série de critérios que faz a distribuição pelos clubes. Tudo pode ser melhor afinado mas parece-me que é um bom esforço que a autarquia faz e no qual é transparente.
Como é a relação dos pais dos praticantes com o clube?
Neste momento não é tão próxima como há uns anos mas isso é fruto da sociedade em que vivemos. No entanto, à medida que os ginastas se vão envolvendo mais vai havendo maior aproximação, ou seja, há a fase em que para os pais os clubes são meros prestadores de serviços que tomam conta dos filhos e ajudam a educar, mas à medida que vão evoluindo e passando para classes de competição os pais já criam maior relação com o clube. Aí não nos podemos queixar porque os pais são financiadores indirectos do clube, que compram viagens e estadia para as provas. A realidade é esta: os pais continuam a ser grandes financiadores dos clubes em Portugal.
Cada vez se fala mais na trilogia pais-treinadores-atletas. Também os primeiros têm um papel fundamental na capacidade de guiar os filhos na prática desportiva?
Têm de ter. A maior parte da educação é dada em casa e por muito esforço que façamos para formar as pessoas, se não houver um suporte em casa não resulta. Os pais devem acolher quando corre mal e não castigarem mais do que os ginastas já se castigam. Mas como nesta modalidade a expectativa de que dê dinheiro ou sucesso não existe, ao contrário do futebol, não há muitos casos de pais que tentam ocupar a função de treinadores.
Há famílias que vivem um verdadeiro inferno a tentar gerir a vida dos filhos entre o tempo escolar, actividades extra-curriculares e de prática desportiva. Neste país gere-se mal o tempo de vida?
Acho é que tem que se gerir muito bem mas esta é a gestão que é possível e não aquela que era ideal. Se um pai tem que trabalhar oito horas as crianças, mesmo que saiam mais cedo, têm que ir para um ATL. O ideal seria viver num país onde se sai do trabalho e da escola as 15h00 e se tem quase meio dia para fazer o que se quer.
Em que medida o desporto nos pode ajudar a sermos melhores cidadãos?
Se for uma prática direccionada para um determinado objectivo só pode ajudar porque nos obriga a sermos mais organizados, focados e selectivos. Se conseguirmos pôr isso na actividade desportiva e o passarmos para a nossa actividade profissional só temos a ganhar.
Uma escola onde se voa alto e se ambiciona um espaço de treino
O Gimno Clube de Santarém é uma associação fundada em Setembro de 1997 que se dedica à prática de ginástica de trampolins nas suas diversas formas, desde a formação, competição e recreação. Tem ainda uma forte tradição na motricidade infantil para crianças desde os três anos e, desde 2020, conta com a mais recente modalidade de ginástica, o Parkour.
Fernando Gaspar é presidente do Gimno Clube de Santarém (GCS) e um dos rostos mais conhecidos e acarinhados da associação que se dedica à prática de ginástica de trampolins. O ex-ginasta do Cartaxo é, em simultâneo, treinador no clube há quase duas décadas e o principal responsável pela dimensão que o mesmo alcançou nos últimos anos tendo como ex-libris a Scalabiscup, uma prova internacional que se realiza todos os anos em Santarém e que leva largas centenas de atletas à cidade produzindo um enorme impacto na economia local.
Embora os resultados não sejam o mais importante para um clube que diz ter o seu foco na formação de pessoas a competitividade e a participação em provas estão-lhe inerentes contando com a conquista de uma medalha no Campeonato da Europa de Duplo Mini Trampolim por equipas e várias participações em campeonatos do mundo por idades, nos quais tiveram três ginastas a disputar a final. Actualmente a associação conta com 132 atletas, maioritariamente do sexo feminino, e uma equipa técnica constituída por seis profissionais.
Para o actual dirigente, que é Técnico Superior de Desporto, as conquistas deste clube que faz voar alto os seus atletas e a cidade onde nasceu não se medem pelo trabalho de uma só direcção mas de anos de dedicação à causa de todos aqueles que fizeram parte: dirigentes, treinadores e ginastas. Consciente de que “as exigências de gerir um clube são cada vez maiores” e que “o associativismo está cada vez mais difícil” Fernando Gaspar acredita que o Gimno Clube de Santarém há-de sempre continuar o seu trabalho em prol da formação e prática desportiva num país que ainda não a valoriza como devia.
O Gimno Clube de Santarém tem como ambições continuar a crescer em número de praticantes, conseguir com que os ginastas permaneçam mais anos na modalidade, organizar uma nova taça do mundo, provavelmente em 2025, e ter um espaço de treino próprio. Já este ano o clube vai organizar mais uma edição da Scalabiscup, que vai decorrer de 11 a 13 de Julho, com a presença de centenas de atletas vindos de várias partes do mundo.