O MIRANTE | 11-03-2024 21:00

Freguesias ainda são parentes pobres de uma democracia com 50 anos

Faz meio século que Portugal acabou com a ditadura, instituiu com a revolução do 25 de Abril a democracia, as eleições livres e o país abriu-se à liberdade. Valores que têm sido fundamentais para um país da esfera internacional e que contribuíram para uma maior inter-relação e coesão e para um poder local livre e que muito tem feito pela qualidade de vida das populações, dotando-as inicialmente de condições básicas e hoje de projectos que tornam mais modernas aldeias, vilas e cidades. Mas as freguesias, passados 50 anos, ainda não se tornaram verdadeiramente autónomas.

Augusto Barros Alves, presidente da Freguesia de São João Batista e Santa Maria dos Olivais

Municípios não dão o que as juntas precisam

“Ainda não conseguimos ter a autonomia financeira que devíamos ter”, refere o presidente da Junta de Freguesia de São João Batista e Santa Maria dos Olivais, no concelho de Tomar, para caracterizar a situação das freguesias 50 anos depois de instituída a democracia. Augusto Barros Alves realça que além da dependência das juntas em relação aos municípios, o pior é que estes, no âmbito dos contratos inter administrativos, não dão o que as juntas precisam.
No entender do autarca, o Estado que já dá uma parte directamente para o orçamento da junta deveria pagar as áreas de competências das juntas em vez de estas estarem dependentes das câmaras municipais. “Só as verbas atribuídas pelas câmaras municipais não chegam”, realça.

Mário Cantiga, presidente da Freguesia de Alhandra, São João dos Montes e Calhandriz

As pessoas esquecem-se do que era Portugal antes

O presidente da Junta de Freguesia de Alhandra, São João dos Montes e Calhandriz, concelho de Vila Franca de Xira, diz que o Estado ainda não percebeu que as juntas de freguesia são um elemento de proximidade e, para o bem ou para o mal, são o principal alvo das populações. Para Mário Cantiga a maior parte das vezes os autarcas de freguesia não têm o domínio sobre o território a que presidem. “Há quem decida fazer o que quer, desde as entidades do Estado, aos municípios, e nós não somos ouvidos”, sublinha.
Meio século depois da Revolução do 25 de Abril ainda falta haver um maior reconhecimento e uma maior descentralização, salientando que esse caminho já estava a ser traçado pelo Governo cessante, mas ainda é muito pouco. “Estou assutado com as eleições de 10 de Março com um possível crescimento da direita radical sem conteúdo e sem propostas. As pessoas estão cansadas e esquecem-se do que era o Portugal antes”, conclui.

Augusto Marques, presidente da Freguesia de Samora Correia

Regionalização seria importante para a autonomia das freguesias

Nos 50 anos da democracia, o presidente da Junta de Freguesia de Samora Correia considera que é importante que a democracia esteja consolidada e que não hajam sobressaltos como noutros países. “Em relação às juntas temos falta de autonomia, mas também a autonomia só acontece com capacidade financeira”, reflecte Augusto Marques, acrescentando que a “transferência de competências para as juntas dá-nos outra capacidade que antes não tínhamos, mas tem de vir devidamente acompanhada financeiramente”.
No caso de Samora Correia, no concelho de Benavente, realça o autarca, “suplicamos o orçamento em questão de tarefas”. No entender de Augusto Marques a criação da regionalização seria factor importante para a autonomia das autarquias locais, sublinhando que “criar um poder intermédio entre as autarquias e a administração central, era um passo de qualidade na nossa democracia”.

Manuel João Alves, presidente da Freguesia de Bemposta

Mais autonomia e menos burocracia a atrapalhar a celeridade

Meio século após a Revolução do 25 de Abril as juntas de freguesia continuam a não ter autonomia para que se faça mais pelas populações. A opinião é do presidente da Junta de Freguesia de Bemposta, concelho de Abrantes, Manuel João Alves. “No nosso concelho já temos os contratos inter administrativos e de delegação de competências que nos dão capacidade para fazer algumas coisas, mas não é suficiente”, afirma.
Manuel João Alves considera que a burocracia existente atrapalha a celeridade dos processos e existem obras simples, defende, que poderiam ser realizadas mais rapidamente se não fosse preciso andar com “tantos papéis para trás e para a frente”. O autarca refere que a autonomia é fundamental, embora seja necessário prestar contas. “Terá que haver sempre um elo de ligação entre juntas, municípios e Estado. Tem que haver uma hierarquia para não corrermos o risco de tudo se tornar uma anarquia. Temos que prestar contas uns aos outros, mas com maior autonomia das juntas”, sublinha.

António Torrão, presidente da Freguesia de Aveiras de Cima

Juntas ainda têm de ir ao beija-mão dos municípios

António Torrão lamenta que os presidentes de juntas de freguesia ainda tenham que ir ao “beija-mão” aos executivos municipais para pedir os valores financeiros que acham que as juntas merecem. O presidente da Freguesia de Aveiras de Cima, concelho de Azambuja, defende que as juntas deveriam ter, além de mais competências, um maior financiamento por parte do Estado. “Temos os acordos inter administrativos, que é aquilo que realmente executamos, mas algumas competências dos municípios deveriam ser feito pelas juntas”, realça o autarca comunista.
O autarca considera que os presidentes de junta estão habituados a gerir com pouco dinheiro. “Gerimos bem e a tentar fazer o máximo que conseguimos com o pouco dinheiro que nos cabe”, afirma. António Torrão dá o exemplo de que a Junta de Aveiras de Cima está a receber 1% do IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) para cuidar do espaço urbano. “Deveríamos ter mais contrapartidas. Conseguiríamos fazer obras mais rapidamente se não existisse tanta burocracia”, conclui.

Inês Correia, presidente da Freguesia de Benavente

Falta de recursos humanos e financeiros implica menor independência

Para Inês Correia no ano em que se assinalam os 50 anos do 25 de Abril a democracia ainda não deu aos presidentes de junta de freguesia os recursos financeiros suficientes para que possam fazer mais pela população. “Somos quem está mais perto das pessoas mas, infelizmente, os financiamentos do Estado e as receitas próprias que temos são diminutas face às necessidades que temos. Se tivéssemos maior autonomia poderíamos solucionar os problemas mais pequenos como arranjar o buraco na estrada, por exemplo”, diz a autarca da CDU.
Inês Correia defende que as autarquias são livres, e que a de Benavente tem feito um trabalho de descolagem à câmara municipal, embora vivam muito com a ajuda do município. “Infelizmente não conseguimos ter todos os recursos humanos de que necessitamos, mas também não temos dinheiro para isso. Não sermos totalmente independentes e com maior liberdade também advém da ausência de recursos humanos e financeiros que são escassos”, afirma.

Amílcar Alves, presidente da Freguesia São Fecundo e Vale das Mós

Regionalização poderia aproximar mais as freguesias dos cidadãos

O presidente da União de Freguesias de São Facundo e Vale das Mós, concelho de Abrantes, afirma que se não fossem as câmaras municipais as juntas não conseguiriam fazer trabalhos, mas essa dependência nem sempre é positiva. Amílcar Alves defende que deveria existir maior autonomia por parte das juntas de freguesia para benefício dos cidadãos que querem a estrada arranjada ou as bermas limpas. “Temos sempre que esperar que o dinheiro venha e isso nem sempre é tão rápido quanto gostaríamos. A culpa não é dos municípios, mas do Estado que tem uma elevada carga burocrática e emperra aquilo que deveria andar rapidamente”, realça.
50 anos depois do 25 de Abril e da tão desejada democracia, Amílcar Alves tende a concordar com a regionalização uma vez que, na sua opinião, poderia aproximar mais as juntas de freguesia da população e não existir tanta dependência da administração central. “Acredito que teríamos uma capacidade de resposta mais rápida da que existe actualmente”, diz.

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