O MIRANTE | 20-03-2025 21:00

CASBA: as associações não devem viver da caridade e da esmola e não podem ser geridas de chicote na mão

CASBA: as associações não devem viver da caridade e da esmola e não podem ser geridas de chicote na mão
ESPECIAL PERSONALIDADES DO ANO
Da esquerda para a direita: Margarida Figueirinha, Fernando Rosa, Manuela Santos e José Igreja, alguns dos rostos do CASBA de Alverca

Personalidade do Ano Associativismo - Centro de Apoio Social do Bom Sucesso e Arcena (CASBA)

O Centro de Apoio Social do Bom Sucesso e Arcena (CASBA), em Alverca, é há muito um exemplo de boa gestão, com uma política de reconhecimento dos trabalhadores com a atribuição de um ordenado extra ou pagando acima da média a educadores. A estabilidade e dinâmica está reflectida na construção de um novo lar de idosos no valor de dois milhões de euros sem pedir um cêntimo aos bancos. A instituição, criada por um grupo de pais há 48 anos, tem um papel importante na comunidade às portas de Lisboa e não tem parado de crescer nos últimos anos. Fernando Rosa, presidente da direcção há 21 anos, fez questão de estar acompanhado nesta entrevista por Manuela Santos (assembleia-geral), José Igreja (conselho fiscal) e Margarida Figueirinha (direcção).

Qual é o segredo para elogiarem as contas do centro?
Nunca dar um passo maior do que a perna e do que as capacidades. Há muitos anos, quando a associação nasceu, teve de olhar para a freguesia e perceber o que poderia fazer de diferente porque já tínhamos na freguesia uma instituição que é uma referência nacional, a Fundação CEBI. Tivemos de nos posicionar para oferecer um serviço diferenciado, senão seríamos sempre o parente pobre. Foi sempre esse o caminho, fazendo o nosso trabalho sem criar grande alarido. A casa era gerida por directores que vinham cá nos tempos livres e cedo percebemos que esse não era o caminho. Essa história do voluntariado é importante, mas só faz sentido até uma determinada dimensão. Não posso chegar aqui às 21h00 depois de um dia de trabalho, quando já está tudo decidido, e apenas assinar os papéis. Estou aqui para ser responsabilizado pelas minhas decisões porque estas casas se não tiverem uma boa gestão acabam.
Defendem a profissionalização das instituições sem fins lucrativos…
Quando se fala da gestão profissional podemos pensar que se trata de gerir o CASBA como se fosse uma empresa, mas não é inteiramente isso. Há na associação factores muito importantes, como a dignidade e a humanidade. Conseguimos vencer e enquadrar-nos nos nossos objectivos com uma gestão profissional. Criou-se a ideia há uns anos de que toda a gente na área social tinha de ser muito pobrezinha e isso não tem de ser assim. Por exemplo, não gosto dos pais que vêm oferecer brinquedos velhos que já não querem ter em casa.
Mas a ideia que persiste é que as organizações de solidariedade social têm de viver da caridade e da esmola.
Sou contra. Esta casa hoje, face ao serviço que presta, ao que criou e o seu património, preocupa-me. Durmo com a preocupação do que poderá ser o futuro da instituição. Atendendo à dimensão que já tem, o centro tem de ter cuidado no futuro e perceber bem qual o caminho a tomar. Vi crescer o CASBA e há sempre o receio de ele cair nas mãos de alguém que desbarate tudo o que se fez até hoje. Temos actualmente a creche gratuita e dependemos totalmente dos acordos de cooperação. Com o crescimento da cidade nestes 20 anos, com bairros com algum nível de qualidade, a procura aumentou substancialmente e felizmente estávamos preparados para dar resposta. Muita gente veio de fora do concelho viver em Alverca e a existência do CASBA foi determinante. Há dez anos passámos a dar inglês a todos os meninos do pré-escolar, quando nenhuma IPSS do concelho o fazia.
Construíram um lar de idosos que custou dois milhões de euros sem dinheiro da banca, mas o serviço ainda não abriu, porquê?
Está preparado e pronto para abrir. O centro tinha capacidade para fazer um investimento na área dos idosos e aproveitámos a crise da construção, durante a troika, para fazer uma obra que agora custaria o dobro. Há uma grande procura por aquele equipamento, mas a pandemia atrasou tudo um pouco.
O maior problema é a falta de recursos humanos?
Teremos de abrir o lar mais cedo ou mais tarde, não podemos estar eternamente à espera de encontrar as pessoas certas. Temos de olhar para as pessoas que precisamos para trabalhar e ver se têm determinados princípios e formas de estar na vida. Não queremos uma pessoa que venha só para um emprego e cumprir horário. Queremos uma pessoa que venha disposta a abraçar um desafio. Tentamos sempre reconhecer as pessoas, como aconteceu no ano passado, em que compensámos todos os funcionários com um 15º mês de salário. Todos têm seguro de saúde há 12 anos e não temos pessoal a recibos verdes.

Nas entrevistas de recrutamento perguntam logo o horário de trabalho

São precisas condições especiais para se trabalhar na área social?
Basta que tratem os outros com dignidade. Vivemos muitas vezes a esconder as verdades na nossa sociedade. Temos um défice de duas educadoras e quando fazemos entrevistas de recrutamento o que perguntam logo é qual é o horário de trabalho. Temos pessoas que vêm para cá trabalhar percorrendo 50 quilómetros por dia e outros que vivem a 3kms e não querem trabalhar aqui. O problema é ninguém querer trabalhar até às oito da noite, ou aos sábados ou domingos.
Concordam com a ideia de haver creches abertas até à meia-noite ou até mesmo 24 horas por dia?
Depende das necessidades e do mercado. Essas não são creches para os pais irem ao cinema mas porque estão a trabalhar. Em termos demográficos precisamos de mais crianças, mas depois não temos gente para trabalhar em determinados horários. Temos de dar mais tempo à família, mas a que custo? Aqui fechamos às 19h00 e sempre foi tema de conversa podermos vir a fechar às 20h00. Mas se um pai precisar ficam sempre funcionárias com as crianças mais um pouco, nenhuma é colocada à porta às 19h00. Quem se desloca de Lisboa para Alverca está sujeito ao trânsito.
É aceitável, 50 anos depois de Abril, que sejam as associações a assegurarem estes serviços sociais?
Atendendo ao que o Estado faz com a saúde, hoje mais do que nunca estas instituições não se devem retirar da sociedade. São muito mais humanas e de proximidade e não queremos tanto Estado presente. Sabemos noutros sítios onde há muito Estado como estão as coisas. Acho que devemos ser muito presentes e o segredo está no equilíbrio.
Que conselho dariam a outros dirigentes para ter bons resultados financeiros?
É preciso uma grande gestão a nível de pessoal e estas casas não se gerem de chicote na mão. Dirigem-se criando condições que as pessoas muitas vezes nem se apercebem que têm. Não há uma fórmula, apenas muito empenho e estar constantemente ligado à associação. Temos estado na linha da frente e tido uma relação excelente com a câmara municipal. É uma exigência muito grande a todos os níveis. Por exemplo, com as refeições escolares, começamos a cozinhar às 06h00 para a comida sair às 10h00 para cinco locais diferentes.
Existe cooperação com outras instituições, ou as instituições funcionam numa lógica de concorrência?
Já experimentámos várias situações. O CASBA há muitos anos convidou vários parceiros da área social do concelho para virem aqui perceber e discutir modelos e estratégias nesta área. Ficaram todos muito agradados pela forma como abrimos a porta. Sabem quantos convites tivemos para ir à casa deles até hoje? Zero. Ainda assim o CASBA, salvo excepções, tem uma boa relação com a maioria das associações do sector. Chegou a falar-se muito em gerir recursos entre nós há uns anos, sabem no que isso deu? Em nada. É tudo muito bonito mas essas partilhas e sinergias não acontecem tanto como podiam acontecer. É tudo muito pensado em cada momento, a gestão destas casas nunca é um caminho recto, depende da pessoa e dos conhecimentos que tem.
Como é que vêem o centro daqui a uns anos?
Espero que com um serviço diferenciado e melhor, mantendo a mesma oferta e se possível com novas valências. Também é importante melhorar os vencimentos do pessoal para captar mais talentos. Temos de pagar melhor aos recursos humanos. Há uma falta crónica de educadores. Um educador em início de carreira ganha muito mal, enquanto um em final de carreira ganha muito bem. Sou contra haver um a ganhar mil euros e outro a ganhar 2.800€. Isto foram coisas da revolução e não faz sentido, ter duas pessoas a fazer o mesmo trabalho com uma grande diferença salarial. Nós tomámos a decisão, há cinco meses, que o ordenado de uma educadora em início de carreira são 1.250€, mais que os 1.100 habituais. Se calhar isso não é aceite por todos os meus colegas da área social e se calhar ainda me dizem que o CASBA é rico. Mas defendo que as pessoas têm de ser mais bem remuneradas.
Alverca conhece e reconhece o vosso trabalho?
Acreditamos que sim. Parecemos muitos mas somos poucos, a cidade é pequena. Mas reconhece o nosso trabalho. Se não reconhecesse não tínhamos a procura que temos. Fazemos apenas o nosso trabalho e não o fazemos para sermos reconhecidos com prémios.

Promover a cidadania e a qualidade de vida da comunidade

O Centro de Apoio Social do Bom Sucesso e Arcena (CASBA), em Alverca, é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), sem fins lucrativos, reconhecida como entidade de utilidade pública. Assume como princípios fundamentais da sua prática profissional, a qualidade da intervenção prestada assim como a humanização dos serviços, tendo como meta a promoção da cidadania e da qualidade de vida da comunidade.
Tem 270 utentes, entre crianças e idosos, divididos pelas valências de creche, pré-escolar, CATL, centro de dia, apoio domiciliário, cantina social e banco alimentar. Tem 400 sócios, 70 trabalhadores e um orçamento anual de dois milhões de euros. Por dia também confecciona 1.200 refeições para as escolas da responsabilidade do município de Vila Franca de Xira. O CASBA luta diariamente para implementar uma lógica de responsabilidade social, orientando o seu trabalho através de rigor e empenho, que lhe permite uma melhoria contínua dos seus projectos e acções no dia-a-dia, impulsionando-os para um papel activo e fundamental na comunidade.
A associação nasceu a 26 de Dezembro de 1976 pelo desejo de vários pais que se confrontaram com a necessidade de um espaço onde deixarem os seus filhos enquanto estavam a trabalhar. Com o apoio da Câmara de Vila Franca de Xira, surgiram as primeiras instalações do CASBA no Bom Sucesso com duas salas de pré-escolar. Com o aumento populacional e a procura do serviço prestado pela instituição, foi inaugurada a valência de ATL na antiga escola primária de Arcena, em Novembro de 1981. A instituição continuou a sentir a necessidade de alargar as suas instalações e a 7 de Junho de 1986 abriu o seu novo equipamento, construído de raiz, no Bom Sucesso, o que permitiu o funcionamento de uma nova valência, a da creche.
A 16 de Dezembro de 2006 foram inauguradas as actuais instalações na Quinta da Panasqueira junto ao Jardim Central do Bom Sucesso, concentrando todas as valências. O equipamento tem três salas de berçário; quatro salas para o 1º e 2º ano e três para o 3º, 4º e 5º ano; uma sala heterogénea e cinco salas de estudo no ATL, bem como ludoteca, biblioteca e sala de informática. O espaço dispõe de um parque infantil e um ginásio. A missão da instituição é promover actividades no domínio educativo, cívico e social, com vista à construção de uma sociedade justa, de reconhecimento da importância da família, respeito pela diversidade e pela igualdade de oportunidades. Ser uma instituição de referência no âmbito das boas práticas e reconhecida socialmente é a sua missão e entre os seus valores estão a responsabilidade social, respeito, confiança, competência, dedicação e audácia.

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