O MIRANTE TV | 23-11-2023 00:47

As mulheres são muito melhores que os homens em cargos de liderança

Joaquim António Emídio elogiou a liderança das mulheres no discurso de entrega do Galardão Empresa do Ano que se realizou esta tarde, 22 de Novembro, no Convento de S. Francisco, em Santarém.

Os poetas, começo com os poetas, costumam glosar muita a poesia para escreverem poesia. É feio, demonstram pouca criatividade, mas poucos resistem ao encanto de cantarem a musa e os encantos que a musa proporciona às vezes em versos tão pobres que até doem, embora todos achem que um dia vão ficar na história principalmente depois de conseguirem ler e compreender Camões, Horácio, Virgílio, Dante e o grande Homero, talvez o mais criativo e valoroso de todos os poetas.

Talvez por isso, porque a minha vida é escrever, resisto à tentação de repetir as ideias e os textos de edição para edição deste galardão que já vai na sua 22 edição.

Aliás, nestes últimos 22 anos, ou depois destes 22 anos, são visíveis as diferenças e as marcas do tempo, nomeadamente no meu espírito e na minha pele. E na nossa economia nem se fala. Não vivemos no melhor dos mundos, mas temos futuro assim a nossa classe política se alie à classe empresarial que tem dado boas provas.

Há um texto do presidente da AIP, José Eduardo Carvalho, numa das nossas últimas revistas, que ajuda a compreender a necessidade de conhecermos melhor a nossa realidade porque isso responsabiliza-nos e obriga-nos a ter opinião, porque é com opinião, com jeitinho ou á martelada, que se constrói uma ideia, assim como é com dor que começa e acaba o parto de uma criança.

Picasso dizia que é preciso vivermos muitos anos para sermos jovens. Concordo com ele e trago sempre comigo essa ideia de que aos 50, aos 60 ou aos 80 vivemos na idade ideal para deslizarmos em vez de caminharmos, sonharmos em vez de vivermos os pesadelos das coisas eternamente adiadas.

Picasso também dizia, ou aconselhava, que um artista não deve ter vergonha de copiar os seus mestres porque se ele for bom há-de chegar o dia em que fará melhor do que ele.

Vou por aí; vou seguir um dos caminhos de Picasso, homem de negócios mais do que artista. Se há vidas que me interessam é a de Pablo Picasso e não só pela sua Obra, mas pela sua vivência. Ninguém como ele foi tão genial, mas também ninguém como ele tratou tão mal as mulheres da sua vida, fazendo delas o que o Diabo não fez às cobras.

No atual mundo empresarial, a presença das mulheres em cargos de liderança tem crescido consideravelmente e O MIRANTE é um bom exemplo. Temos uma diretora executiva há quase 20 anos que bem podia estar aqui no meu lugar a representar a empresa não fosse eu um cão danado agarrado ao osso, embora já com pouca carne. E o avanço das mulheres em cargos de chefia não resulta só destes tempos difíceis que atravessamos, e da necessidade de nos equilibrarmos num mundo em transformação, gerido muitas vezes por pessoas que só pensam em dólares, e em património, e desprezam a cultura que inclui a ida ao cinema e ao teatro, a família, as viagens, os tempos de ócio à volta de uma mesa, os cuidados com o corpo e a saúde.

Um dos desafios mais difíceis para as mulheres que lideram empresas é o equilíbrio entre a vida familiar e profissional. As mulheres que dominam o sector mais rentável da nossa empresa sabem disso melhor do que os homens que dominam a Redacção. Nem por isso deixamos de nos entendermos, e as mulheres não deixam de ter, apesar de ainda minoritárias, um papel significativo na área editorial. Não é segredo que o Bernardo Emídio casou com uma jornalista da Redacção que está aí a trabalhar que nem uma leoa, para um dia destes fazer frente ao marido, quem sabe ganhando-lhe uma chefia ou obrigando-o a ficar em casa a cuidar dos filhos, que hão-de chegar, enquanto a mãe tem que trabalhar por sentir a responsabilidade de mostrar serviço e dar o exemplo.

Há alturas em que os homens, se fossem mais inteligentes, só tinham a ganhar com o facto das mulheres serem muito melhores a governar do que os homens. Dou-vos o meu exemplo porque sempre sonhei marcar a diferença num mundo cada vez mais governado por traficantes de influências, negociantes de selos e de cascas de alho, que eles depois transformam em pepitas de ouro como por milagre.

Casei aos 22 anos e desafiei a minha mulher a estabelecer-se por conta própria, enquanto eu aprendia a respirar, ou a dar ar aos pulmões, num escritório a cheirar a bafio, sentado a uma secretária. Disse-lhe que eu garantia, depois das 5 da tarde, quando saía do emprego, os cuidados de casa, que incluíam os cuidados com os filhos, a roupa e a comida na mesa.

Só há quase duas décadas é que percebi que foram os seis anos mais felizes da minha vida, embora na altura nem imaginasse que poderia dizer uma coisa destas, quase meio século depois. Folgado que nem um cão de guarda onde não há nada para roubar, carregava botijas de gás, cozinhava arroz de cenoura, dormia com os meus filhos no peito, dava-lhe a papa, era o canalizador, o eletricista e tudo o mais que uma mulher precisa ao seu lado para trabalhar 11 horas por dia, incluindo muitas vezes os dias de domingo, que deveria ser o único dia de folga não fosse o trabalho de cabeleireira ainda mais de escravo que o de jornalista.

E foi assim que graças a ter casado com uma mulher que nunca teve medo do trabalho, e que até tuberculosa, num estado que até metia dó, nunca deixou de abrir a porta do salão de beleza, e de ganhar durante anos em três dias aquilo que eu ganhava num mês como ajudante de um guarda-livros que tinha pouco para fazer, e só me dava trabalho quando lhe apertavam os calos. Foi assim que arranjei um pé-de-meia para me fazer à vida agora já não como um cão de guarda, mas como um leão que sempre achou que para ser o rei da selva tinha que merecê-lo todos os dias.

Não fosse eu acreditar, quando ainda faltava uma eternidade para chegar aos trinta anos, que um homem só é homem se souber mudar fraldas, lavar toalhas e ir ao quintal estendê-las no arame sem que os parentes lhe caíssem na lama, por os vizinhos estarem de olho em mim, e hoje provavelmente estava a viver numa vila dos arredores de Paris que era para onde tinha lançado o anzol para o caso de não conseguir um trabalho que me desse a independência que eu nunca tive até sair da situação de escravo do meu pai, que me obrigou a trabalhar para ele até aos 22 anos, e de onde sai com uma mão atrás e outra à frente, embora com um curso profissional avançado que durou dos 11 aos 22 anos.

Nessa altura não sabia o que Picasso fazia das sete mulheres com quem casou, a forma como se aproveitava delas para revolucionar a pintura, tão pouco sabia os truques que usava para valorizar as suas Obras. Tudo o que aprendi depois de ganhar coragem para comprar uma casa e ter a sorte, um ano depois de a comprar, de conseguir uma segunda hipoteca do imóvel para pedir um empréstimo e abrir um negócio e aprender um ofício, devo-o à mulher com quem casei e me deu sociedade num salão de beleza, em que a minha actividade principal era tomar conta da gaveta do dinheiro ao fim de cada dia.

Não é de agora a minha convicção de que as mulheres são muito melhores que os homens em cargos de liderança, ou pelo menos são tão boas como eles, como nós, se tiverem as mesmas oportunidades. A minha avó materna, que foi a primeira mulher que admirei até às lágrimas, era uma pobre de Job e, no entanto, por mais dinheiro que ganhe, nunca serei tão rico como ela foi em espírito e sacrifício, e muito menos serei capaz de a igualar em amor pelos meus filhos e netos, como o amor que eu sei que ela tinha por mim e eu tinha por ela.

Os poetas, acabo com os poetas, costumam glosar a poesia à falta de imaginação para escreverem sobre a sensação de caminharem por cima da água, abrirem estradas onde só há pedregulhos, semearam trigo no quintal ou num vaso da varanda de casa ainda que seja só para colherem uma espiga e saberem diferenciar um bago de trigo de uma semente de tremocilha.

Por isso é que eu, regra geral, confio mais nos empresários que nos poetas. Principalmente se forem mulheres; principalmente se forem homens que sabem dar valor ao facto de terem as suas mulheres preparadas para o que der e vier. Não para servirem de modelos como algumas do Picasso, mas como a minha que é responsável por quase tudo o que de bom me aconteceu.

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