Opinião | 05-05-2016 16:53

O leite e os cereais

“O que vai primeiro para dentro da taça, o leite ou os cereais?” Pode ser surpreendente mas os argumentos de um lado ou de outro roçam o infinito e são de todos os tipos, designadamente ecológicos.

Já aqui tenho manifestado o enorme privilégio de conviver com alunos todos os dias. Mesmo ao fim de 30 anos continuo a ser surpreendido. As aulas práticas, como as que dou por esta altura, são as melhores; trabalha-se e vai-se conversando sobre “banalidades” sem comprometer a qualidade e o objetivo da aula. Com poucos alunos a coisa ainda fica melhor; na última estavam apenas quatro. Ao fim de 10 aulas já conheço alguma coisa deles, além de serem arquitetos paisagistas do segundo ano. Entre uma bejense, uma lisboeta, uma açoriana e um eborense a conversa só pode ser interessante. Nunca, mas nunca, me tinha passado pela cabeça: “o que vai primeiro para dentro da taça, o leite ou os cereais?” Antes de mais, será isto uma questão? Há a resposta certa? A turma (os presentes) aposta claramente no leite na taça e depois os cereais. Pode ser surpreendente mas os argumentos de um lado ou de outro roçam o infinito e são de todos os tipos, designadamente ecológicos. Entretanto, fiquei a saber que o tema tem sido discutido na turma e o Paulo apressa-se a dizer que o resultado na turma é o contrário da amostra presente e conclui: quem defende o contrário falta mais às aulas. Pouco me interessa se tudo isto tem alguma razão, mas palpita-me que nada disto é tão irrelevante como parece à partida. Há aqui muito de imaginação e criatividade, o que, convenhamos, fazem muita falta aos futuros arquitetos. São pessoas ainda muito jovens, com uma significativa margem de formação e por isso este debate e troca de ideias só podem ser bons. Quem convive “com esta gente”, sabe que os sucessivos projetos convidam às longas horas de trabalho em horários não convencionais, isto é, estes alunos passam muito tempo juntos muito para além do habitual. Na prática, o debate de ideias é sempre bom e, se praticado, aprende-se. No que me toca, não tenho dúvidas que um arquiteto que saiba conversar e confrontar as suas ideias e convicções com as dos outros tem muitas probabilidades de ser melhor que quem o não faça. É assim em tudo, ter a coragem de expor, defender aquilo em que se acredita e aceitar a opinião alheia mesmo que oposta à própria é contribuir para uma sociedade melhor, de homens livres que se transformam para melhor todos os dias.
Entre outras conclusões, confirmo que esta turma vale a pena; eles pensam e conversam uns com os outros. No fim acabei por lhes propor um novo tema, igualmente improvável: porque vêm as pizas redondas em caixas quadradas? Fico com a certeza de que vão sair ideias e justificações fantásticas.
Carlos Cupeto
Universidade de Évora

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