Opinião | 04-12-2017 20:53

Cidadania e Governança: institucionalização da participação

Não é apenas através dos ‘processos de participação’ que se encontram as soluções para toda a disparidade de comportamentos sociais; talvez possibilitem, sim, uma maneira diferente de lidar com problemas atuais e futuros.

Muitas comunidades, por esse mundo fora, perante problemas concretos, procuram encontrar respostas adequadas. Na maioria dos casos, deparam-se com posições bem distintas, onde o interesse de cada uma das partes interessadas é levado ao extremo e, quando isso acontece, põem em causa o bem comum da própria comunidade, da região onde está inserida e do mundo do qual todos fazemos parte.

Há cerca de 20 anos nasceu uma cultura político-jurídica dos países da América do Sul, com a promulgação de constituições comprometidas com a legitimidade popular e com o exercício da democracia. Com esta mudança de paradigma, o chamado Novo Constitucionalismo Latino-americano, chamou a atenção pela sua originalidade, nomeadamente através da Carta Maior do Equador (2008) e da Bolívia (2009), ou, da Carta Magna da Venezuela (1999) e da Colômbia (1991). Estes Países adotam, em igualdade de situação, a democracia indireta por meio dos representantes políticos e a democracia direta criando mecanismos de participação abertos aos cidadãos e entidades coletivas, de forma a ir ao encontro dos interesses das comunidades, de uma forma mais fidedigna.

A Colômbia, desde os anos 80 do século passado, aposta na institucionalização da participação, através de definições institucionais que consagraram o direito à participação, como dever e como meio de fortalecer a democracia e melhorar as condições de vida dos colombianos. Neste contexto, foram criados espaços e mecanismos de participação em diferentes áreas da vida coletiva. A questão é perceber se os mecanismos existentes levam em linha de conta as necessidades da comunidade ou se as incluem no produto final ‘Politicas Públicas’.

Neste sentido procurámos um exemplo de aplicação prática desses mecanismos de participação e encontrámos alguns artigos sobre o modelo aplicado em Bogotá entre 2010 e 2015, a propósito da definição de políticas públicas para a criação do instrumento de gestão do território: Plano de Ordenamento do Território (POT). Fortemente participado devido à polémica centrada no crescimento habitacional desorganizado (já antiga), causado pelo crescimento demográfico (pessoas que procuram na cidade a solução para a estabilidade social e económica das suas famílias), este processo de auscultação gerou forte antagonismo entre atores do mesmo território: por um lado, as famílias ao ocuparem reservas ecológicas geram impactes negativos na cidade, e, por outro lado, os políticos ao auscultarem as partes interessadas (cidadãos e entidades coletivas) não integraram a posição destes na política final. Existindo assim, um claro desentendimento entre os agentes públicos (políticos-autarcas) e os agentes sociais afetados (cidadãos - os destinatários finais da política).

Estes processos de auscultação existem em todos os países democráticos, sendo o mais comum a “Consulta Pública”. O resultado desta auscultação contribui para a definição de instrumentos de gestão do território administrativo que, no caso de Bogotá, se chama POT (Plano de Ordenamento do Território) e em Portugal PDM (Plano Diretor Municipal) e, estes por sua vez, estão interligados com os planos de ordenamento regional e nacional. Através destes processos de discussão, as autarquias procuram superar deficiências de processos anteriores, encontrar respostas para questões sociais, económicas e ambientais, procurando mediar o conflito entre a expectativa social e o compromisso regional e nacional de desenvolvimento.

Assim, quando entramos num processo de discussão pública com uma expressão de interesses tão divergentes, temos de perceber o papel de cada parte interessada, tendo em linha de conta a “pressão” que cada ator exerce para a decisão política final e que peso terá esta para as pessoas, para a economia e para o planeta. No caso de Bogotá o processo seguido foi baseado na Network Theory [técnicas para analisar a estrutura de um sistema em que os atores interagem, desde que exista algum tipo de troca entre eles, sendo tangíveis (bens materiais) ou intangíveis (ideias e valores), e são representados em rede].

A aplicação desta teoria das Redes, para Sacomano (2004), leva em consideração as propriedades: centralidade, equivalência estrutural, autonomia estrutural, densidade e coesão, e, para Barabási (2002), contribuem muito para a representação da modelagem e da estrutura que estão presentes na natureza e na sociedade. A recolha e análise destas propriedades têm a particularidade de auxiliar analistas a perceber quais os fatores relevantes nas complexas relações entre atores integrantes de uma rede.

O sociólogo Mark Granoveter (2007) diz que a sociedade “carece de uma estrutura para pensar sobre por que e como é que as pessoas (atores) devem interagir e cooperar entre si.” Esta afirmação, parte de uma velha história que se conta sobre a dinâmica no mundo: negócios e nações obtêm mais sucesso quando são mais competitivos; biologia é falar de guerra, onde apenas os aptos sobrevivem; política é vencer. Tudo isto enfatiza, até de maneira exagerada, o papel da competição como condutora da evolução do progresso e da sociedade.

Esta experiência em Bogotá permitiu, para além de identificar as partes interessadas com relevância para o processo, determinar o estado de participação e de diálogo entre agentes, bem como, definir os denominadores comuns e que implicam compromisso com o interesse comum da cidade.

Mas, não é apenas através dos ‘processos de participação’ que se encontram as soluções para toda a disparidade de comportamentos sociais; talvez possibilitem, sim, uma maneira diferente de lidar com problemas atuais e futuros. A participação, entendida como tal, implica uma relação de compromisso entre o Estado e a sociedade civil e a sua institucionalização permite melhorar as políticas públicas.

A criação de condições de facilitação dos processos participativos é da maior importância. Os grandes desafios do século XXI pedem novas estruturas de participação que sejam mais user friendly, mais diversas e cosmopolitas e que favoreçam o envolvimento de todos os segmentos da sociedade. Sendo assim, por que não institucionalizar a participação na administração local?

José Fidalgo Gonçalves

Investigador Católica-CESOP, Lisboa

Dez.2017

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