Opinião | 01-04-2021 07:12

Vamos em sentido único a caminho dos tempos do Pentateuco

O mundo mudou desde a descoberta da internet. Jeff Benzos triplicou a fortuna em tempo de pandemia. Agora é ele que manda no mundo carregando diariamente num botão que, para nosso espanto, não é o da bomba atómica. Não vai morrer uma multidão mas vamos ficar todos com a mesma doença que há-de chegar à nossa caixa de correio, num anexo, com notícias e a hóstia da missa de domingo incluída. Tudo ao preço da uva mijona patrocinado pelas empresas dos chineses espalhadas por toda a Europa.

As livrarias são dos negócios mais ruinosos do mundo mas também dos mais interessantes e desafiantes, principalmente para quem vive com a cabeça na lua e acha que o mundo é sempre cor de rosa. E se as livrarias vendem jornais... ainda pior porque só o trabalho de fazer contas com as distribuidoras ocupa um ou mais postos de trabalho dependendo da dimensão do estabelecimento comercial e do número de títulos que se podem encontrar nas bancas. Apesar de uma livraria ser tão importante para uma comunidade, principalmente quando substituem os postos de venda de jornais, que entretanto vão fechando por todo o país, o Governo de António Costa fechou as livrarias e os seus postigos durante meses. Esta gente da política que combateu o salazarismo, que todos os dias fazem vénia aos artistas e aos escritores, embora de verdade não lhes liguem nenhuma, depressa encheu a barriga de liberdade; e a boca de mentiras e falsas promessas. As livrarias não couberam nos 52 tipos de comércio que o Governo privilegiou, e que manteve e mantém abertos durante o confinamento, porque toda a gente se esqueceu da importância dos livros e do quanto eles ainda são, e serão, precisos para continuarmos a nossa caminhada civilizacional. É difícil acreditar que há um governante, nos dias de hoje, que ache que uma livraria não pode vender livros ao postigo, ou até de porta aberta com restrições, quando consegue encontrar 52 excepções em outros negócios. É difícil aceitar que haja um Governo que admita pôr em causa a sobrevivência de um sector comercial, que é dos mais desprotegidos do mundo, e que, a cada ano, vai desaparecendo mais rápido que algumas espécies de animais.

Ser livreiro, editor ou distribuidor de livros, ter coragem para montar uma banca de jornais e de revistas, era uma actividade para malucos antes da pandemia. Com a pandemia tornou-se uma aventura quase igual à dos tempos da impressão do Pentateuco, o primeiro livro impresso com caracteres móveis em Portugal, a 30 de Julho de 1487, uma obra em hebraico, impressa por Samuel Gacon, um algarvio de origem judaica.

Os tempos que vivemos são outros mas caminhamos como há quinhentos anos num sentido único que, antes da internet, parecia impossível. A impressão de jornais e revistas está em causa com o ataque ao mercado publicitário dos gigantes da Google, Facebook e Amazon. Jeff Bezos, o homem mais rico do planeta, triplicou a sua fortuna desde que vivemos em pandemia. Enquanto isso os governos de todo o mundo vão aceitando as posições dominantes dos grandes magnatas da comunicação, que se preparam para governar o mundo carregando diariamente num botão que, para nossa grande surpresa, não é o botão da bomba atómica que nos causava tanto medo e nos fez marchar quando éramos índios, ou julgávamos que éramos.

Se uma livraria tem que fechar portas em tempo de pandemia, e não merece o mesmo estatuto que uma loja de eletrodomésticos, e ninguém faz uma procissão a gozar com esta malta, do que é que vale continuar a acreditar no Pai Natal? Se para lermos notícias e livros, que eles escolhem a seu belo prazer, temos que alimentar a fortuna do todo poderoso Jeff Benzos, do que é que vale mantermos abertas as igrejas e os hábitos de irmos tomar a hóstia ? Só não respondo à pergunta porque este texto não é uma rendição: é um apelo à revolta. JAE.

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