Lisboa e as Torres de Mussolini
Um território com dez milhões de habitantes é uma pequena cidade. Acontece que os sucessivos governos, em vez de governarem Portugal como se fosse uma cidade, continuam a governar Lisboa como se fosse o país.
Portugal é hoje um micro-país que reproduz em ponto grande o mesmo modelo de desenvolvimento dos micro-municípios em que está sub-dividido: uma sede de concelho desproporcionada em relação às restantes localidades do município que, numa primeira fase, cresce à conta do esvaziamento das freguesias rurais para, numa segunda fase, ela própria se começar a esvaziar para Lisboa, perdendo população activa e massa crítica. Ou seja, começa-se por migrar dentro do próprio território para depois se emigrar.
Um território com dez milhões de habitantes é uma pequena cidade. Acontece que os sucessivos governos, em vez de governarem Portugal como se fosse uma cidade, continuam a governar Lisboa como se fosse o país.
Para haver crescimento sustentável e renovação das gerações num pequeno país como o nosso, é necessário, antes de mais, que não o tornemos ainda mais pequeno, amontoando tudo o que mexe dentro de uma região superlotada. Cabe, pois, ao poder político esticar a área territorial da Grande Lisboa a todo o território nacional, em vez de continuar a encolher Portugal para melhor caber dentro da capital.
Recordo que somos o único país da Europa onde todos os poderes e praticamente todas as sedes do poder político, administrativo, judicial, financeiro e da comunicação social nacional estão concentradas na capital. E o pior é que ninguém quer de lá sair.
Face ao esvaziamento vertiginoso de todo o território nacional para Lisboa, apenas a cidade do Porto, com a sua tradição liberal e de resistência contra o poder da Corte e de Salazar, tem hoje dimensão e capacidade para defender o território contra o centralismo retrógado e criminoso de Lisboa.
Acontece que Salazar, seguindo de perto os ensinamentos de Mussolini, o primeiro político a ter consciência da importância do futebol na manipulação das massas, conseguiu transformar os clubes de Lisboa, promovendo e estimulando a rivalidade acéfala e doentia entre Benfica – Sporting, nos dois únicos clubes nacionais. Quem não era do Benfica era do Sporting e vice-versa. Não havia alternativa.
E hoje, 50 anos após o 25 de Abril, Benfica e Sporting continuam a ser os dois grandes eucaliptos, ao serviço de Lisboa, que esvaziam qualquer mobilização nacional contra o centralismo. Rui Moreira, na sua recente declaração sobre a forma privilegiada como Lisboa é tratada pelo Governo, tem inteira razão e devia revoltar, mobilizar e indignar todos os portugueses que vivem fora da região de Lisboa e que são tratados pelo Governo, como se vivêssemos num verdadeiro regime de Apartheid.
Dou dois exemplos. Os alentejanos são hoje tratados abaixo de cão pelo Governo que olha para o Alentejo como um local aprazível para os alfacinhas irem passear o cão ao fim-de-semana e para os alentejanos como as personagens das anedotas que contam aos amigos. Por sua vez, a região de Abrantes está-se a transformar numa região fantasma de casas em ruínas que nada tem a oferecer às gerações mais novas e mais qualificadas. Quanto a Santarém, já está reduzida a um dormitório de Lisboa, passando os seus políticos mais representativos mais tempo em Lisboa do que em Santarém.
No entanto, se Rui Moreira levantar a voz contra Lisboa, os alentejanos e os abrantinos, em vez de se colocarem ao lado de Rui Moreira, atacam-no e colocam-se ao lado de Lisboa. E porquê? Porque são do Benfica e do Sporting e Rui Moreira é do… Porto.
Tal como ensinou Mussolini, transformar a rivalidade de dois clubes da capital numa rivalidade nacional é o segredo para a coesão nacional em torno de Roma, uma vez que o futebol consegue hoje aquilo que, na Europa, nem a política, nem a religião conseguem: unir e mobilizar os cidadãos na defesa do seu clube contra os interesses da sua própria família, do seu partido, da sua religião e das suas cidades.