Opinião | 13-07-2021 15:57

Não

Discutimos de tal modo os projetos e os dispêndios que se pretendem fazer, que até se derrubam governos na discussão dos orçamentos. Sim, derrubam-se governos devido a previsões com que não se concordam, mas não cai um único Secretário de Estado devido a um relatório de contas.

Os dirigentes políticos de um modo geral e os autárquicos em particular, possuem duas características que se complementam: por um lado são pródigos em promessas e em traçar horizontes virtuosos e, por outro - e devido a isso mesmo -, têm muitas dificuldades em proferir o vocábulo “não” aos seus eleitores.

Previsões e promessas são especialidades de políticos de um país atrasado. Já proferir o advérbio “não” é predicado de políticos de sociedades desenvolvidas. Aliás, quanto mais se analisarem relatórios de contas, mais frequentemente surgirá a palavra “não” na mente de quem os lê.

Daí que permaneçamos num país onde se discute até à exaustão os documentos previsionais – que fazem previsões… – e que quase ninguém conteste e examine em minúcia os Relatórios de Gestão e Prestação de Contas dos Municípios ou a Conta Geral do Estado – que é apenas o principal documento de prestação de Contas do Estado.

Discutimos de tal modo os projetos e os dispêndios que se pretendem fazer, que até se derrubam governos na discussão dos orçamentos. Sim, derrubam-se governos devido a previsões com que não se concordam, mas não cai um único Secretário de Estado devido a um conteúdo de um relatório de contas.

Ignoramos, olimpicamente, onde se gastou o dinheiro dos nossos impostos.

De facto, o advérbio “não” encerra em si mesmo um poder construtivo que parece paradoxal face ao seu simbolismo. Na verdade, nos tempos actuais do relativismo ético, a palavra “não”, de imediato, sugere sempre o lado negativo de uma realidade. Exprime negação, rejeição, contraria, impede, obstaculiza, tira votos, é uma chatice!

Quanto mais não seja, é o inverso do sim, da afirmação, do lado positivo de uma realidade, do-estar-sempre-tudo-bem e até da suprema felicidade. Dizer “sim” é, afinal, nunca arranjar problemas com terceiros e ser parceiro e amigo de todos e arredores…

Só que o “não” constitui o termo mais importante para a educação e estruturação do Ser Humano. A pertinência de se poder proferir a palavra “não” é superlativa. Constitui mesmo a destreza educativa suprema que os pais possuem para estimularem o desenvolvimento da autonomia dos seus filhos. Claro, tal só será válido para quem pretenda que a sua prole desenvolva a paciência, uma atitude positiva saudável, valores e códigos claros de comportamento e conduta.

Em Portugal, se o vocábulo “não” rareia na boca dos dirigentes políticos, em ano de eleições autárquicas é uma palavra maldita. Ninguém a profere com medo de perder votos. E até têm razão: o povo detesta que um político lhes diga um “não”. O mesmo povo que vota numa narrativa megalómana, é o mesmo que anos depois vota numa outra ainda mais sumptuosa.

Não obstante, também na estruturação das sociedades desenvolvidas o “não” vai ter de ser a chave para muitos entroncamentos aparentemente sem solução.

Os executivos e as oposições autárquicas, em vez de apresentarem promessas de projectos impossíveis com gastos cada vez mais absurdos, deviam antes examinar os relatórios de contas e aprender de uma vez por todas a proferir o advérbio “não”. Ter coragem perante os concidadãos, é privilegiar o serviço público à demagogia. É potenciar também a paciência, uma atitude positiva saudável, valores e códigos claros de comportamento e conduta.

Não existem regiões desenvolvidas sem contas certinhas no papel.

P.N.Pimenta Braz

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