Opinião | 17-09-2021 08:23

As bufas

O Facebook tornou-se hoje num verdadeiro instrumento de domesticação do homem comum, onde a livre opinião é escrutinada e censurada, caso não caiba no espartilho dos dogmas da elite dominante.

"No tempo da outra senhora, sempre disse o que me apeteceu e nunca fui perseguido pela PIDE e agora, se disser o que penso, sou perseguido". Já, por diversas vezes, ouvi este argumento com que se pretende demonstrar que hoje existe menos liberdade de expressão do que antes do 25 de Abril. E, de certa forma, o argumento tem fundamento, uma vez que Salazar nunca perseguiu aqueles cujas opiniões eram politicamente correctas para o regime.

Com efeito, o que distingue uma ditadura de uma democracia liberal é precisamente o direito de cada um de nós poder expressar ideias e opiniões politicamente incorrectas e que, inclusive, colidem com os valores em que se funda o próprio regime.

Como dizia Karl Popper, “ninguém sabe o suficiente para ser intolerante.” Daí que o centro das sociedades abertas resida, precisamente, na possibilidade de discordarmos e podermos livremente expressar a nossa opinião, única forma de podermos aprender e evoluir. O que significa, como escreveu Karl Popper, que “a liberdade de expressão deve ter primazia sobre o nosso desejo de não ofender”, uma vez que, “quando evitar ofensas constitui a nossa principal preocupação, rapidamente se torna impossível dizermos livremente seja o que for.

E foi precisamente graças ao direito à liberdade de expressão que as sociedades ocidentais evoluíram, não só cimentando os direitos das minorias como também acolhendo novas ideias, novos valores e novos movimentos que alteraram profundamente a nossa organização social, familiar, profissional e institucional.

Acontece que aqueles, que ainda há não muito tempo se agarravam ao direito à liberdade de expressão para expressarem as suas opiniões polémicas e provocatórias que chocavam a moral vigente, a partir do momento em que passaram a controlar o espaço público, instituíram uma nova censura, em nome da Nova Verdade de que eles se arrogam detentores.

O Facebook tornou-se hoje num verdadeiro instrumento de domesticação do homem comum, onde a livre opinião é escrutinada e censurada, caso não caiba no espartilho dos dogmas da elite dominante. E a nossa democracia não só reciclou a mordaça herdada do tempo do fascismo como passou agora a contar, por força da igualdade do género, com uma legião de bufas sempre dispostas a denunciar alguém que tenha a ousadia de usar uma expressão ou uma palavra proibida. Até a mentira foi nacionalizada, passando a ser monopólio exclusivo dos governantes e dos políticos encartados pelo regime.

Quanto às bufas, verdade se diga, não diferem em nada dos bufos do antigamente, apenas têm um cheiro mais acentuado pelo facto de vivermos em democracia. Pessoalmente detesto bufos e bufas. E, entre uns e outras, sempre prefiro, sem qualquer sombra de dúvida, o peido altivo e sonoro com que Salvador Sobral prometeu brindar a turba e que tanto indignou as redes sociais.

Na altura, também me indignei, porque não gosto de gente que promete e não cumpre. Mas hoje compreendo perfeitamente por que razão Salvador Sobral se encolheu e, no último momento, decidiu fechar as comportas. É que um país de bufas não vale um peido...

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